Bloomberg — Dois empresários do setor de data centers ficaram bilionários antes mesmo de qualquer obra ser iniciada. Um tomador de crédito pediu financiamento equivalente a 150% do custo de construção. E há empresas recorrendo à engenharia financeira para manter passivos fora do balanço.
Para os céticos, esses são alguns exemplos de por que o boom de data centers voltados à inteligência artificial (IA) está saindo do controle.
Há um frenesi de projetos para sustentar a revolução da IA e, com ele, uma demanda insaciável por dívida para financiá-los. Algumas estimativas apontam que o custo total da expansão da infraestrutura pode chegar a US$ 10 trilhões.
Com tantos credores dispostos a despejar recursos nesses ativos, cresce o temor de que uma bolha esteja se formando — o que pode acabar deixando investidores em ações e crédito diante de perdas relevantes.
“Um risco-chave a considerar é a possibilidade de que o boom na construção de data centers resulte em excesso de oferta. Alguns data centers podem se tornar economicamente inviáveis, e alguns proprietários podem quebrar”, escreveu nesta semana Howard Marks, cofundador da Oaktree Capital Management, em uma nota. “Vamos ver quais credores manterão disciplina no ambiente eufórico atual.”
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Diante do volume de recursos, outro risco é que haja menos crédito disponível quando as instalações atualmente em construção, financiadas com empréstimos, precisarem ser refinanciadas dentro de três a cinco anos.
Também cresce a preocupação com o nível de alavancagem, sobretudo diante do risco de a tecnologia não corresponder às expectativas elevadas. Nesse cenário, credores podem se mostrar ainda mais relutantes em refinanciar, obrigando as empresas a aportar mais capital próprio ou a pagar mais caro para tomar empréstimos.
“O impulso é forte, mas, se isso for exuberância irracional, os investidores perderão quando a música parar de tocar”, disse Sadek Wahba, chairman e sócio-gerente da gestora de infraestrutura I Squared Capital. Segundo ele, a empresa tenta agir com cautela, alertando que “cada operação tem nuances, e as letras miúdas importam”.
O universo mais amplo da IA também passou a refletir essas preocupações, com operações circulares e avaliações em disparada pesando sobre o otimismo antes predominante.

Na Brookfield, o CEO Bruce Flatt estima entre US$ 5 trilhões e US$ 10 trilhões em investimentos necessários para financiar a implementação da IA, desde data centers até infraestrutura de energia. A McKinsey calcula que quase US$ 7 trilhões serão necessários até 2030 apenas para data centers, incluindo os voltados à IA.
“São valores que nunca foram investidos antes”, disse Flatt.
A OpenAI, por exemplo, planeja gastar US$ 1,4 trilhão em infraestrutura de IA — e investiria ainda mais se pudesse. A diretora financeira, Sarah Friar, já afirmou repetidamente que a única limitação da empresa é encontrar mais capacidade computacional.
Se a escala das operações é um dos motivos de preocupação, outro está na forma como esses negócios vêm sendo empacotados e estruturados.
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Credores vêm fatiando a dívida e revendendo esses papéis a outros investidores, o que torna o risco cada vez mais opaco, segundo Vinay Nair, CEO da plataforma fintech TIFIN e professor em programas de educação executiva da Wharton School.
“Você está espalhando esse risco pelo sistema”, disse ele. Se houver uma queda, “não acho que compreendamos totalmente todos os efeitos em cadeia disso por meio do canal de crédito”.
Alguns tomadores de empréstimo vêm transferindo o risco dos data centers de IA para fora de seus balanços por meio dos mercados de securitização, onde a dívida é dividida em tranches com diferentes níveis de risco e retorno, compradas por seguradoras e fundos de pensão, entre outros.
Uma dinâmica semelhante começa a surgir no financiamento de unidades de processamento gráfico (GPUs), responsáveis por processar os dados.

Com o ambiente de crédito tão favorável, alguns tomadores chegam a pedir financiamentos superiores a 100% do custo de construção dos projetos, segundo dois credores de crédito privado que falaram com a Bloomberg News e pediram anonimato.
Em um caso, o pedido chegou a 150%, com o incorporador imobiliário justificando o valor com base no aumento da avaliação do ativo quando os aluguéis começarem a ser recebidos, disse uma das fontes.
Ao mesmo tempo, há também o risco do exagero. A startup nuclear Fermi ainda não desenvolveu nenhum data center, mas seu valor de mercado chegou a ultrapassar US$ 19 bilhões por um breve período após sua abertura de capital neste ano. Isso transformou em bilionários os fundadores Toby Neugebauer e Griffin Perry, filho do ex-secretário de Energia dos EUA Rick Perry.
Tensão nos mercados
Mas o mercado também começa a demonstrar maior nervosismo em relação ao endividamento e aos gastos.
As ações da Oracle (ORCL) caíram nesta sexta-feira (12) depois que a Bloomberg News informou que a empresa adiou a conclusão de alguns data centers que está desenvolvendo para a OpenAI. O papel já havia recuado 11% no dia anterior, diante de preocupações com o ritmo elevado de investimentos.
Enquanto isso, a Fermi (FRMI) chegou a despencar 46% após um inquilino rescindir um contrato de US$ 150 milhões ligado ao campus proposto pela empresa no Texas. Já a Broadcom (AVGO) caiu depois que alguns investidores consideraram decepcionante a carteira de pedidos ligados à IA.

Planos de financiamento
Durante anos, proprietários financiaram data centers com uma combinação de capital próprio e dívida e depois alugavam o espaço. Os hyperscalers — grandes provedores de computação em nuvem, como Microsoft e o Google, da Alphabet — também desenvolveram seus próprios projetos à medida que os serviços de nuvem se expandiam.
Agora, as empresas querem continuar ampliando capacidade e manter o controle desses ativos, mas vêm estruturando operações para reduzir o impacto nos demonstrativos financeiros, o que ajuda a limitar o risco de parecerem excessivamente expostas.
Os hyperscalers começaram a usar as chamadas “locações sintéticas”, que limitam os passivos reconhecidos no balanço, mas ainda permitem aproveitar benefícios fiscais ligados à depreciação, segundo Jeffrey Shell, vice-presidente de mercados de capitais corporativos da CBRE.
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Antes, as gigantes de tecnologia simplesmente usavam recursos próprios “porque precisavam se mover rapidamente para obter vantagem de pioneirismo”, disse Shell. “Em algum momento, mesmo para as maiores empresas, financiar volumes desse tamanho tem impacto relevante no balanço.”
Com a disparada do endividamento, os mercados de crédito precisam se adaptar para atender à demanda.
“O tamanho dessas operações já superou o que é realisticamente possível alocar em CMBS, ABS e no mercado de project bonds por colocação privada”, disse Scott Wilcoxen, chefe global de banco de investimento em infraestrutura digital do JPMorgan Chase. “Vai ser preciso usar todos esses canais.”
Até agora neste ano, ao menos US$ 175 bilhões em operações de crédito ligadas a data centers nos EUA foram fechados, segundo dados compilados pela Bloomberg News. Marks, da Oaktree, questiona os retornos oferecidos pela dívida vendida pelos hyperscalers para financiar investimentos em IA.
Em alguns casos, o spread é de apenas cerca de 100 pontos-base acima dos títulos do Tesouro americano, o que leva o veterano investidor a questionar se é “prudente aceitar 30 anos de incerteza tecnológica para fazer um investimento de renda fixa que rende pouco mais do que um ativo sem risco”.
Nem todos também aprovam o desenho de alguns veículos de investimento oferecidos ao mercado.
“Vimos estruturas de master trust nas quais os ativos podem ser rotacionados a cada poucos anos”, disse Michelle Russell-Dowe, co-chefe de dívida privada e alternativas de crédito da Schroders Capital. “É difícil fazer a análise de risco, e por isso não gostamos dessas estruturas.”
As menções a uma possível bolha despertaram o interesse de reguladores. O Banco da Inglaterra está revisando os empréstimos ao setor de data centers depois de crescer a preocupação com o nível de gastos e de financiamento.
Segundo Wilcoxen, do JPMorgan, uma expressão que vem aparecendo com frequência no mercado para descrever a enorme gama de fontes de financiamento acionadas é “tudo, em todos os lugares, ao mesmo tempo”, uma referência ao filme recente vencedor do Oscar.
“A quantidade de dinheiro correndo atrás disso tudo é extraordinária”, afirmou.
-- Com a colaboração de Dina Bass, Sridhar Natarajan, Dawn Lim e Mark Bergen.
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