Rede de cafés brasileira mira o exterior após atingir valuation de R$ 250 mi

Startup brasileira The Coffee, que opera no modelo de venda de bebidas com pagamento sem caixas, levantou US$ 7,5 milhões da Monashees e da CapSur Capital

Rede brasileira de cafés que pretende expandir para o México e Peru
05 de Janeiro, 2023 | 08:00 AM

Bloomberg Línea — Quem entra em uma unidade da The Coffee se depara com um estilo minimalista. As lojas são pequenas - não mais que 3 metros por 3 metros ou até menos que isso -, têm um atendente para servir as bebidas, e os pedidos são feitos pelo próprio cliente por meio de um tablet no caixa ou por meio de aplicativo. É também o próprio consumidor que faz o pagamento no caixa ou no app, sem contato com o atendente. Os pontos de venda seguem uma estética japonesa e se parecem com um pequeno comércio de Tóquio.

A rede fundada pelos irmãos Carlos, Alexandre e Luis Fertonani nasceu em Curitiba em 2018 inspirada no modelo de mini-cafés japoneses em que os clientes baixam um aplicativo e fazem o pedido de suas bebidas quentes “para levar” (o famoso to go de lojas do exterior), sem pagamento em dinheiro, de modo em que os baristas não precisam receber pagamentos e possam se dedicar “apenas” aos cafés.

É um modelo voltado para os consumidores millennials e da geração Z, nascidos entre 1980 e os anos 2000, que apreciam cafés mais elaborados e de maior qualidade -- justamente o público por trás do sucesso da rede de cafeterias americana Starbucks. Mas, diferentemente da concorrente de Seattle que ganhou o mundo, a The Coffee aposta mais no consumidor que deseja apenas um café para viagem, uma vez que a maior parte das lojas é pequena e instalada em locais de maior movimento de pedestres.

Hoje a rede tem 195 lojas, das quais 11 na Europa. Dezoito são lojas próprias. As demais operam no modelo de franquia. A empresa tem 80 funcionários próprios, contando o pessoal de tecnologia e baristas.

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Aliando café com tecnologia, a startup brasileira atraiu nos últimos anos o interesse de investidores de venture capital. No fim de dezembro, a empresa anunciou ter recebido uma rodada de investimentos de US$ 7,5 milhões (cerca de R$ 41 milhões), em um aporte liderado pelo fundo Monashees e pela CapSur Capital, empresa brasileira especializada em growth equity.

Foi a terceira rodada já levantada pela The Coffee. Em 2019, a empresa recebeu um aporte Seed de US$ 500 mil, e, em 2020, captou uma Série A de US$ 5 milhões a um pre-money valuation de US$ 20 milhões.

Agora, com a Série B, a empresa mais que dobrou seu valor para US$ 45 milhões (perto de R$ 250 milhões), em um momento em que captar recursos a uma avaliação maior tem sido uma tarefa desafiadora para empreendedores diante do maior rigor de investidores no ambiente de juros elevados.

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Mesmo que tenha um design minimalista inspirado em cafeterias japonesas, o The Coffee ainda não tem loja no Japão, mas mira o mercado internacional. Os primeiros contatos já foram feitos para a abertura de lojas no México e no Peru.

Segundo Carlos Fertonani, um dos três irmãos fundadores e CEO da startup, em entrevista à Bloomberg Línea, a nova injeção de capital será direcionada a essa expansão para outros países e para o desenvolvimento da tecnologia.

“A primeira rodada de captação de US$ 5 milhões foi para fazermos lojas próprias e montar o time. Agora buscamos essa nova captação para fazer a expansão internacional”, afirmou o empreendedor. “Estava no plano fazermos uma nova rodada independentemente da situação difícil do mercado.”

A terceira onda do café

O mercado de café passou por uma transformação nas últimas décadas. Consumidores, antes acostumados a beber principalmente ou apenas o café tradicional, passaram a buscar grãos de mais qualidade ou outras receitas mais elaboradas de café - café gelado, misturado com outros ingredientes, como baunilha ou caramelo, por exemplo.

A mudança de hábito impulsionou as vendas de empresas como a Nestlé, que criou uma marca própria de café, a Nespresso, para vender cafés expresso em cápsula e máquinas para o consumidor residencial. Outra que apostou nessa mudança foi a rede de cafeterias Starbucks, que tem mais de 35,7 mil lojas mundo afora e faturou US$ 32,25 bilhões no ano fiscal de 2022, encerrado em outubro.

Mesmo com concorrentes tão gigantes, a The Coffee espera crescer no que chama de “terceira onda” do café. “O Starbucks foi uma marca super reconhecida na segunda onda do café e a gente pretende ser a principal marca de café nesta terceira onda”, disse Carlos Fertonani, o CEO da startup. O consumo global de café deve aumentar de 1% a 2% ao ano até o final da década, de acordo com uma entrevista recente da diretora-executiva da Organização Internacional do Café, Vanusia Nogueira, concedida à Bloomberg News.

Especialistas do setor entendem a primeira onda do café como o final do século 19 e início do século 20, com o aumento do consumo de café pelo mundo para fins domésticos. Teria sido na primeira onda que o café passou a ter a torra industrializada, com inovações de propaganda e etiquetagem. Esse café da dose diária era levemente torrado, feito de grãos de qualidade baixa a média, o cafezinho do “copo americano” de bares e lanchonetes.

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A segunda onda seria entre as décadas de 1960 e 1990, tendo o Starbucks, que começou como uma pequena cafeteria especializada em café gourmet, como principal representante. Foi na segunda onda que se popularizou outros tipos de bebida com o café, como capuccinos, e a criação dos baristas, que utilizavam grãos premium, torrados no escuro e filtros Melitta e prensas francesas.

A terceira onda incentiva grãos selecionados e cafés especiais, com informações específicas de onde veio cada café e quem produziu. A ideia não é só a qualidade do café, mas todo o controle da cadeia produtiva e da valorização do produtor. Na terceira onda, o café é visto como um produto especial e não como commodity.

O Blank Street, startup americana que segue o mesmo modelo do The Coffee, tomou as esquinas de Nova York em 2020 com a proposta de servir o café da última onda em um modelo “to go”, com lojas apelativas ao público mais jovem e com pedidos por aplicativo. Em 2021, o Blank Street recebeu US$ 67 milhões de grandes investidores de venture capital como a General Catalyst e a Tiger Global.

Operação

No Brasil, só se pode servir café brasileiro. Mas café torrado é possível importar, é o que a Nespresso faz, segundo Fertonani. Contudo, depois de torrado o café, é preciso consumir em até um mês, se não se perde a qualidade. Por isso, para os cafés que o The Coffee comercializa no exterior, a empresa envia café verde de produtores do Brasil e o torra na Europa. O The Coffee tem um “coffee hunter” que procura fazendas e safras bem pontuadas do Brasil, como em São Paulo e Minas Gerais, para comprar o café.

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“Nós só servimos cafés de 84 pontos para cima”, disse Carlos Fertonani. Quem dá a pontuação para os cafés é a escala da SCAA (Speciality Coffee Association of America). Nesse sistema, em que a pontuação máxima é 100, para ganhar o título de especialidade, um café deve pontuar pelo menos 80.

Apostando em cafés de qualidade, a The Coffee espera que seus consumidores estejam dispostos a pagar por cafés especiais e bebidas autorais, mesmo que custem mais caro do que cafés tradicionais, variando de R$ 9 a R$ 12 o copo.

Apesar da maior parte das lojas seguirem o modelo minimalista, a rede possui algumas lojas maiores, com mesas e cadeiras, e expandiu a oferta de produtos para oferecer também snacks como brownies, cookies e brigadeiros, além de copos térmicos, filtros de papel, tote bags, chaleira e até guarda-chuva na estética minimalista japonês.

“As lojas grandes são importantes para fazermos construção de marca, para as pessoas sentirem a força da marca. Nosso diferencial não é cafeteria pequena, é café, tecnologia e design”, afirma o CEO. As lojas são rentáveis, mas como franqueador, o The Coffee ainda tem queimado caixa para a expansão e desenvolvimento da tecnologia.

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“De qualquer forma é importante que algumas lojas sejam próprias para a gente testar alguns produtos, entender como funciona o modelo. Acreditamos que é preciso ter algumas lojas próprias para ensinar aos franqueados como fazer a gestão”, disse o executivo.

Outro negócio da empresa está na oferta de uma carteira digital -- algo que a se tornou um negócio à parte para a gigante das cafeterias Starbucks. No aplicativo da The Coffee, o consumidor pode carregar R$ 100 e ganhar um crédito de R$ 15 para fidelização. A ideia é desenvolver a tecnologia cada vez mais para que o café que o usuário normalmente toma seja oferecido via notificações no horário que aquele cliente consome o produto.

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Isabela  Fleischmann

Jornalista brasileira especializada na cobertura de tecnologia, inovação e startups