Empresas precisam fazer mais pela diversidade, diz head de área do JPMorgan

Byna Elliott, head do programa para a inclusão de negros no maior banco dos EUA, diz à Bloomberg Línea que líderes devem ser responsabilizados por equipes pouco diversas

Byna Elliott, Head do Advancing Black Pathways do JPMorgan, programa do maior banco americano para reforçar a presença de negros em seu quadro, incluindo posições de liderança (Divulgação)
04 de Abril, 2023 | 05:39 PM

Bloomberg Línea — Empresas privadas possuem papel fundamental na promoção de diversidade de raça e de gênero em uma sociedade, de modo que não se deve esperar que governos e políticas públicas resolvam sozinhos a questão da desigualdade e da falta de acesso de negros, mulheres e minorias a melhores cargos. É o que defende Byna Elliott, Head do Advancing Black Pathways, programa do JPMorgan Chase (JPM), maior banco americano, para fortalecer e reforçar a presença de negros em seu quadro.

“Se não houver soluções equitativas e práticas para garantir que sua força de trabalho reflita suas comunidades e que você tenha políticas intencionais e programas que são acompanhados e cujos resultados são mensurados, com dados desagregados para que seja possível avaliar como é o impacto em cada comunidade, você não chegará lá [na redução da desigualdade]”, disse Elliott em entrevista à Bloomberg Línea em passagem recente pelo Brasil.

A executiva contou que o JPMorgan encomendou um estudo em que analisou dados de formação e trabalho de cerca de um 1,5 milhão de brasileiros com educação formal e diploma universitário. “Desse grupo, 1 milhão não tem emprego significativo e 500 mil estão desempregados”, disse.

Elliott disse que ainda que as empresas deve ser mais firmes nessa missão, com a responsabilização de profissionais em posição de liderança pela eventual falta de diversidade em suas equipes.

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“As pessoas devem ser responsabilizadas e isso deve estar vinculado à remuneração e à capacidade de ser promovido. Se a sua equipe não for diversa, talvez você não deva estar em posição elevada na empresa. Queremos ver as pessoas colocarem em prática o que falam”, afirmou.

Veja a seguir a entrevista editada para fins de clareza:

Quais políticas você tem adotado para atingir os objetivos no programa de aumento da diversidade?

Vou dar um passo atrás para explicar. O Advancing Black Pathways (Avançando Caminhos para Negros, em tradução livre) foi uma iniciativa lançada em 2019. Jamie Dimon, nosso presidente do conselho e CEO, declarou que deveríamos ter um papel como uma instituição de serviços financeiros para ajudar as pessoas a construir riqueza e ajudar a fechar o gap de riqueza racial. Temos um papel como banco para apoiar a base econômica das comunidades. Temos quatro pilares para o programa:

  • Carreiras e habilidades: é o pilar voltado para nossos funcionários e para o pipeline de talentos que trazemos para a empresa.
  • Saúde financeira e criação de riqueza: é a criação de oportunidades para as pessoas entenderem como podem melhorar suas finanças por meio de ferramentas, educação e produtos, além de concentrar esforços em produtos que podem ajudar a construir riqueza. Nos EUA, o foco é a casa própria porque acreditamos que tem sido a maior criadora de riquezas.
  • Crescimento empresarial e empreendedorismo: acreditamos que as empresas são um dos maiores criadores de riqueza na vida de um indivíduo e nas comunidades que servem. Você pode não só construir riqueza para si mesmo se o seu negócio for bem-sucedido mas pode contratar outras pessoas e criar riqueza e oportunidades para os outros.
  • Estratégias adaptadas a cada mercado: Projetos nos EUA podem não funcionar necessariamente no Brasil, na Europa, no Oriente Médio ou na África. Nós queremos ancorar os fundamentos do nosso trabalho – esses pilares – para dizer ‘como adaptamos para garantir que vai funcionar?’, para que ferramentas, produtos e serviços que oferecemos e os parceiros com que trabalhamos estejam ancorados nas realidades das respectivas comunidades. Devemos garantir que os parceiros e os investimentos estejam alinhados com as necessidades de cada comunidade.

Vou dar um exemplo. No Brasil, um dos maiores desafios em torno da construção de mobilidade econômica é aprender inglês como idioma. É uma barreira que não se aplica aos EUA. Portanto, poderíamos ter no Brasil com um programa com foco no inglês como segunda língua para garantir que comunidades que foram menos favorecidas tenham acesso a essa educação e a ferramentas.

A educação é a base para a estratégia de redução da desigualdade?

A educação é uma das ferramentas, mas devemos reconhecer que nossas práticas de trabalho também devem melhorar para garantir que criamos igualdade. Acabamos de encomendar um estudo em que analisamos cerca de um 1,5 milhão de brasileiros que tiveram educação formal e diploma universitário. Desse grupo, 1 milhão não têm emprego significativo e 500 mil estão desempregados.

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Isso mostra que obter a gradução é um começo, mas não a solução definitiva. Proporciona a base, mas, se não houver soluções equitativas e práticas para garantir que sua força de trabalho reflita suas comunidades e que você tenha políticas intencionais e programas que são acompanhados e cujos resultados são mensurados, com dados desagregados para que seja possível avaliar como é o impacto em cada comunidade, você não chegará lá [na redução das desigualdades].

Portanto, educação é um aspecto, mas colocar toda a responsabilidade no funcionário ou na pessoa que precisa obter as habilidades não é a resposta certa. Sim, precisamos das habilidades, mas também eliminar e reduzir preconceitos no local de trabalho, ter responsabilidade e acompanhamento e métricas formais para garantir que as empresas estejam fazendo sua parte para criar oportunidades de diversidade em suas organizações. Os sistemas devem mudar. As políticas devem mudar.

As pessoas devem ser responsabilizadas, e isso deve estar vinculado à sua remuneração e à sua capacidade de ser promovido. Se a sua equipe não for diversa, talvez você não deva estar em posição elevada na empresa. Queremos ver as pessoas colocarem em prática o que falam.

Quais as particularidades do projeto no Brasil em relação aos demais?

Primeiro, o Brasil tem um sistema de cotas que foi adotado em 2012, que deu muito mais oportunidade de acesso à faculdade para negros, mas que é mais recente do que tem sido nos EUA; logo após o fim da escravidão, os EUA estabeleceram faculdades e universidades para negros e essas escolas existem há mais de um século. Portanto, são muitos anos de educação e de criação de condições para permitir que profissionais negros tenham oportunidade de obter acesso à educação e à mobilidade social.

Ainda temos enormes lacunas de riqueza em todas as nossas comunidades, mas eu diria que a oportunidade de educar e proporcionar mais mobilidade é algo de que queremos fazer parte porque sabemos que a educação é o grande equalizador das sociedades. E quando as pessoas têm essa educação e esse certificado - seja baseado em habilidades ou um diploma universitário –, isso permite que eles se juntem à força de trabalho ou criem e dimensionem um negócio.

Outro ponto que me chamou a atenção foi o fato de que muitos negros brasileiros trabalham por conta própria, mas não por conta própria em negócios que podem ganhar escala, mas como autônomos apenas para ganhar o equivalente a um salário que suporte sua vida. E daí veio a ideia de apoiar a estrutura para pequenas empresas, com recursos para que sejam formalizados e para que haja uma forte estratégia de diversidade de fornecedores para que compremos bens e serviços dessas empresas, para que possam ganhar escala e crescer e, em seguida, empregar outros. Isso é uma oportunidade.

Os desafios são maiores em países como o Brasil?

Eu diria que, nos EUA, provavelmente estamos um pouco mais adiantados nessa jornada. Estamos em diferentes estágios, mas os desafios são semelhantes: 86% dos nossos colaboradores no Brasil estão envolvidos no que chamamos de grupos de recursos, o que significa que são aliados ou apoiadores de diversas comunidades. O fato de que os brasileiros veem a si mesmos e aos outros e decidem que querem ser aliados e apoiadores desses programas é um ponto de partida melhor.

Estou inspirada pelo fato de que todos vocês se sentem confortáveis o suficiente como país para dizer: “sabemos que há uma lacuna, e vamos implementar um sistema de cotas para garantir que vamos criar mais mobilidade para os negros”. Houve um processo judicial recente em que empresas disseram que serão muito assertivas ao contratar mais talentos diversos e negros no país, e elas foram desafiadas e venceram na mais alta corte [o Supremo Tribunal Federal decidiu há 11 anos, em 2012, pela constitucionalidade da política de cotas no país]. Essas são situações que eu digo são promissoras.

Estamos olhando para isso e vendo que parece haver um ambiente muito bom para investirmos, para apoiarmos, e nós temos políticas para apoiar talentos no Brasil que não existem nos EUA. Acho que nós [JPMorgan Chase nos EUA] estamos na jornada há mais tempo, então talvez estejamos mais adiantados em torno da mobilidade e da representação, mas os desafios ainda são semelhantes.

Você tem liderado a iniciativa do JPMorgan há dois anos. Qual é a parte mais importante do trabalho que faz?

Para mim, em todos os países em que operamos o Advancing Black Pathways no JPMorgan Chase, a maior prioridade em todas as comunidades são nossos funcionários, tanto o talento que temos na empresa quanto o talento que estamos apoiando sob uma perspectiva de pipeline que se juntará a nós no futuro. Devemos investir em nossos líderes de amanhã. Essa é a maior quantidade de trabalho que devemos fazer em todo o país e em todas as comunidades onde temos talento.

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