Opinión - Bloomberg

Rejeitos de um trilhão de toneladas ameaçam o acesso a minerais críticos no mundo

Com depósitos cada vez maiores e chuvas mais intensas, a gestão de resíduos se torna o maior desafio para garantir o fornecimento global de minerais estratégicos para a transição energética

Grasberg
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Pode parecer que o negócio da mineração consiste em extrair minerais valiosos. Na realidade, é quase o oposto.

A maior parte do material que mineradoras explodem, escavam e transportam é puro desperdício — primeiro, a camada de terra e rocha inútil que precisa ser removida para se alcançar o corpo do minério; depois, os rejeitos que sobram quando o minério é triturado e processado para extrair seus elementos úteis. Para produzir apenas uma colher de chá de ouro hoje, é preciso retirar da terra o equivalente, em volume, a uma Torre Eiffel inteira.

Gerenciar essa montanha crescente de detritos — que já ultrapassa um trilhão de toneladas e deve dobrar até 2050 — é um dos maiores obstáculos para acessar os minerais críticos de que o mundo vai precisar nas próximas décadas.

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O colapso de barragens e pilhas de rejeitos pode soterrar trabalhadores, liberar substâncias tóxicas em rios e bloquear o acesso a depósitos valiosos.

Com o aquecimento global, as chuvas se tornam mais intensas e irregulares, alternando longos períodos secos e úmidos, o que torna ainda mais instável o frágil equilíbrio que sustenta esses enormes amontoados de rocha.

Silver Spoon | You need an Eiffel Tower of material to get a teaspoon of gold these days

Essa realidade ficou brutalmente evidente recentemente em uma das maiores minas de cobre do mundo.

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Em Grasberg, uma imensa cava aberta no alto de uma montanha na parte indonésia da ilha de Nova Guiné, 800 mil toneladas de lama e rocha varreram túneis subterrâneos no dia 8 de setembro, matando duas pessoas e deixando cinco desaparecidas.

As atividades na mina — responsável no ano passado por cerca de 3,5% da produção global de cobre e 1,8% da de ouro — foram interrompidas e, segundo a operadora Freeport McMoRan, só devem ser normalizadas em 2027.

Ainda é cedo para determinar as causas exatas do desastre, mas um culpado é evidente: a água. Grasberg é uma das regiões mais chuvosas do planeta; uma das estradas de acesso à mina chega a receber mais de 12 metros de chuva por ano.

Embora a caverna subterrânea onde ocorreu o deslizamento fique bem abaixo da cava de 550 metros de profundidade, a água da chuva inevitavelmente penetra nas camadas inferiores. Lá dentro, pode abrir pequenas fissuras e fraturar as rochas — um processo agravado pelas baixas temperaturas das montanhas da Papua.

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Os mineradores não ignoram esse fenômeno. Justamente por ser uma atividade de alto risco, grandes somas de dinheiro e engenhosidade são investidas para monitorar e compreender as encostas que sustentam tanto as paredes das minas quanto as pilhas de rejeitos. De certo modo, as 45 rupturas de barragens de rejeitos registradas na década de 2010 — o maior número desde os anos 1970 — atestam as falhas dos nossos sistemas de segurança.

Considerando o volume muito maior de resíduos gerados atualmente, porém, é quase um milagre que a situação não seja ainda pior.

Deadly Failures | Fatalities in tailings dam collapses have risen sharply in recent decades

O problema é mais grave nos cerca de 35.000 locais onde esses rejeitos se acumulam. Esse tipo de resíduo é especialmente perigoso, pois já passou por processos químicos que aumentam a concentração de elementos tóxicos e transformam as partículas em uma lama fina e instável.

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Quando os depósitos minerais se esgotam, ninguém quer assumir a responsabilidade — que pode durar décadas — por gerenciar essas pilhas.

O encargo geralmente recai sobre os governos, que às vezes contratam novas empresas para tentar extrair um pouco mais de minerais valiosos do material descartado.

Na Zâmbia, a embaixada dos Estados Unidos ordenou no mês passado a evacuação de seus funcionários da cidade mineradora de Kitwe, depois que uma barragem de rejeitos em reprocessamento pela Sino-Metals Leach Zambia — uma estatal chinesa — rompeu-se em fevereiro.

A embaixada classificou o desastre como o sexto pior da história, afirmando que comunidades a jusante foram contaminadas por arsênio, cianeto e urânio. A empresa e o governo zambiano afirmam que essas avaliações são exageradas.

O que está claro é que o mundo não está preparado para lidar com o agravamento dessa situação. O teor médio dos principais minérios vem caindo nos últimos anos — no caso do cobre, até 40% desde 1991, segundo a BHP Group —, enquanto aumenta o volume de material que precisa ser removido para alcançá-los.

Isso significa que estamos escavando mais rocha inútil a cada ano, mesmo sem ampliar significativamente a quantidade de minerais aproveitáveis. Em 2023, o total de material retirado da terra atingiu um recorde de 28,74 bilhões de toneladas, segundo a S&P Global.

Muitos desses minerais — como cobre, lítio e terras raras — são essenciais para a transição energética global.

A disputa geopolítica e os esforços de países para internalizar suas cadeias de suprimentos tendem a elevar ainda mais a demanda. Ao mesmo tempo, uma fiscalização mais rigorosa aumentará os custos de produção, já altos o suficiente para restringir a oferta a níveis inferiores aos que o mundo necessita.

As regras que orientam o manejo desses rejeitos ainda se baseiam em registros climáticos do passado, sem refletir as condições cada vez mais instáveis que enfrentamos.

Os engenheiros que não previram como o aquecimento global poderia sobrecarregar sistemas de drenagem urbana agora enfrentam desafios semelhantes para conter as frágeis barragens que sustentam um trilhão de toneladas de rocha. Para quem vive abaixo de uma mina, as próximas décadas prometem ser perigosas.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

David Fickling é colunista da Bloomberg Opinion que cobre mudança climática e energia. Já trabalhou para a Bloomberg News, o Wall Street Journal e o Financial Times.

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