Opinión - Bloomberg

Obsessão do governo Lula pelos Brics rende poucos dividendos na prática

Objetivos do Brasil, como assumir um papel de liderança na América Latina ou obter um assento no Conselho de Segurança da ONU, não devem ser alcançados por meio de um bloco cada vez menos coeso; país deveria buscar seu próprio protagonismo

Soldiers patrol Botafogo beach during the Group of 20 (G-20) Leaders' Summit in Rio de Janeiro, Brazil, on Monday, Nov. 18, 2024. G-20 leaders meeting in Brazil this week are set to show unity on climate action and global trade rules, two areas threatened by US President-elect Donald Trump, as talks continue on how to characterize Russia's war in Ukraine and tensions in the Middle East. Photographer: Dado Galdieri/Bloomberg
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Quando os líderes do grupo de economias de mercados emergentes liderado pela China, conhecido como Brics, chegarem ao Rio de Janeiro para a reunião de cúpula que começa no domingo (6), é de se esperar o habitual grupo de comentaristas preparados para a mídia com o icônico Pão de Açúcar como um cenário pitoresco.

E, no entanto, por trás das gentilezas diplomáticas e das promessas de cooperação, há uma verdade incômoda para o Brasil: o valor de pertencer a esse clube incoerente, que também é composto pela Rússia, pela Índia e pela África do Sul, está diminuindo rapidamente.

Desde sua fundação em 2009, o bloco tem se apresentado como uma alternativa à ordem global do pós-guerra, moldada pelos Estados Unidos e seus aliados dos países desenvolvidos.

Em vez de um sistema baseado em valores democráticos liberais, os Brics promovem uma visão alternativa que favorece o engajamento multipolar e o nivelamento do campo de atuação dos países em desenvolvimento.

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A ideia pegou, e o Egito, a Etiópia, a Indonésia, o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos tornaram-se membros.

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O problema é que, passados todos esses anos, o bloco dos Brics continua sendo praticamente inconsequente no cenário mundial. Seu maior ponto fraco é sua composição, que inclui tanto democracias quanto autocracias.

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Potências nucleares beligerantes, como a Rússia, se sobrepõem a países pacíficos como o Brasil. A Índia e a China estão alinhadas aqui, mas a Índia não tem planos de ceder a liderança do chamado Sul Global para a China.

As disparidades são muitas e parece que a principal coisa que une esse grupo é a antipatia compartilhada por Washington.

É claro que o Brasil obteve alguns benefícios, como ganhar influência em um mundo fragmentado, em que os países emergentes estão exigindo mais voz nas decisões globais.

Isso também deu à maior economia da América Latina outra plataforma para promover suas posições junto ao Grupo dos 20 (G20) e ao bloco comercial do Mercosul, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem usado para pressionar por um reequilíbrio do poder global, afastando-o dos EUA.

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Mas o fardo de ser o “B” do BRICS está aumentando, principalmente quando a Rússia e o Irã fazem parte do clube.

A realidade é que nenhum dos objetivos estratégicos do Brasil - desde ser um líder regional até obter um cobiçado assento no Conselho de Segurança da ONU - provavelmente será alcançado por meio de sua associação com os Brics.

Para piorar a situação, o Brasil perdeu um pouco de influência dentro do bloco à medida que ele adicionava novos membros, um processo ao qual Brasília resistiu apenas para ver a China impor sua vontade, o que se tornou uma ocorrência mais frequente.

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Com mais vozes na mesa, vieram mais dissidências e brigas internas, paralisando o bloco de forma semelhante à de grupos de países de economia desenvolvida.

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Para o Brasil, parte da razão para permanecer no grupo é se aproximar da China, seu maior parceiro comercial e um aliado estratégico.

Isso faz sentido, principalmente se os líderes brasileiros acreditarem que isso traria benefícios financeiros ou comerciais (embora eu suspeite que não seja necessário ser um membro dos Brics para construir uma relação próxima com Pequim).

No entanto o presidente chinês Xi Jinping não participará da cúpula, em parte porque se reuniu com Lula em outros eventos no ano passado.

Gráfico

Se isso não for evidente, não vejo os Brics correspondendo à propaganda. E acho intrigante a percepção de sua influência entre muitas autoridades e acadêmicos.

Sim, ele representa cerca de metade da população mundial e quase 40% de sua economia, mas o bloco não é um interlocutor da velha potência nem um ator com capacidade de moldar a arena global – e talvez nunca seja.

Apesar de todo o seu discurso ao longo dos anos, a ordem liberal está sendo desmantelada por Washington no momento, não pelo bloco dos Brics.

Veja a ideia de reduzir o domínio do dólar no comércio global.

Não foi a noção de uma moeda dos Brics que fez com que os investidores começassem a duvidar da primazia do dólar - mas Donald Trump.

Além disso, Trump não está negociando tarifas com o bloco como um todo, mas diretamente com seus membros em uma base bilateral.

Os Brics também não têm a capacidade de intermediar guerras na Ucrânia ou em Gaza. E, no caso improvável de o Brasil precisar de apoio militar, a Rússia e a China provavelmente não serão parceiros confiáveis, como o Irã pode comprovar.

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Os Brics podem ser uma aliança útil para o Brasil promover seus interesses e dar cobertura quando não quiser entrar em conflito direto com os EUA em questões de política.

Mas isso não substitui um grande plano que mostre seus muitos pontos fortes, desde uma democracia vibrante e pacífica até ser um grande produtor de commodities.

A melhor maneira de o Brasil se tornar a potência global a que aspira há muito tempo é por meio do poder econômico e da crescente influência política e de segurança regional.

Nesse sentido, o país tem muito trabalho pela frente, como evidenciado por uma economia que se expandiu em média apenas 1,6% ao ano desde o lançamento do bloco e falhou na promessa de se tornar uma superpotência econômica emergente.

Mesmo após as mais de 30 viagens internacionais de Lula desde 2023, a capacidade do Brasil de ajudar a resolver os maiores problemas em sua própria vizinhança - seja na Venezuela, na Nicarágua, no Haiti ou para domar a crise de segurança e migração do continente - é inexistente.

É por meio da força doméstica que o Brasil projetará uma influência real no cenário global, e não se envolvendo em um bloco que em breve poderá se assemelhar a um novo Grupo dos 77.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

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