Criptoativos, influencers e agilidade: as prioridades do novo chefe da CVM

João Pedro do Nascimento diz à Bloomberg Línea que autarquia está atenta às ofertas irregulares de criptos e à atuação de influenciadores que excede limites da lei

O novo presidente da CVM, o advogado João Pedro do Nascimento, trabalha há 20 anos em temas do mercado de capitais
08 de Agosto, 2022 | 08:47 AM

São Paulo — A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) está sob nova direção. Com mandato de cinco anos, o advogado João Pedro do Nascimento assumiu o cargo de presidente do órgão regulador do mercado de capitais há três semanas, com uma agenda de prioridades focada em temas como a reforma das regras para fundos de investimentos, agentes autônomos, além de normas para a atuação de influenciadores digitais e o segmento de criptoativos, um dos que mais atraem novos e experientes investidores.

Em entrevista à Bloomberg Línea na última quinta-feira (3), Nascimento reconheceu que há fundamento na crítica de longa data de agentes do mercado de que a CVM costuma levar mais tempo do que seria desejável no julgamento de denúncias. “Queria que fosse muito mais rápido. Às vezes o que justifica essa demora é até a falta de pessoal.”

À frente do órgão regulador, com sede em um edifício no centro do Rio de Janeiro, Nascimento disse que há limites da autarquia na condução de alguns temas que precisam ser endereçados, como o mercado de criptoativos, algo dificultado pelo fato de o país não ter legislação ainda.

Mas faz questão de dar um recado: “boa parte dessas operações do cripto são na realidade operações de oferta pública irregular ou até mesmo fraudes, em relação às quais a CVM está atenta para poder desde logo punir se estiver confirmada a fraude”.

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Outro tema prioritário em seu mandato é a atuação de influenciadores digitais.

“Muitas vezes observamos que os influenciadores digitais são mais do que influenciadores, trazem sugestões de investimento e recomendações, falam o que fizeram em suas respectivas carteiras, apresentam resultados e, dessa maneira, induzem a comportamentos que, em última análise, podem promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais”.

Nascimento teve seu nome aprovado pelo Senado com um placar de 40 votos favoráveis e 12 contrários, mais 2 abstenções, com voto favorável do relator, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO).

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Confira os principais trechos da entrevista com o novo presidente da CVM.

Há uma preocupação sempre que um novo profissional assume um cargo técnico no governo como o de presidente da CVM. Como foi sua trajetória até chegar ao cargo?

Sou advogado de formação, graduado pela PUC, pós-graduado pela FGV, mestre e doutor pela USP. Sou professor da FGV há 14 anos. E há 20 anos trabalho com o mercado de capitais, com direito empresarial, com enfoque voltado para essas áreas do direito societário, das operações de M&A e do mercado de capitais. Estar na CVM, guardadas as devidas proporções, é o mesmo para um jogador de futebol que trabalha sonhando um dia ser convocado para a seleção. Estou com a oportunidade de jogar na seleção brasileira do mercado de capitais, um sonho antigo para o qual me preparei nos últimos 20 anos.

Quais as três prioridades para o mandato de cinco anos à frente da CVM?

O start é fazer uma transição suave e responsável, dando continuidade a boas iniciativas que estavam em curso na autarquia. Na agenda regulatória, a prioridade é promover a reforma que gera tanto anseio dos fundos de investimentos; promover a revisão das regras aplicadas aos agentes de investimento, também chamados de assessores de investimento ou de agentes autônomos; promover a regulamentação dos influenciadores digitais, que são pautas que já estavam na agenda regulatória.

E colocar na janela de prioridade junto desses mesmos três temas que aconteça ainda neste ano a regulamentação do marco legal das startups e do empreendedorismo inovador.

Há acusações públicas de crimes financeiros, como o caso de um vídeo apócrifo que circula no mercado denunciando supostas práticas ilegais em uma companhia aberta. Como a CVM vai atuar nessa frente? Falta celeridade para a CVM, falta punição? Às vezes há essa percepção de que os investidores que praticam atos ilícitos não são condenados. Como lidar com isso?

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A primeira questão é a seguinte: o esforço que está alinhado com um dos nossos pilares do nosso plano de gestão estratégica é a questão da tecnologia. No mercado cada vez mais sofisticado, que emprega algoritmos ou sistemas, nós do nosso lado estamos nos preparando para sermos cada vez mais um regulador tech, um regulador tecnológico, que emprega também sistemas e tecnologia para fazer fiscalização, supervisão e monitoramento. Isso nos ajudará a executar nosso trabalho com mais brevidade, com mais imediatismo, com lapso temporal mais curto. É um dos nossos objetivos.

E como o senhor lida com essa percepção coletiva de que falta rigor na punição no Brasil? Vemos investidores acusados e denunciados e, de repente, fecham acordos.

Respeito essa percepção, mas, da mesma forma que respeito, não concordo com ela. Quem acompanha a CVM de perto sabe o trabalho técnico feito: da avaliação dos casos em que cabe o termo de compromisso para ajustar uma conduta sem assunção de culpa, mas para que eventualmente nossos regulados se adequem a comportamentos, até a agenda sancionadora dos casos que são necessários. Entendo que a CVM tem a capacidade de punir exemplarmente e passar boas mensagens ao mercado.

Se eventualmente a CVM consegue também exercer esse nosso papel de maneira educativa, de maneira a formar consciência na população em geral em relação aos riscos do mercado, quem são os bons investidores, quem são os maus investidores, quem são os bons e maus emissores e quais são as boas e más oportunidades de investimento, vamos atuar de maneira muito aderente à ideia do desenvolvimento do mercado de capitais, que também é uma das nossas missões.

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O senhor concorda com a crítica de que há falta celeridade no julgamento dos casos?

Concordo, sim. Eu queria que fosse muito mais rápido. Às vezes o que justifica essa demora é até a falta de pessoal. A realidade, por mais que se queira financiamento, por mais que se queira tecnologia, é que tudo são pessoas. Estou sinalizando desde logo que eu preciso de gente. Com mais pessoas e mais tecnologia, seremos capazes de responder a algumas demandas do mercado de um jeito mais veloz.

Por outro lado, quando fala que a casa [a CVM] não é rigorosa, eu não sei se essa percepção é justa. Porque o mais importante é aplicar com rigor científico, aplicar para as penas a dose correta. Dosimetria das penas é um estudo científico. Precisamos trazer proporcionalidade e previsibilidade para nossos regulados.

Vemos o desenvolvimento da oferta de criptoativos, mas não há normas legais. Qual seria o marco regulatório adequado para esse novo segmento?

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Existe uma demanda atual no Brasil e no mundo em relação à regulação dos criptoativos. Essa é uma situação complexa. Ela tem uma relação direta com as transformações que a tecnologia computacional está promovendo nos modelos de negócio.

Aqui na CVM estamos atentos à zona de nossa competência para trabalhar em uma regulação não invasiva do cripto naquilo que diz respeito ao mercado de capitais. Para a CVM editar as normas sobre um tema como esse, a rigor precisamos de lei. Sem prejuízo disso, a CVM está encontrando uma maneira de contribuir ao mercado trazendo um pouco mais de previsibilidade. No futuro breve, teremos a oportunidade de passar algumas mensagens.

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Tenho conversado muito sobre o tema cripto com o presidente [do Banco Central] Roberto Campos Neto e tenho estreitado laços entre a CVM e o Banco Central na certeza de uma atuação conjunta, mas com cada um dentro da respectiva esfera.

O que já é possível fazer nesse sentido?

Na área de competência da CVM, é interessante que alguns ativos que hoje são transacionados, com um olhar atento, já conseguimos começar a monitorar, a cumprir e a fiscalizar, porque alguns deles caem dentro de uma acepção ampla de valor mobiliário. De um jeito técnico, chamamos de contratos de investimento coletivo, que estão previstos no inciso 9 do artigo 2º da Lei 6385, de 76.

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Para esses dispositivos, a CVM já está atenta. E até quero passar uma mensagem: boa parte dessas operações do cripto são na realidade operações de oferta pública irregular ou até mesmo fraudes, em relação às quais a CVM está atenta para poder desde logo punir se estiver confirmada a fraude.

A regulamentação virá, pode ter certeza. Ela vai trazer mais segurança e previsibilidade e será feita de maneira não invasiva.

Há eleição presidencial em outubro. Discussões de temas que mexem com o arcabouço do mercado de capitais vão amadurecer mais no próximo ano, após a definição do cenário político?

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A CVM tem que estar preparada para cumprir seu papel e executar suas atribuições independentemente da agenda eleitoral de Brasília. Por exemplo, a agenda regulatória, que é cheia: os fundos de investimentos, os assessores de investimentos, os influenciadores digitais, o marco legal das startups, uma pauta verde que a CVM está trazendo para dentro da indústria de fundos. Essa discussão independe de qualquer outro tema que esteja sendo tratado em Brasília. Este segundo semestre promete.

Sobre a atuação dos influenciadores digitais nas redes sociais falando de produtos e de instituições: de que maneira a CVM pretende levar normas para tais práticas em um mercado hoje sem lei?

Esse é um ponto muito importante. No mundo moderno, a maneira como as informações são produzidas e disseminadas traz muito desafio para todos nós. Os influenciadores digitais estão por toda parte. Estão no jornalismo, no comércio, no futebol, nas artes e também no mercado de capitais.

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Nós estamos atentos. É importante dizer que a CVM não tem a menor intenção de tolher o exercício da liberdade de expressão de ninguém, desde que não sejam invadidos os perímetros de atuação de agentes regulados do mercado autorizado, como é o caso dos analistas.

Muitas vezes observamos que os influenciadores digitais são mais do que influenciadores, trazem sugestões de investimento e recomendações, falam o que fizeram em suas respectivas carteiras, apresentam resultados e, dessa maneira, induzem a comportamentos que, em última análise, podem inclusive promover disfunções no funcionamento do mercado de capitais. Estamos em alerta quanto a isso. E essa é uma das pautas a qual pretendemos nos dedicar no segundo semestre na regulação.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.