Bloomberg Línea — Nos últimos anos, poucas empresas financeiras que atuam com o consumidor de varejo no mundo experimentaram uma ascensão tão meteórica como a britânica Revolut (e, sim, também o brasileiro Nubank).
A fintech fundada em 2015 por Nik Storonsky e Vlad Yatsenko acaba de passar a marca de 65 milhões de clientes, mais de quatro vezes a base de cinco anos antes (15 milhões); as receitas saltaram de £ 220 milhões em 2020 para £ 3,1 bilhões em 2024, com avanço novamente acelerado neste ano.
O crescimento tem se dado com melhora da rentabilidade: a margem líquida passou de 19% em 2023 para 26% em 2024 - os números parciais de 2025 não foram divulgados, dado que a empresa segue com capital fechado.
Para analistas, tão notável como raro de observar no segmento financeiro de varejo e corporativo nos dias de hoje é o agressivo plano de expansão internacional em execução: atualmente em cerca de 40 países, a Revolut tem o plano de chegar a mais 30 até o fim da década, em 2030.
Para os executivos que lideram o banco digital, trata-se de uma expansão factível com base em uma plataforma digital altamente escalável e a expertise que desenvolveram.
“Somos uma empresa totalmente baseada em tecnologia e temos tudo na nuvem. Para nós é relativamente fácil pegar nossos diferentes produtos e serviços e, claro, adaptá-los, garantir que estejam de acordo com as regulamentações locais e então lançá-los rapidamente em diferentes mercados”, disse David Tirado, VP de Profitability e Global Business, em entrevista à Bloomberg Línea.
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Segundo o executivo espanhol, os números financeiros em trajetória de alta acelerada e a expansão para tantos mercados - na qual a América Latina desempenha um papel relevante (leia mais abaixo) - refletem um modelo de negócios com uma plataforma digital multi-produtos que ganha tração em cima de alavancagem operacional. Ou seja, que tem capacidade de ganhar escala e acelerar a partir de um investimento realizado ou de acréscimos marginais.
Depois de ganhar mercado e ampliar o awareness com sua solução multi-moedas cross-border em seus primeiros anos, a Revolut desenvolveu e passou a oferecer uma plataforma mais ampla de serviços. Isso inclui de ferramentas de transferência instantânea em mercados locais, como o Pix no Brasil e o UPI na Índia, a cartão de crédito, negócios para empresas - a Revolut for Business - e até soluções para além das finanças, como reservas de viagens e serviços de telecom.
“Com a presença em 39 mercados e a entrada em novos em andamento, estamos acumulando bastante conhecimento sobre como expandir globalmente. Temos playbooks de como entrar em um país. E com isso nós buscamos tornar a operação lucrativa desde o primeiro dia, garantindo que nossa margem bruta seja positiva desde o início para não perdermos dinheiro em nenhum lugar."
É um movimento acelerado que destoa, por exemplo, do Nubank, que tem adotado um plano de expansão global mais gradual, com presença por ora em “apenas” mais dois países além do Brasil: o México e a Colômbia (a estratégia tem funcionado com eficiência para o banco digital brasileiro, que superou a marca de 120 milhões de clientes e chegou a US$ 3,7 bilhões em receitas apenas no segundo trimestre de 2025, além de métricas elevadas de rentabilidade).
A estratégia também destoa de bancos incumbentes que, na contramão, chegam a reduzir a sua presença em certos mercados, o que inclui o fechamento de agências, como o espanhol Santander no Reino Unido, em outro exemplo.
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Nesse plano, países da América Latina como Brasil, México, Argentina e Colômbia, entre outros ainda não anunciados, terão papel fundamental.
“Estamos muito entusiasmados com a América Latina. É uma região que temos avaliado nos últimos três anos, especialmente porque os mercados de Espanha e Portugal têm crescido muito rápido”, disse o VP de Global Business em alusão a um público com semelhanças e que apresenta oportunidades de sinergias, como o envio de remessas de imigrantes para seus países de origem.
“Vimos que na América Latina há uma adoção muito forte de novas tecnologias, que se compara a outras regiões. Vimos o sucesso do Nubank não apenas no Brasil mas também recentemente no México”, completou o executivo.
A atenção com o mercado da região é um ponto que une os planos tanto da Revolut como do Nubank, bem como o reconhecimento do investidor: a fintech britânica foi recentemente avaliada em US$ 75 bilhões, o que consolidou seu status de tech financeira privada mais valiosa do mundo. O banco digital brasileiro, por sua vez, negociado na NYSE desde dezembro de 2021, tem market cap de US$ 77 bilhões, o que o torna um dos players listados mais valiosos do mundo em sua área.
Veja a seguir a entrevista com o VP de Global Business da Revolut, David Tirado, editada em formato de tópicos para fins de resumo e compreensão:
Razões para a América Latina
“Estamos muito entusiasmados com a América Latina. É uma região que temos avaliado nos últimos três anos, especialmente porque os mercados de Espanha e Portugal têm crescido muito rápido. A Espanha é agora o nosso terceiro maior mercado e Portugal tem uma proposta com market fit muito positiva.
Começamos a avaliar alguns corredores diferentes, em que pensamos que poderíamos trazer sinergias. Vimos que na América Latina há uma adoção muito forte de novas tecnologias, que se compara a outras regiões. Vimos o sucesso do Nubank não apenas no Brasil mas também recentemente no México."
Do Brasil ao México
“Vimos também que nosso produto pode ter muitos atributos e um market fit muito bom na região. Começamos no Brasil com um produto um pouco mais focado no segmento de viagens e agora queremos ir um pouco mais fundo. E o México é muito importante para nós, todos os olhos estão voltados para lá. É o primeiro país em que vamos lançar a Revolut como banco desde o primeiro dia.
Vemos bastantes oportunidades na região. Já tornamos públicos nossos planos na Colômbia e adquirimos uma licença bancária na Argentina, que está no processo de mudança de controle. Estamos vendo uma reação bastante positiva sobre nossa chegada por parte dos agentes de mercado."
Expansão para múltiplos mercados
“Quando estive em Davos, encontrei muitos CEOs e eles estavam muito focados em reavaliar as operações de varejo que tinham. Estamos em uma direção diferente.
Nós temos uma grande vantagem, que é uma alavancagem operacional muito forte. Somos uma empresa totalmente baseada em tecnologia e temos tudo na nuvem. Para nós é relativamente fácil simplesmente pegar nossos diferentes produtos e serviços e, claro, adaptá-los, garantir que estejam de acordo com as regulamentações locais e então lançá-los rapidamente nos mercados.
Além disso, nosso motor de crescimento está bastante focado em marketing de performance, digital e assim por diante. Conseguimos aplicar os mesmos playbooks - já testados - com muito pouco esforço e muito pouca incrementalidade como grupo ao lançar novos mercados.
Quando entramos em um mercado, sempre olhamos para o product market fit. Avaliamos várias métricas para definir em quais mercados queremos entrar, não apenas o mercado endereçável mas também o ambiente regulatório e assim por diante."
Expansão para ‘vencer’
“Quando decidimos entrar nesses 30 novos mercados, é porque acreditamos que podemos vencer. Estamos totalmente comprometidos em fazê-los crescer e funcionar. Um dos exemplos é que estamos há muito tempo no Japão e também nos EUA, e temos diferentes níveis de sucesso nesses mercados. Não é nada fácil entrar em um mercado e ter sucesso da noite para o dia. Precisamos ajustar e garantir que há product market fit, precisamos adaptar a proposta ao mercado local.
Pense que, como temos uma estratégia totalmente digital, o custo incremental de continuar ajustando e buscando o product market fit é muito limitado em comparação com outro banco que tenha forte presença física, muitos ativos e assim por diante. Portanto achamos que estamos em situação muito diferente."
‘Playbook’ para novos mercados
“Talvez alguns mercados sejam mais bem-sucedidos do que outros em três anos. Nós pensamos no longo prazo. Queremos ser globais. Entendemos que somos o primeiro banco totalmente baseado em tecnologia, junto com outros players. Somos agora o mais global, em 39 países. E estamos acumulando bastante conhecimento sobre como fazer isso. Temos playbooks de como entrar em um país.
Tentamos primeiro lançar e ver se há product market fit. Observamos vários KPIs [indicadores-chave], como se nossos clientes estão usando o produto em níveis que consideramos bons, se temos uma taxa de churn [cancelamento] muito baixa e assim por diante. E, uma vez que temos isso, entramos no próximo estágio, que é começar a investir pesado naquele país para tentar obter mais usuários.
Com esse playbook, nós tentamos tornar a operação lucrativa desde o primeiro dia, garantindo que nossa margem bruta seja positiva desde o início para não perdermos dinheiro em nenhum lugar.
E então tentamos ganhar escala gradualmente. Com essa receita podemos dar tempo para amadurecerem e não precisamos, como outros players, sair de um país porque querem racionalizar ou porque está custando muito dinheiro."

Novas apostas em produtos
“Temos uma estrutura chamada New Bets. Existe um comitê que se reúne toda segunda-feira, do qual eu participo junto com nossos dois fundadores. E então avaliamos novas áreas de produto em que podemos entrar. A vantagem da Revolut é que sempre construímos tudo para ser global desde o primeiro dia. E é assim que funciona e temos sido bem-sucedidos.
Isso aconteceu especialmente na Europa, onde havia muitos players locais realmente bons, como o Monzo no Reino Unido, outro banco digital, o N26 na Alemanha... mas decidimos entrar em todos os países da Europa desde o início e isso nos trouxe muitas economias de escala, a capacidade de fazer transferências P2P [peer-to-peer] gratuitas e nos deu muitos growth hacks.
Portanto, nossa abordagem é que, quando entramos em uma dessas New Bets, sempre olhamos se temos alguma vantagem competitiva por causa da escala. E depois disso, claro, avaliamos se queremos ou não investir nisso.
Sempre olhamos para entender qual é o produto que pode funcionar para o cliente. E então pensamos: ‘se construirmos de maneira escalável, em vez de atender 100 clientes, podemos atender 400 milhões em cinco continentes’."
3 tendências globais
“Na Revolut, construímos planos de três anos, mas temos um processo muito ágil. Sempre que vemos algo no mercado, podemos criar rapidamente uma nova equipe, como nossa equipe de telecom ou nossa equipe [para o segmento] premium, e estruturá-la. E eu vejo três tendências mais importantes [no futuro da indústria financeira]."
Sinergias com o corporativo
“A primeira tendência, da qual somos grandes defensores, se relaciona com uma proposta empresarial muito forte que temos, a Revolut for Business.
Acreditamos que podemos construir muitas sinergias entre o negócio de varejo e o negócio corporativo. Lançamos um produto que é um método de pagamento alternativo chamado Revolut Pay, que basicamente oferece para usuários da Revolut no varejo e usuários da Revolut for Business uma interface para executar pagamentos entre ambos de uma forma muito mais simples.
As sinergias entre os ecossistemas de negócios corporativos e de varejo vão se tornar cada vez maiores em pagamentos, mas também em áreas como adquirência e todo produto que oferecemos no varejo, desde telecom até nossos produtos de estilo de vida, como reservas, hospedagem e assim por diante."
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Impacto da IA
“O segundo ponto é que a IA está transformando muitas operações. Estamos animados com o potencial que vemos de integrações no futuro em nossos produtos. Um dos principais usos de IA é reservar destinos de férias mas também obter recomendações de investimentos. Esses são dois aspectos que surgem o tempo todo. Acreditamos que há muitos pontos que podemos integrar em nosso produto, mas queremos fazer isso da forma certa e bem-feita. ”
Cliente global
“A terceira tendência que vemos, razão pela qual estamos com muitos dos planos em execução, é a globalização. Nos últimos anos vimos mais fluxo de tráfego entre países do que nunca. Isso beneficiou muito a proposta de valor da Revolut.
Novamente, o fato de estarmos em 39 países agora, mais outros 30 em que planejamos entrar até 2030, nos dará uma plataforma muito forte para pessoas que querem usar de forma integrada serviços como métodos de pagamento alternativos como o Pix no Brasil, o UPI na Índia ou o Bizum na Espanha quando viajam.
Quando pessoas do Brasil vão para a Espanha, podem simplesmente usar o Bizum com o aplicativo da Revolut, esse tipo de funcionalidade. Vemos isso como uma tendência macro que também vai impulsionar bastante a adoção de produtos: globalização e garantir que os serviços financeiros sejam integrados."
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