Selic alta derruba resultados de tesouraria dos bancos, com queda de R$ 12,4 bilhões

Instituições dizem que há um descompasso entre crédito e depósitos e que as carteiras de crédito passam a ter um custo de carregamento maior quando os juros sobem

Instituições dizem que há um descompasso entre crédito e depósitos, e que as carteiras de crédito passam a ter um custo de carregamento maior quando os juros sobem
Por Matheus Piovesana
24 de Novembro, 2025 | 02:33 PM

Bloomberg — Os juros historicamente altos no Brasil fizeram mais uma “vítima” — os resultados de tesouraria dos bancos.

Os quatro maiores bancos de varejo listados em bolsa do país tiveram uma queda de R$ 12,4 bilhões nos resultados desta linha nos primeiros nove meses deste ano, e executivos atribuíram a queda à taxa Selic, que é mantida em 15% ao ano, o maior patamar em quase duas décadas, desde junho.

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O problema, de acordo com as instituições, está no descompasso entre crédito e depósitos.

A maior parte do crédito de varejo no Brasil é pré-fixado, enquanto a maior parte dos depósitos paga juros que variam de acordo com a Selic.

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O resultado é que as carteiras de crédito passam a ter um custo de carregamento maior quando os juros sobem. O casamento entre carteiras de financiamento a automóveis e crédito imobiliário, por exemplo, fica mais difícil.

“Quando os juros sobem, aumenta o custo de captação dos bancos, e, em um segundo momento, quando eles rolam as carteiras de crédito, há uma reprecificação”, disse Alexandre Albuquerque, analista sênior da Moody’s, em entrevista.

“Quando há uma subida de juros acelerada, tem uma pressão negativa na rentabilidade dos bancos.”

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 Selic a 15% tem cobrado preço nos custos de captação dos bancos

Os resultados com mercado do Santander Brasil, que assim como na maior parte dos bancos brasileiros incluem gestão de ativos e passivos, foram negativos em R$ 1,98 bilhão nos três primeiros trimestres de 2025, revertendo um ganho de R$ 916 milhões no mesmo período do ano passado.

O CEO do banco, Mario Leão, disse que a queda teria sido maior, mas que a instituição conseguiu reduzir o impacto graças ao hedge que montou.

“Teríamos uma sensibilidade maior à alta da Selic se não tivéssemos feito esse movimento”, disse ele em uma conferência com analistas de mercado.

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A sensibilidade dos bancos brasileiros aos juros aumentou nos últimos cinco anos.

Um dos fatores negativos foi o aumento da quantidade de linhas de crédito submetidas a tetos de juros, como o cheque especial.

Outro foi o fim do chamado ‘overhedge’— uma proteção extra que os bancos realizavam em moeda estrangeira por razões tributárias para proteger o patrimônio — dos investimentos no exterior, um instrumento que gerava resultados mais altos quando os juros subiam.

O ‘overhedge’ acabou entre 2021 e 2022.

No ciclo de aperto monetário de 2022, alguns bancos, como o Santander e o Bradesco, tiveram fortes perdas na tesouraria por causa deste efeito. Desde então, os dois bancos buscaram fazer algum tipo de hedge em seus balanços.

O Santander iniciou o hedge em setembro de 2024, e espera que a mudança comece a produzir resultados relevantes a partir do começo do ano que vem. Mas não vê uma grande reversão no curto prazo, de acordo com executivos.

“Se a Selic for reduzida de uma forma mais acelerada do que o mercado espera em 2026, isso pode acelerar o processo, mas não contamos com essa aceleração de processo”, disse a analistas o vice-presidente financeiro do banco, Gustavo Alejo.

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Negócios no exterior

O problema também é mais caro para bancos com operações no exterior.

O Itaú Unibanco faz proteções em seu balanço contra a variação cambial, porque parte do seu capital está alocado em países como Chile e Colômbia.

Os custos gerados pelo diferencial de juros entre o Brasil e estes países mais que dobraram no último ano, de acordo com o banco.

Ainda assim, o Itaú dobrou o guidance para os resultados com mercado neste ano, e agora espera que sejam de até R$ 3,5 bilhões em 2025.

“A nossa margem com mercado é muito forte, muito estável”, disse o CEO do banco Milton Maluhy no começo de novembro.

O Banco do Brasil também contabiliza resultados vindos do exterior na linha de tesouraria.

O banco público detém o controle do argentino Patagonia, e contabiliza os resultados vindos dessa participação na margem com mercado.

Porém, os custos de captação criam uma parte importante do problema.

O Banco do Brasil tem ficado mais dependente de depósitos a prazo para se financiar conforme os brasileiros deixam a poupança, uma modalidade de aplicação com rendimento baixo que tradicionalmente respondia por boa parte da captação do banco. A competição mais acirrada e os juros em si explicam o porquê.

“O nível mais elevado da taxa de juros faz com que a poupança fique menos atrativa”, disse Albuquerque, da Moody’s. “É difícil dizer que a mudança na estrutura de captação aconteceu só por um redirecionamento estratégico dos bancos.”

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