Suzano aposta em diversificação para enfrentar guerra comercial entre EUA e China

Com joint venture com a Kimberly Clark e aquisições nos EUA, gigante de papel e celulose se prepara para enfrentar riscos geopolíticos mais elevados

Suzano
Por Rachel Gamarski - Dayanne Sousa
09 de Junho, 2025 | 03:23 PM

Bloomberg — Seu maior comprador é a China. As maiores perspectivas estão nos Estados Unidos. Sua maior aquisição em quase uma década tem como foco a Europa. A gigante brasileira de papel e celulose Suzano está se tornando mais global conforme navega pelas tensões comerciais entre pesos pesados geopolíticos.

A empresa colhe matérias-primas de seus cultivos de eucalipto para fabricar de tudo, desde livros até papel higiênico, e afirma exercer um impacto na vida de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo.

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Seus executivos dizem ter um plano para navegar por este momento turbulento do comércio global — um plano que pode servir de manual para outras empresas que não querem apenas sobreviver, mas também lucrar.

A estratégia, em essência, é estreitar os laços em todas as direções. Nos Estados Unidos, fez pequenas aquisições após sua oferta fracassada de US$ 15 bilhões para comprar a International Paper no ano passado.

Na China, está transferindo algumas operações de compras para Xangai a fim de encontrar mais fornecedores locais e recentemente emitiu seus primeiros títulos denominados em yuan.

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E, na semana passada, comprou uma participação no negócio global de tissue da Kimberly-Clark em um negócio de US$ 3,4 bilhões que aumentará a presença da Suzano na Europa.

“Somos relativamente agnósticos com relação a geografias”, disse o CEO da empresa, João Alberto Abreu, em entrevista à Bloomberg News na última quinta-feira. “Você olha e estuda aquele ambiente, mas não tem uma geografia que a gente entenda que não possa participar.”

Leia também: Suzano e Kimberly-Clark criam joint venture global de tissue em negócio de US$ 3,4 bi

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Embora Abreu reconheça que a onda de tarifas iniciada pelo presidente Donald Trump pode afetar o crescimento global, sua atitude exemplifica como empresários e formuladores de políticas na maior economia da América Latina encaram a guerra comercial.

Um gigante de commodities que exporta desde soja até suco de laranja, celulose e minério de ferro, o Brasil está em uma posição única para continuar acessando tanto os mercados dos Estados Unidos quanto da China. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou não ter intenção de escolher um lado.

Esse sentimento é compartilhado por David Feffer, presidente do conselho da Suzano (SUZB3) e neto de Leon Feffer, imigrante ucraniano que fundou a empresa em 1924.

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Embora David tenha sucedido seu pai Max como CEO em 2001, decidiu profissionalizar a gestão dois anos depois — uma atitude incomum na cultura corporativa brasileira, dominada por famílias.

A estratégia da Suzano não conquistou imediatamente os investidores, que estão concentrados na queda nos preços globais da celulose, ligada em parte à guerra comercial.

Os resultados do primeiro trimestre não atenderam às estimativas dos analistas, com embarques abaixo do esperado. Mas as ações subiram mais de 6% com a notícia do acordo com a Kimberly-Clark, reduzindo as perdas acumuladas no ano para cerca de 14%.

Suzano Lags Brazil’s Main Stock Index | Kimberly-Clark deal helps shares pare some of this year’s losses

Embora os preços nos Estados Unidos sejam afetados pelas tarifas, a Suzano não conseguiu elevar os preços globais tanto quanto o esperado neste ano. Os preços da celulose no principal mercado, a China, chegaram a cair recentemente, segundo analistas do BTG Pactual liderados por Leonardo Correa, em relatório do mês passado.

Essa queda fez com que as ações da companhia tivessem um desempenho aquém do apresentado pelo Ibovespa.

Ainda assim, o potencial de criação de valor da empresa é maior do que o refletido atualmente na cotação das ações, segundo o analista da XP Lucas Laghi. “No mundo das commodities, esta ainda é a ação que mais gostamos.”

A Suzano registrou números impressionantes recentemente. O Ebitda, lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização, superou R$ 23,8 bilhões em 2024, um aumento de mais de 30% em relação ao ano anterior.

Os analistas projetam um crescimento de 4% este ano, mesmo com a queda do preço da celulose, e um aumento de 16% em 2026.

Dezesseis dos 18 analistas acompanhados pela Bloomberg recomendam a compra das ações, e seu preço-alvo de consenso prevê um retorno de 42% nos próximos 12 meses, o décimo primeiro colocado entre as empresas listadas no Brasil.

“Não vemos nenhuma mudança na estratégia da Suzano”, disse a analista da S&P Global Ratings Luisa Vilhena. “E nem acho que deveria haver, dada a dimensão da empresa e sua capacidade de gerar caixa mesmo com os preços da celulose em baixa.”

Descentralizar, internacionalizar e verticalizar

Os executivos atribuem o fracasso da negociação com a International Paper à recusa em pagar demais pela empresa americana. A partir dessa experiência, a Suzano passou a focar na defesa de seu mercado principal contra concorrentes, ao mesmo tempo em que avalia oportunidades menores.

Para Feffer, isso virou um mantra de três palavras: descentralizar, internacionalizar e verticalizar.

Isso se aplica tanto à China quanto aos Estados Unidos. A Suzano há muito mantém fortes laços comerciais com o gigante asiático e está focada em manter um bom relacionamento com clientes chineses para defender seu território enquanto concorrentes como a chilena Celulosa Arauco y Constitución planejam novas fábricas.

“Tem gente vindo montar fábricas no Brasil”, disse Abreu. O objetivo da Suzano é continuar “com 30% de participação de mercado e sendo líder em custo de produção de celulose”.

Já os compradores americanos representam cerca de 20% do volume de celulose da Suzano.

A perda da International Paper levou a empresa a buscar outras operações nos Estados Unidos. Ela avaliou uma negociação com a Clearwater Paper e considerou adquirir ativos da Rand-Whitney, uma empresa de papel e embalagens controlada pela Kraft.

No fim, comprou uma fábrica no Arkansas e uma unidade na Carolina do Norte da Pactiv Evergreen em julho do ano passado.

Diversificar é fundamental para as empresas de papel e celulose, já que as tendências demográficas e econômicas pesam sobre a demanda na China, de acordo com o analista do Rabobank Andres Padilla.

“É preciso manter essa boa abertura com todos para não depender de apenas um bloco”, disse ele. Empresas brasileiras como a Suzano “têm a oportunidade de manter os canais abertos e fortalecer os laços comerciais que já existem”.

A empresa também espera mudar a cadeia de suprimentos ao convencer produtores de papel na América do Norte e da Europa a comprarem mais da celulose de fibra curta, mais barata, que produz no Brasil.

Mas isso não é tarefa fácil, pois muitos produtores do segmento de papel-cartão têm produção própria de celulose e não dependem de fornecedores externos.

A vantagem da Suzano reside no fato de possuir algumas das fábricas de menor custo do mundo, o que mantém suas operações lucrativas mesmo em períodos de baixa nos preços.

A fibra de madeira longa, produzida principalmente no Hemisfério Norte, tem custos de produção mais altos e está se tornando mais cara em relação à de fibra curta.

Isso já levou alguns produtores de papel nos Estados Unidos a mudar de produto, principalmente no segmento de papel tissue, segundo Patrick Cavanagh, economista da agência de preços de commodities Fastmarkets.

E a Suzano avaliou essa mudança entre fibras em suas últimas aquisições. “A oportunidade de substituir a fibra é uma sinergia que só nós temos ao avaliar certos ativos”, disse Abreu.

Negócio com a Kimberly-Clark

Com sua joint venture com a Kimberly-Clark, por exemplo, a Suzano vê espaço para acelerar a mudança para fibra curta na Europa. Embora as fábricas precisem de investimento tecnológico para que isso aconteça, esse processo poderá ser acelerado depois que a Suzano assumir o controle dos ativos.

No centro da estratégia da Suzano estão suas fazendas de eucalipto. As plantações comerciais são colhidas a cada sete anos e depois replantadas. Cerca de 1,2 milhão de mudas são plantadas por dia.

Em comparação, alguns dos produtores de celulose de alto custo do Hemisfério Norte têm menos controle sobre a madeira que utilizam, dependendo da compra de lascas de madeira ou resíduos de serrarias.

“O que realmente torna a produção de celulose vantajosa no Brasil é a tecnologia florestal”, disse Marcello Collares, vice-presidente de desenvolvimento de negócios florestais para a América Latina na agência de inteligência de mercado ResourceWise.

Mas a guerra comercial pode abrir outras portas para a Suzano. Caso as tensões com Trump persistam, os produtores de celulose dos Estados Unidos podem evitar o mercado chinês por medo de retaliações tarifárias de Pequim — o que deixaria mais espaço para a Suzano.

E, se tarifas continuarem impedindo que o papel para embalagens chinês concorra com produtos americanos, a nova fábrica da empresa no país será um tiro certeiro.

A aquisição dos ativos da Kimberly-Clark interromperá temporariamente sua busca por aquisições nos Estados Unidos. Embora a empresa estivesse observando atentamente a reorganização das empresas no país, de olho em acordos que lhe dariam maior acesso ao mercado dos Estados Unidos, Abreu disse que o foco nos próximos dois ou três anos será a racionalização de seus novos ativos.

Perguntado sobre o futuro de seus negócios na América do Norte, o CEO disse: “Temos uma operação que ainda não tem a escala que consideramos ideal, mas também não temos pressa”.

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