Volta do apetite a risco? Para o BV, é momento de reforçar rigor no crédito, diz CEO

Em entrevista à Bloomberg Línea, Gustavo Sousa diz que dados de endividamento das famílias e de comportamento dos clientes, entre outros, levaram o banco líder em financiamento de veículos usados a se tornar mais conservador na concessão

Escritório do banco BV, em São Paulo
03 de Setembro, 2025 | 01:58 PM

Bloomberg Línea — O CEO do BV, Gustavo Sousa, conta que, quando as equipes do banco visitam lojistas parceiros de carros usados, eles costumam compartilhar uma percepção curiosa. O BV, na visão deles, é sempre a primeira instituição financeira a reduzir a concessão de crédito quando as condições financeiras ficam “apertadas”, como agora – e também a primeira a abri-la, quando há um alívio.

A impressão do executivo é que o BV está vivendo esse ciclo mais uma vez. No momento em que a taxa de juros elevada encarece o financiamento de veículos no país – principal área de atuação do banco –, consumidores tendem a enfrentar mais dificuldades para honrar as parcelas, com aumento do risco de inadimplência.

PUBLICIDADE

Nesse ambiente, ele disse que o BV tem optado por ser mais “seletivo” na concessão de crédito, para se antecipar a um cenário de aperto financeiro para as famílias.

Com a Selic em 15% ao ano, maior patamar em 20 anos, tem havido um aumento no comprometimento de renda das famílias e do nível de endividamento no país, além de uma queda do índice de confiança do consumidor.

“Nós olhamos essas variáveis, começamos a ver o comportamento dos clientes, dos birôs de crédito, e já nos antecipamos ao ciclo, apertando um pouco a concessão”, disse Sousa em entrevista recente à Bloomberg Línea.

PUBLICIDADE

Leia mais: BC terá espaço para reduzir ‘excesso’ da taxa de juros, diz Caio Megale, da XP

É uma postura que destoa do que tem sido destacado por alguns varejistas que apontam para a perspectiva de início do ciclo de relaxamento monetário - leia-se queda da taxa Selic - entre o fim deste ano e o começo de 2026.

“Historicamente, o BV se torna mais conservador quando identifica essa combinação de variáveis e aperta um pouco a sua modelagem, resultando em uma originação menor. Quando essas variáveis começam a retornar para a normalidade, nós abrimos um pouco mais a concessão do crédito.”

PUBLICIDADE

Fundado no fim dos anos 1980 pelo grupo Votorantim, da família Ermírio de Moraes, o BV (ex-Banco Votorantim) é controlado desde 2009 em uma sociedade entre a Votorantim Finanças, braço financeiro do grupo, e o Banco do Brasil (BBAS3). Cada um tem 50% do controle acionário.

O BV diz ser o sexto maior banco privado no Brasil por tamanho da carteira de crédito, depois de Itaú, Bradesco, Santander Brasil, BTG Pactual e Safra.

Leia também: Itaú Day: banco projeta dobrar carteira de varejo e chegar a 75% de clientes digitais

PUBLICIDADE

A postura mais conservadora do BV consiste basicamente em fazer uma análise mais criteriosa do rating dos clientes que buscam financiamento para a compra de veículos, segundo o CEO.

Para os ratings que apresentam uma piora, o banco pode decidir não gerar crédito ou ser mais restritivo. Isso implica exigir um spread (margem) maior, reduzir o prazo de financiamento ou pedir um maior valor de entrada para a compra de um veículo.

Não se trata, segundo Sousa, de focar em clientes com um nível de renda maior ou menor. Mas adotar uma modelagem que analisa dados “CPF por CPF”, para entender em quais casos é preciso apertar um pouco mais a concessão de crédito.

“Isso pode acontecer com um cliente de classe B - e também com um de classe D. Não é nada específico por segmento de renda”, disse o CEO, que assumiu o comando da instituição em maio, em substituição a Gabriel Ferreira.

Gustavo Sousa, novo CEO do BV

O conservadorismo, segundo o executivo, tem permitido ao BV manter o ritmo de crescimento da carteira de crédito, evitar um aumento da inadimplência e apresentar resultados financeiros que ele classificou como “robustos”.

No segundo trimestre, o BV registrou lucro líquido de R$ 459 milhões, o que representou um aumento de 26,5% em relação ao mesmo período do ano passado.

O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) foi de 15,1% – 4 pontos percentuais acima do segundo trimestre de 2024 –, e o chamado índice de cobertura chegou a 191%, um aumento de 23 pontos.

O banco apresentou, no entanto, um aumento da taxa de inadimplência acima de 90 dias, que subiu 0,9 ponto percentual, para 5,5% da carteira. Sousa atribuiu esse aumento justamente ao fato de o banco estar mais seletivo na concessão de crédito.

Leia mais: BC pode cortar juros em dezembro com inflação benigna, diz economista-chefe do Inter

“Se o banco fica mais conservador e passa a originar menos, temos o famoso efeito denominador. Eu tenho um determinado saldo de operações vencidas acima de 90 dias com uma carteira, que é o denominador, que está crescendo menos. Quando eu tenho menos carteira para diminuir esse saldo, esse índice sobe”, disse o CEO.

Ele disse que o resultado da inadimplência ficou relativamente estável em relação ao histórico recente do banco.

Ainda assim, o BV tem registrado crescimento da carteira de crédito, que subiu 3,6% no segundo trimestre, para R$ 91,3 bilhões.

Quase metade da carteira (R$ 44,7 bilhões) é composta pelo financiamento de veículos leves usados, com crescimento de 1,4%.

Mas o banco também registrou a expansão de outras frentes como o financiamento a outros tipos de veículos (motos, pesados e automóveis novos), cuja carteira subiu 35,5%, para R$ 6,7 bilhões.

O crescimento da linha de empréstimo com garantia de veículo foi de 24,1%, somando uma carteira de R$ 4,5 bilhões.

Ronaldo Helpe, CFO do BV, reforçou a visão de solidez dos resultados.

“A despeito desse cenário de maior seletividade, de conservadorismo, observamos uma manutenção de patamares - em todas as métricas - muito robustas de balanço”, disse.

Sousa reforçou a mensagem de que o momento é de manutenção da cautela, uma vez que, na sua visão, as condições macroeconômicas devem seguir “pressionadas” nos próximos meses, com a expectativa de manutenção da taxa de juros em patamares elevados.

“Ainda não tenho no horizonte para dizer se em alguns meses vamos começar a reabrir [o apetite]”, disse o CEO. “Hoje a nossa cabeça está na seletividade. Ainda estamos com bastante cautela na concessão do crédito.”

Leia também

Itaú supera estimativa de lucro no trimestre e eleva projeção de margem com clientes

Cliente de alta renda aumenta engajamento e eleva lucro do C6 no 1º semestre, diz CFO

BTG Pactual aposta em banco nos EUA e câmbio 24/7 para avançar em contas globais