Vantagem dos EUA sobre o mundo vai se ampliar, diz head de estratégia do J.P. Morgan

Em entrevista à Bloomberg Línea em visita ao Brasil, Dubravko Lakos diz que governo Trump vai reforçar o excepcionalismo dos EUA, junto com impacto da IA e da disrupção tecnológica

Dubravko Lakos-Bujas, head of U.S. equity strategy for JPMorgan Chase Bank NA, speaks during a Bloomberg Television interview in New York, U.S., on Thursday, Jan. 5, 2017. Photographer: Christopher Goodney/Bloomberg
20 de Dezembro, 2024 | 05:10 AM

Bloomberg Línea — A narrativa do excepcionalismo americano está mais viva do que nunca e isso vale para o mercado de investimentos. Países emergentes como o Brasil e mesmo desenvolvidos europeus como Alemanha e França, por outro lado, enfrentam seus próprios desafios e isso deve significar que o gap de valuation entre ativos desses dois mundos deve aumentar em 2025. É o que afirma Dubravko Lakos-Bujas, Estrategista-Chefe de Ações Globais do J.P. Morgan, um dos bancos mais relevantes do mundo.

“A nova administração [de Donald Trump] deve ser positiva para os EUA, embora seu impacto no restante do mundo seja mais questionável e possa ser negativo em alguns casos, como na China. Essa tendência já estava presente antes de Trump, e sua influência amplificou ainda mais o excepcionalismo dos EUA”, disse Lakos-Bujas em entrevista à Bloomberg Línea em recente passagem pelo Brasil.

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Lakos-Bujas, que já atuava à frente da estratégia para equities do maior banco americano, passou a acumular em meados deste ano também a liderança para a frente macro, o que inclui juros, câmbio (FX) e commodities, bem como crédito e estratégias quant (quantitativas).

Ele apontou que, além do impacto das políticas esperadas de Trump, a economia americana se beneficiará ainda mais da disrupção tecnológica e do impacto da IA (Inteligência Artificial), que descreveu como “uma narrativa amplamente dos EUA e menos prevalentes em outras regiões”.

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Esse dinamismo da economia americana, por outro lado, envolve riscos. E o maior deles é o de pressões inflacionárias que podem levar a uma mudança de postura do Federal Reserve (a entrevista foi concedida antes da reunião da quarta-feira, dia 18, a última de 2024).

“Fatores como ‘efeito riqueza’, com bitcoin a US$ 100 mil, ações em máximas históricas e aumento da atividade de negócios, podem levar a uma economia mais aquecida, o que forçaria o Fed a apertar as condições. Esse é o maior risco para ativos de risco, pois pode impactar os valuations.”

Ao analisar o avanço da IA, ele destacou que os resultados corporativos mais recentes referentes ao terceiro trimestre mostraram um efeito de dispersão maior dos seus impactos, citando empresas de software, e que esse movimento tende a se espalhar para outras indústrias, como a de saúde. E que esse impacto positivo concreto pode levar a uma nova onda de reprecificação de ações nos EUA.

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Veja a seguir a entrevista com Dubravko Lakos-Bujas, editada para fins de clareza:

Como as políticas esperadas de Donald Trump devem impactar as economias e os mercados globais?

Acredito que a narrativa do excepcionalismo dos EUA continua muito viva e provavelmente persistirá no próximo ano. A nova administração deve ser positiva para os EUA, embora seu impacto no restante do mundo seja mais questionável e possa ser negativo em alguns casos, como na China. Essa tendência já estava presente antes de Trump, e sua influência amplificou ainda mais o excepcionalismo dos EUA.

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Um segundo tema é a probabilidade de um ciclo econômico cada vez mais desconectado e dessincronizado, assim como as ações dos bancos centrais e o progresso da inflação entre os países. Isso é influenciado por fatores como a IA e a disrupção tecnológica, que são amplamente uma narrativa dos EUA e menos prevalentes em outras regiões. Esse será um tema significativo.

Como o senhor avalia o impacto real da IA na economia e nos mercados?

A IA tem sido um tema importante neste ano por razões óbvias e continuará sendo relevante nos próximos anos. A grande questão é o potencial de disseminação dos efeitos da IA, especialmente em indústrias como a de software, que podem se beneficiar significativamente. Nós começamos a ver sinais encorajadores, embora ainda estejamos nos estágios iniciais do processo.

Muitas empresas de software divulgaram seus resultados do terceiro trimestre, que mostraram grande dispersão. Algumas já estão monetizando a IA de forma significativa, enquanto outras ficaram para trás.

A monetização da IA tem se expandido, e isso pode se tornar um tema ainda maior em 2025 do que foi em 2024. Os preços das ações de muitas empresas de software já estão refletindo essa tendência, e a adoção da IA cresce em várias indústrias.

O termo IA às vezes é usado em excesso, aplicado a tudo, o que pode ser um pouco exagerado. Mas, embora possa haver algum hype, existem mudanças significativas impulsionadas pela IA que vieram para ficar, com potencial para aumentar a produtividade e a eficiência em vários setores.

Quais são os casos que mais chamam a sua atenção?

Um campo empolgante é o da saúde, em que a IA tem levado a avanços significativos. Há um enorme potencial nos próximos anos, especialmente em dispositivos médicos, imagem e procedimentos complexos. A IA também impacta a genômica, acelera o desenvolvimento e os testes de medicamentos.

Além da saúde, a IA revoluciona a manufatura, a publicidade no varejo, os chatbots e os call centers. No entanto isso ainda não está totalmente refletido nos valores dos ativos. Algumas áreas da IA se tornaram caras, enquanto outras são menos valorizadas, e isso se torna uma questão de análise caso a caso. Definir o valuation é desafiador, mas ainda há muitas oportunidades.

O senhor alertou em análises passadas sobre o que seria uma alocação excessiva do mercado em ações de melhor desempenho, principalmente em tecnologia. Qual sua visão atual?

A história sobre a demanda envolvendo o tema de IA continua forte para 2025, o que é uma visão consensual. As pessoas estão à espera de mais clareza sobre a demanda para 2026, o que pode não ficar claro até o segundo trimestre do ano que vem.

Se a demanda diminuir e já tivermos passado do pico, 2027 pode ser o ano de pico de investimento. No entanto, se a demanda se mantiver, os múltiplos podem ser reavaliados para cima.

Questões antitruste, especialmente em tecnologia, são uma preocupação, mas, sob a nova administração [de Donald Trump], pode haver alguma flexibilização. O cenário antitruste é incerto, especialmente com possíveis mudanças na liderança da agência [o que se confirmou].

O Mag 5 [Magnificent 5, que são cinco das maiores ações de tecnologia] ou Mag 6 representam segmentos importantes do S&P 500, dado seu tamanho e papel no ecossistema. São ações de empresas que não estão baratas nem caras e que têm balanços patrimoniais fortes.

Muitos números estão vindo em linha ou acima das expectativas [do mercado], o que torna isso uma história relativamente positiva. A questão é se essas ações vão continuar a liderar a alta do mercado ou se essa liderança será mais ampla, o que vem acontecendo nos últimos meses.

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Qual a sua expectativa para o S&P 500 para 2025?

Nosso preço-alvo para o fim do ano que vem [em 2025] é de 6.500 [pontos] para o S&P, o que sugere um aumento de um dígito alto. O erro padrão em torno desse número é maior do que em anos típicos devido à incerteza sobre as políticas da nova administração, a inflação e o Fed. De modo geral, achamos que Trump deve ser net positive, com potencial para um aumento significativo.

Às vezes, as pessoas são muito negativas e céticas. A nova administração pode ser eficaz na realocação de recursos para programas com maior produção e multiplicadores de dinheiro, o que teria um efeito positivo líquido para a economia e a produtividade.

Quais os riscos que envolvem o Fed em sua avaliação?

A sequência de eventos é incerta, e há um risco de inflação não relacionada a Trump. Se a economia dos EUA mostrar sinais de superaquecimento, o Fed pode ter que considerar potenciais aumentos de taxas. Isso pode se tornar um tema mais para o fim de 2025 se a economia se recuperar acentuadamente.

Fatores como “efeito riqueza”, com bitcoin a US$ 100 mil, ações em máximas históricas e aumento da atividade de negócios podem levar a uma economia mais aquecida, o que forçaria o Fed a apertar as condições [monetárias]. Esse é o maior risco para ativos de risco, pois pode impactar os valuations.

E como ficam os mercados emergentes? O senhor mencionou que o governo Trump pode não ser tão favorável para eles...

A história dos mercados emergentes é desafiadora, assim como é o caso da Europa, particularmente Alemanha e França. A Europa enfrenta ventos contrários estruturais e cíclicos, o que amplia o gap de valuation com os EUA. O sentimento é negativo e há ceticismo sobre o resto do mundo.

Um trade de convergência dos EUA com o resto do mundo, incluindo mercados emergentes, é possível em 2025, mas ainda é muito cedo [para prever]. É necessário clareza sobre as políticas de Trump e a inflação dos EUA. Se a inflação surpreender para cima, o dólar permanecerá forte, o que dificulta esse trade.

Os EUA continuam a ser o motor do crescimento e, embora seja algo consensual, ainda é o case [para investimento]. Um cessar-fogo entre Rússia e Ucrânia pode dar um impulso à Europa, e a Alemanha tem se alinhado com os esforços de reconstrução da Ucrânia. Isso pode aliviar as pressões inflacionárias.

As tarifas comerciais [potencialmente impostas] podem levar a China a estimular mais a economia e, se a inflação dos EUA for controlada, um acordo Rússia-Ucrânia for alcançado e as tarifas forem administradas, pode haver um case para mercados emergentes e Europa.

É o seu cenário-base para 2025?

Nosso cenário base é permanecer long [comprado] em EUA, à medida que sua história continua a avançar. Histórias macro são mais fortes do que histórias idiossincráticas de cada país.

Na América Latina, como o senhor avalia as perspectivas e o que tem acontecido na Argentina?

A Argentina tem passado por uma mudança impressionante e, em dez anos, eu consigo enxergar que ela poderia superar [o desempenho de] uma base relativa. O país tem mão-de-obra qualificada e potencial para melhorar o relacionamento com os EUA. Se os EUA realocarem recursos para a Argentina, essa história pode ganhar força.

O potencial está lá, mesmo em um ambiente difícil de trade de mercados emergentes. A Argentina está em seu próprio caminho, incluindo sua moeda, o que é interessante. Mas, de novo, a história dos EUA continua poderosa.

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No recente relatório Global Markets Strategy, o senhor cita a dispersão esperada em ações em termos de indústrias e geografias. Como isso se traduz na alocação de ativos?

Não há um call claro para ações de valor ou crescimento. Em vez disso, há uma continuação de maior dispersão, semelhante ao Trump 1.0 [seu primeiro mandato], com rotações entre ações, indústrias, setores, estilos e temas.

Dentro de tecnologia, a exposição à IA é importante, mas pode haver uma rotação de mega caps para crescimento de mid-cap, especialmente em software. O trade de ações do setor financeiro oferece ao mesmo tempo um trade doméstico, hedge de inflação e ganhos com potencial desregulamentação.

O trade de bancos tem potencial, com possíveis aumentos em empréstimos, recompras [de ações] e crescimento de dividendos. Os bancos regionais podem se beneficiar de um trade financeiro positivo.

Os mercados de capitais podem ser uma grande história, especialmente no primeiro semestre do ano [em 2025], beneficiando o setor financeiro.

Quais as outras histórias que chamam a sua atenção em relação à dispersão?

Os temas de energia e data center nos EUA continuam fortes. Há uma lacuna significativa entre a demanda e a oferta de GPU, com apenas 40% da demanda sendo atendida. É provável que essa história continue.

O setor de utilities, vinculado à IA, oferece oportunidades interessantes de risco-retorno. O sentimento para o setor de saúde está baixo devido às mudanças no ano eleitoral e às possíveis mudanças induzidas por RFK [Robert F. Kennedy, nomeado para liderar a área no governo Trump]. O quadro positivo para a saúde é que o sentimento está baixo e, se esses receios se mostrarem melhores do que o esperado, há espaço para valorização.

A indústria de biotecnologia pode se beneficiar da atividade do mercado de capitais e da valorização de farmacêuticas de grande capitalização. É um setor que tem sido alvo de apostas de queda [short] com potencial para que isso seja coberto.

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Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.