BC pode cortar juros em dezembro com inflação benigna, diz economista-chefe do Inter

Em entrevista à Bloomberg Línea, Rafaela Vitória avalia que o Copom terá espaço para reduzir a Selic em 0,50 ponto e que tarifas de Trump podem pressionar a inflação para baixo

Sede do Banco Central
07 de Agosto, 2025 | 11:07 AM

Bloomberg Línea — O quadro de inflação mais benigno e o menor impulso da política fiscal em 2025 podem abrir espaço para o Banco Central iniciar um ciclo de cortes de juros já em dezembro, depois de elevar a Selic a 15% ao ano.

Essa é a visão de Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, que projeta uma desaceleração mais rápida da inflação no segundo semestre, sob influência também das incertezas acentuadas com as tarifas do presidente Donald Trump.

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Em entrevista à Bloomberg Línea, a economista avaliou que, embora o Comitê de Política Monetária (Copom) mantenha uma comunicação cautelosa, os dados recentes já apontam para um arrefecimento dos preços, tanto nos bens comercializáveis quanto nos serviços.

A avaliação de Vitória é que a política monetária, apesar de ainda muito restritiva, já está produzindo efeitos visíveis e que o Banco Central teria condições de sinalizar com mais clareza a eficácia dessa política.

“A política monetária funciona. Ela demorou, tem uma defasagem, mas está funcionando”, afirmou, em entrevista após a última decisão do Copom de manter a taxa básica de juros em 15% ao ano, o maior patamar desde 2006.

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Na visão de Vitória, que é diretora de pesquisa econômica e relações com o mercado do banco comandado por João Vitor Menin, seria importante que o Copom passasse uma mensagem de que tem havido progresso nos efeitos de política monetária, para influenciar agentes do mercado.

Leia mais: Copom mantém Selic em 15% ao ano e indica ‘maior incerteza’ por tarifas ao Brasil

“Faz sentido o Copom manter o tom duro em razão das expectativas ainda desancoradas. Mas, por outro lado, existe, sim, uma mudança nesse cenário, que não é mencionada pelo Copom no seu comunicado.”

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A economista prevê um corte de 0,50 ponto percentual na reunião de dezembro, para encerrar 2025 com a Selic em 14,50% ao ano, com uma trajetória de redução gradual ao longo de 2026, até chegar a 12% ao ano.

Nesse patamar, a política monetária continuaria restritiva – isto é, em um nível que ajuda a desacelerar a atividade econômica –, mas isso poderia evitar um impacto mais severo na atividade econômica em 2026 e 2027.

“São poucos cortes para dar um pouco de alívio. Não há necessidade de uma Selic de 15% ao ano por tanto tempo. Isso é um custo enorme para a dívida pública. Mas acredito que 12%, olhando para uma inflação entre 4% e 4,5%, ainda é uma Selic bem restritiva”, disse.

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Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter: visão de que o Copom pode passar a mensagem ao mercado de que a política monetária restritiva tem surtido efeito no combate à inflação

Efeito das tarifas

A economista também comentou os impactos das tarifas de importação impostas pelos Estados Unidos a produtos brasileiros.

Na sua avaliação, o efeito imediato é deflacionário e pode contribuir para reduzir pressões no curto prazo, o que favoreceria a política monetária.

No entanto há riscos associados à desaceleração do comércio global e impactos localizados sobre a atividade econômica em regiões exportadoras.

“Uma fábrica que fecha em uma cidade em Santa Catarina ou no Mato Grosso significa um aumento de desemprego grande naquela região”, disse.

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O cálculo da equipe econômica do Inter é que a tarifa de importação efetiva dos Estados Unidos sobre o Brasil passará para cerca de 30%, de acordo com as medidas anunciadas por Trump em 30 de julho.

Segundo a economista, isso tende a causar uma desaceleração da produção industrial no mundo, até que os fabricantes afetados encontrem novos compradores, o que pode demorar ou mesmo não acontecer.

Uma possível consequência é um excesso de produtos, o que tende a pressionar os preços para baixo e desaquecer a economia global mais do que se previa.

“No curto prazo, podemos ter uma sobreoferta também no Brasil e até alguns fechamentos de fábricas, com algum aumento de desemprego localizado”, afirmou.

Riscos fiscais

Uma preocupação no radar, segundo a economista, continua sendo a política fiscal do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem impulsionado os gastos públicos.

Vitória destacou que, embora o governo tenha apresentado crescimento menor de despesas no primeiro semestre, a expectativa de gastos adicionais até o fim do ano — estimados em R$ 120 bilhões — pode reverter esse cenário.

Parte desse valor inclui o pagamento de precatórios, mas também há previsão de aumento de despesas discricionárias.

Para ela, “o governo mostrou que quer gastar mais” e ainda “tira o contingenciamento e coloca despesas fora da meta”, o que amplia as incertezas para 2026.

Nesse ambiente, a continuidade do aperto monetário ou o início de um ciclo de cortes vão depender da evolução do quadro fiscal e de como o governo vai executar o orçamento nos próximos trimestres.

Para Vitória, para que a Selic pudesse ser cortada a um patamar mais neutro, de 8% a 9% ao ano, seria necessário que o governo apresentasse um arcabouço fiscal com mais credibilidade e que passe mais confiança ao mercado.

“Hoje o mercado não tem essa confiança”, afirmou. “O espaço maior para corte de juros virá após a eleição [em 2026], independentemente de quem vencer, com uma nova proposta de ajuste fiscal, que não é a atual.”

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Filipe Serrano

É editor sênior da Bloomberg Línea Brasil e jornalista especializado na cobertura de macroeconomia, negócios, internacional e tecnologia. Foi editor de economia no jornal O Estado de S. Paulo, e editor na Exame e na revista INFO, da Editora Abril. Tem pós-graduação em Relações Internacionais pela FGV-SP, e graduação em Jornalismo pela PUC-SP.