Cotas não aumentam presença de mulheres na política da América Latina

Entre 33 países, incluindo o Caribe, apenas duas mulheres são chefes de Estado, um espaço vazio também nos ministérios e no legislativo, em que ocupam menos de um terço

Tabata Amaral é uma estrela em ascensão no cenário político brasileiro, onde as mulheres representam apenas 15% dos assentos no Congresso
Por Maria Eloisa Capurro
12 de Setembro, 2021 | 07:46 AM

Bloomberg — Três décadas se passaram desde que a primeira cota eleitoral de gênero foi aprovada na América Latina, mas as mulheres da região ainda enfrentam violência política, esquemas concebidos para deixá-las de fora e uma cultura que as sobrecarrega com o cuidado dos filhos. Como resultado, o progresso das mulheres na política se estagnou em uma das regiões economicamente mais desiguais do mundo.

Não faz muito tempo, as mulheres lideravam algumas das maiores economias da região, incluindo Argentina, Brasil e Chile. Agora, de 33 países, incluindo o Caribe, apenas duas mulheres são chefes de Estado. A falta de liderança feminina se reflete nos ministérios e no legislativo: apesar das cotas que exigem 40% ou 50% de participação, as mulheres ocupam menos de um terço desses cargos. Como resultado, requisitos mais exigentes estão sendo implementados em alguns países, que exigem não apenas uma porcentagem de participação, mas “paridade em tudo”, como na Constituição do México.

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“Os partidos entendem as cotas como o teto, e não o requisito mínimo para a participação das mulheres”, disse Maria-Noel Vaeza, diretora regional para a América Latina da ONU Mulheres. “Agora é hora de paridade de gênero, não de cotas.”

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Maior parte dos países tem cotas de gênero, mas a região está longe de alcançar a paridadedfd

Tabata Amaral, de 27 anos, emergiu como uma jovem estrela nas eleições legislativas de 2018. Filha de um motorista de ônibus e de uma empregada doméstica, estudou em escolas públicas durante a maior parte de sua formação antes de conseguir uma bolsa de estudos totalmente paga em Harvard e mergulhar na política.

A deputada de São Paulo rapidamente recebeu uma enxurrada de mensagens de ódio. Ela foi criticada por assumir posições que seus colegas homens também apoiaram, e recebeu ameaças de morte.

“As pessoas ainda acreditam que lugares de poder não são para nós”, disse em entrevista em sua casa de infância, em um dos bairros mais pobres de São Paulo. Recordando os casos mais tristes, enxuga as lágrimas.

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As mulheres representam apenas 15% do Congresso, metade da porcentagem que partidos políticos são obrigados a reservar em suas listas para candidatas. As cotas, estabelecidas em 1997, aumentaram o número de mulheres na política em âmbito nacional, mas o país estagnou em relação a outras nações.

“É muito raro encontrar uma mulher em posição de liderança em um partido político”, acrescenta Tabata. Ela também aponta para o fenômeno da inclusão de mulheres como “laranjas” - candidaturas falsas que apenas usam os nomes para que os partidos possam cumprir o mínimo exigido de candidatas mulheres. Uma forma de identificá-las é se a pessoa receber um número visivelmente baixo de votos. Nas eleições de 2018, 35% das candidatas à Câmara dos Deputados obtiveram menos de 320 votos de 107 milhões de eleitores.

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Por isso, a deputada propôs uma solução alternativa: um projeto de lei que daria um bônus financeiro aos partidos por apoiarem mulheres em eleições. Mas Tabata, autora do projeto, não acha que será aprovado, não no clima político do governo Jair Bolsonaro.

Mesmo se fosse aprovada, nada garante que a regra funcionaria. No Chile, estudos mostram que as mulheres ainda recebem menos fundos de partidos, bancos e doadores do que candidatos do sexo masculino, apesar de uma regra que destina mais recursos aos partidos para cada mulher que elegem, de acordo com Jennifer Piscopo, professora associada de política no Occidental College e editora de um livro sobre o impacto das cotas de gênero. “Quando as mulheres são desconhecidas, o candidato padrão que os eleitores procuram é homem”, diz.

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No Brasil, as mulheres nem tinham banheiro no Senado até 2016, tendo que recorrer a um restaurante ao lado.

“O diabo está nos detalhes”, diz Mariana Duarte, assessora de gênero da União Interparlamentar.

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Cultura

Na América Latina, marcada pelo machismo, uma em cada três mulheres sofrerá algum tipo de violência durante a vida, de acordo com uma estimativa de 2019 da Organização Pan-Americana da Saúde. A violência e o assédio online, que, segundo os especialistas, aumentaram na região durante a pandemia, agora operam como dois obstáculos, mantendo as mulheres fora da política.

Movimentos de base e grupos feministas oferecem redes de apoio, mas não podem fazer muito. Este ano, a organização mexicana “Auna” ajudou sete candidatas a serem eleitas - mas 25 entre 50 apoiadas pelo grupo decidiram desistir da disputa, incluindo Mariana Orozco.

No Brasil, o assassinato da vereadora Marielle Franco em 2018 destacou o alto risco enfrentado pelas mulheres.

“As pessoas vão falar sobre sua vida pessoal, contar mentiras, fazer você ficar com medo, te ameaçar”, disse Tabata. “Esteja pronta para isso.”

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