Exclusivo: O plano do Nubank para ganhar escala global com uso de tecnologia

Em entrevista à Bloomberg Línea, Thuan Pham, ex-CTO da Uber e da Coupang e novo membro do conselho, aponta como entrar em diferentes mercados em alguns anos

Thuan Pham, membro do conselho do Nubank e ex-CTO da Uber e da Coupang (Anthony Kwan/Bloomber)
30 de Outubro, 2022 | 12:51 PM

Leia esta notícia em

Inglês

Bloomberg Línea — Com mais de 70 milhões de clientes em três mercados, Brasil, Colômbia e México, o Nubank (NU) enfrenta desafios para manter o ritmo de crescimento acelerado dos últimos anos, em particular no momento atual de aumento das taxas de juros e de custo de capital no mundo. Há ceticismo de parte do mercado, como alguns analistas que cobrem o setor financeiro.

Mas, para Thuan Pham, novo membro do conselho de administração e ex-CTO (Chief Technology Officer) da Uber e da Coupang, conhecida como a Amazon da Coreia do Sul, o banco digital tem a oportunidade de construir uma plataforma replicável como a que permitiu que o app de mobilidade atingisse escala global.

“Vamos olhar para a experiência que eu tenho da Uber, que opera em todo o mundo. No Brasil e tudo mais, só construímos um sistema uma vez. E todo o resto é personalizável pela equipe local nesses países [...] Não temos engenheiros em todo lugar.”

“Quando você chega a esse nível de plataforma e personalização, a velocidade do negócio, à medida que se cresce nessa escala, é incrivelmente rápida. É por isso que o Uber pode crescer tão rápido em relação a qualquer outra empresa nesse setor em todo o mundo”, disse Pham em entrevista exclusiva à Bloomberg Línea.

PUBLICIDADE

“Para mim, essa é uma oportunidade e uma visão incrível que uma empresa como o Nubank pode alcançar”, disse o executivo em videoconferência a partir do Vale do Silício. Na Uber, ele liderou a área de tecnologia, que chegou a contar com 3.800 engenheiros e que permitiu que o app de transporte ganhasse escala a ponto de atingir e suportar 20 milhões de viagens diariamente no mundo.

Pham, que nasceu no Vietnã, tem cidadania americana e é mestre em Engenharia e Ciência de Dados pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ele contou sua visão para a futuro das plataformas que oferecem serviços financeiros e os fatores que, em sua avaliação, vão definir os vencedores dessa corrida para atrair e conquistar o consumidor, incluindo o objetivo maior de todos: engajamento.

Leia a seguir trechos da entrevista com Thuan Pham, editada para fins de clareza:

Quando o senhor entrou para a Uber, a empresa fazia 30 mil viagens por dia. Esse número saltou em alguns anos para 20 milhões. O Nubank já tem 70 milhões de clientes. Essa escala mais alta é uma vantagem competitiva ou um desafio para conseguir inovar?

Na verdade, quando olhamos para a escala e os desafios, também precisamos olhar para a velocidade com que precisamos crescer. De que dimensão estamos falando? Se estamos falando apenas sobre a escala em número de clientes, na verdade não é tão desafiador. Porque você pode ter 100 milhões de clientes e eles usam o produto apenas uma vez por mês. Isso não é tão interessante, certo?

Mas a parte interessante sobre o Nubank, a Uber e outras empresas não é apenas que elas possuem muitos clientes, mas que eles são altamente engajados. O dado que vi é que 55% dos clientes que temos no Brasil são muito, muito ativos na plataforma. Realizam transações com nossos serviços o tempo todo e usam cada vez mais. O problema que temos que resolver é o número de transações.

É como na Uber: 30.000 viagens por dia são 30.000 transações por dia. Quando você passa disso para 20 milhões por dia em questão de quatro anos, como você consegue crescer tão rapidamente? Em termos de tecnologia, de oferta de produtos e tudo mais. O produto tem que ser muito bom para as pessoas passarem a usar tanto a mais tão rapidamente. E o peso é como tornar o sistema mais confiável.

PUBLICIDADE

O Nubank está crescendo. No momento, ainda está nos primeiros dias de ganho de escala. Você citou 70 milhões de clientes e 66 milhões deles estão no Brasil. E estamos apenas na superfície da América Latina. Estamos entrando no México, na Colômbia e em muitos outros lugares. Podemos obter muitos milhões de clientes a mais no futuro. E esperamos que da maneira como o Nubank continue a inovar e a entregar o produto que as pessoas desejam, mais e mais pessoas irão usá-lo ainda mais.

E como aumentar esse engajamento dos clientes?

Se olharmos para uma empresa nos seus primeiros anos, o mais importante é o market fit do produto. Você quer construir um produto de que o consumidor goste. E o Nubank fez um trabalho fantástico nos últimos dez anos. O que quer que seja lançado, perturba o status quo e as pessoas adoram e usam bastante. Agora chega outro momento.

Digamos que o Nubank tenha um sucesso incrível no Brasil. Agora quer levar um conjunto similar de produtos para a Colômbia, para o México, para outros lugares da América Latina e, eventualmente, talvez para outras partes do mundo. Mas cada uma dessas regiões tem regulações diferentes, leis diferentes... Como podemos construir a tecnologia de forma que o núcleo do produto e da oferta esteja lá?

Como permitir que cada equipe regional em diferentes países personalize e adapte a oferta de produtos para cumprir as leis e as políticas locais e coisas assim? Se a empresa puder fazer isso incrivelmente bem, será capaz de se mover mais rapidamente, com mais agilidade e crescer com mais facilidade do que outra empresa que não faz isso e que precisará de muito trabalho a cada lançamento.

Portanto, é aqui que a tecnologia se torna não só um facilitador muito importante mas também tem impacto diferente em escala. Quando a empresa é pequena, isso não importa muito. Importa apenas que tenhamos as coisas prontas e apresentemos ao cliente o que ele deseja.

Mas, quando você tem 70 milhões, 100 milhões, 200 milhões de clientes em todo lugar, em diferentes países com diferentes leis e regulamentos e recursos e até mesmo ofertas de produtos que você deseja ter na plataforma, como construir o Nubank como um plataforma de tecnologia no setor de fintech que está disponível globalmente, mas que pode ser customizável por regiões e países localmente?

Para mim, essa é uma oportunidade e uma visão incrível que uma empresa como o Nubank pode alcançar. E se conseguir entregar tudo isso por meio de sua tecnologia e produto nos próximos anos, será uma empresa fenomenal. Com tamanho de muitas vezes em relação ao que tem hoje.

Quanto tempo se leva para alcançar esse estágio? E como tornar isso possível?

Tem que ser um processo contínuo. Não vai funcionar se todo mundo for ao banheiro e, cinco anos depois, virá um big bang com tudo pronto. Começa primeiro com o reconhecimento de que precisamos ir nessa direção. E então, peça por peça, examinamos a oferta atual de produtos no momento, o número de países e mercados que queremos alcançar, quais são as coisas comuns que temos que fornecer a todos. E então nós colocamos em uma plataforma.

Podem ser muitas plataformas, pode ser uma plataforma de pagamento ou de armazenamento, seja o que for. E então você também modulariza o stack de tecnologia para definir qual componente deve ser customizável e qual deve ser comum. Isso é o principal.

Vamos olhar para a experiência que eu tenho da Uber, por exemplo, que opera em todo o mundo. No Brasil e em tudo mais, só construímos um sistema uma vez. E todo o resto é personalizável pela equipe local nesses países. Se você for à França, há um mix de produtos diferente na plataforma da Uber em relação ao que existe no Brasil e nos EUA. Até os nomes são diferentes e alguns mercados têm táxis, alguns mercados não têm táxis e há diferentes níveis de nível de serviço.

Não temos engenheiros em todo lugar para personalizar cada uma dessas características. Nós o construímos de forma que as pessoas possam ativar o arquivo de configuração e configurá-lo no stack e então o produto terá uma aparência diferente. E é aí que você chega a esse nível de personalização. A velocidade do negócio, à medida que se cresce nessa escala, é incrivelmente rápida. É por isso que o Uber pode crescer tão rápido em relação a qualquer outra empresa nesse setor em todo o mundo.

O Nubank tem a oportunidade de fazer a mesma coisa e é por essa razão que estou tão animado para fazer parte dessa jornada neste momento, em que o banco está prestes a atingir um ponto de inflexão para crescer ainda mais rápido com a escala e os recursos de que dispõe agora.

Como usuário, o que o senhor acha que precisa melhorar na oferta e na experiência de consumo de serviços financeiros?

Bem, vou falar não só como membro do conselho mas também como usuário, consumidor de produtos e serviços financeiros - uso os serviços de corretagem, por exemplo, da Fidelity e da Schwab. Eu olho para meu padrão de uso e sei que não quero falar com as pessoas. Demora muito para ligar para alguém para ficar em espera, para conversar com as pessoas, para resolver algum problema.

Você quer um aplicativo em que pode simplesmente fazer o que quiser: comprar e vender alguma ação, por exemplo. Basta ir ao aplicativo e um minuto depois está pronto. Ou enviar dinheiro da minha conta bancária para pagar meus irmãos. Pagamento de contas automaticamente e coisas assim.

Mas não é só sobre guardar meu dinheiro, ganhar juros, pagar alguém. É sobre: “E se eu comprar um seguro? E se eu quiser um empréstimo? E se eu quiser uma hipoteca e todos os produtos e serviços financeiros?” Isso pode ser, digamos, um marketplace. E como o banco, qualquer banco, prevê quais são minhas necessidades com base no meu uso? O que todos nós apreciamos e amamos em qualquer marketplace, seja financeiro ou não, é quando alguém parece saber o que queremos e apresenta essas escolhas. Parece mágica para mim. Como usamos a tecnologia para aprender sobre o que nossos clientes precisam e, em seguida, oferecer a eles o melhor possível? Por que ninguém iria querer isso?

Por exemplo, se eu precisar pegar um empréstimo para comprar um carro e escolher algum aplicativo bancário, recebo uma oferta. Posso confiar que, qualquer que seja a oferta de empréstimo, essa será a melhor taxa. Eu confio tanto que não tenho que comparar em qualquer lugar.

É assim que eu consumo a Amazon e outras coisas atualmente: eu simplesmente acredito porque confio nessa empresa. E então para mim a escolha é muito importante, a seleção. Seleção é escolha, mas depois tem o preço, o que é muito razoável, e a conveniência. Se você acertar em todos esses pontos, sejam serviços financeiros ou quaisquer outros, obterá a fidelidade do cliente por toda a vida.

De novo: essa é mais uma daquelas oportunidades que penso existir não só para o Nubank mas para todo o setor de fintechs. Qual empresa pode chegar lá primeiro e oferecer aos seus clientes esse nível de escolha, esse nível de competitividade de preços, confiança e conveniência?

O senhor foi o CTO da Uber e da Coupang e, portanto, liderou áreas inteiras de tecnologia, com engenheiros, desenvolvedores etc. No Nubank, será um membro do conselho, sem função executiva. Como pretende levar essa visão de inovação para o banco?

A diferença é muito sutil, mas muito importante. Como CTO da Uber ou da Coupang, eu tinha uma função operacional. Muito parecido com a do atual CTO ou de outros executivos da equipe do Nubank, em que você é responsável por tomar direções táticas e estratégicas para conduzir a empresa no dia-a-dia.

Como conselheiro, você atua em um nível um pouco acima disso, no qual você traz toda a experiência de todos os outros setores e de todos os conselheiros. O conselho do Nubank é muito diversificado. Algumas pessoas são especialistas em políticas, outras em finanças. Sou especialista em tecnologia e produto, e algumas pessoas são em operações. E todos nós basicamente nos unimos para ter um conjunto coletivo de sabedoria e experiência para poder ajudar a orientar a empresa estrategicamente.

Portanto operamos um pouco mais no arcabouço estratégico do que no dia-a-dia. Se você complementa isso com uma equipe final muito capaz, com executivos que fazem uma ótima execução e que montam uma ótima equipe, a empresa consegue alcançar uma ótima combinação.

O senhor tem reconhecimento global pela carreira em tecnologia e pelo trabalho como CTO da Uber por sete anos. Afinal, o que o atraiu para entrar no conselho do Nubank em vez de outras empresas?

As pessoas me fazem muito essa pergunta. Meu critério é muito simples. O que quer que eu faça agora com meu tempo, é baseado em três critérios simples. Uma é: posso causar o maior impacto com o tempo que gasto? Seja qual for o trabalho. A segunda é: a equipe está motivada e entusiasmada? E tem talento? Porque sempre queremos trabalhar com grandes talentos. E a terceira é: estou aprendendo e crescendo como pessoa também enquanto estou contribuindo para o impacto nos negócios ou no que quer que esteja envolvido? E o Nubank é um caso único porque atende os três critérios.

Eu costumo trabalhar em empresas disruptivas que trazem novas tecnologias, novas ideias, inovações para entregar produtos e serviços de maneira muito melhor do que era possível anteriormente. Se você olhar para a Uber, a mesma coisa, se olhar para a Coupang e olhar para o Nubank, é o mesmo padrão. São setores diferentes, mercados diferentes, mas o mesmo padrão. E esse DNA de inovação é muito, muito importante para mim.

O segundo fator são as pessoas, e o talento do Nubank é fantástico. E eu estive com muitas grandes empresas como VMware e Uber. E grandes empresas podem manter essa cultura por muito tempo. E o que realmente me impressionou é que o Nubank tem dez anos, mas encontro as pessoas e o nível de energia é como se estivessem no primeiro mês de uma startup ou algo assim.

E o terceiro fator é que eu havia trabalhado em outros setores, mas não com fintech. É outra área em que há muitos primeiros princípios que aprendemos em diferentes mercados e setores e que são semelhantes, mas como podemos aplicar esse conhecimento para impulsionar mais inovação em um novo setor? E isso intelectualmente é muito interessante para mim também.

Leia também

Inteligência artificial tomará decisões melhores que CEOs, diz Nobel de Economia

Como o Nubank planeja elevar a receita por cliente e reduzir o custo de funding

Marcelo Sakate

Marcelo Sakate é editor-chefe da Bloomberg Línea no Brasil. Anteriormente, foi editor da EXAME e do CNN Brasil Business, repórter sênior da Veja e chefe de reportagem de economia da Folha de S. Paulo.