GetNinjas: os próximos passos da disputa do fundador com a gestora Reag

Plataforma de contratação de serviços decide nesta segunda em assembleia se aprova devolução de R$ 220 milhões aos acionistas e aguarda realização de OPA da agora maior acionista

GetNinjas abriu capital em maio de 2021, durante aposta de bancos e gestoras no crescimento acelerado de startups, mas o aperto monetário frustrou o plano de negócios e derrubou preço das ações
22 de Outubro, 2023 | 06:18 PM

Bloomberg — Cerca de 4.800 investidores da GetNinjas (NINJ3) vivem o suspense sobre o futuro da maior plataforma de contratação de serviços do Brasil. A companhia abriu capital em maio de 2021, na onda dos 46 IPOs (ofertas iniciais de ações) realizados na B3 naquele ano, quando o mercado incensava as companhias de high growth, sobretudo de apps e plataformas do comércio eletrônico com o boom durante o início da pandemia.

Agora, a startup protagoniza uma disputa societária entre seu fundador há 12 anos e CEO, Eduardo L’Hotellier, e a gestora Reag, de João Carlos Mansur, que pode resultar ou não em um novo plano de negócios e estratégias, após uma série de prazos e rituais previstos na Lei das S.A.

Uma data-chave para começar a se desenhar os rumos da empresa é nesta segunda-feira (23), quando os acionistas devem votar, em uma assembleia, se aceitam ou não a proposta do CEO de redução de capital com a devolução de R$ 220 milhões dos R$ 270 milhões que estão em caixa.

Na prática, isso significa que o investidor receberá R$ 4,40 por cada ação na carteira. O papel fechou o pregão de sexta-feira (20) a R$ 4,41, abaixo dos R$ 20 durante o IPO, no pico do otimismo com as perspectivas do setor. Com a correção dos preços com o último ciclo de alta de juros para conter a inflação, as ações de high growth despencaram.

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A GetNinjas foi avaliada em R$ 1 bilhão quando começou a ser listada em maio de 2021. Na sexta-feira, a empresa tinha market cap de R$ 224 milhões. A devolução do caixa para os acionistas é defendida pelo CEO como uma forma de destravar valor da companhia, a fim de tirar do papel uma agenda de M&A sem o risco de enfrentar questionamentos de minoritários com divergências sobre os negócios fechados.

Com o derretimento das ações da startup, a Reag Investimentos viu uma oportunidade e se tornou a maior acionista da GetNinjas, ultrapassando a posição de 25%, atingindo o chamado poison pill, a obrigação de fixar um preço para comprar o restante das ações em uma OPA (oferta pública de aquisição).

O preço mínimo a ser apresentado é de R$ 4,52, segundo o CEO. A gestora paulistana quer destituir o conselho de administração (sete assentos), barrar a redução de capital e usar o caixa para aquisições, como previa o prospecto do IPO, que não avançou nesse ponto diante da disparada dos juros.

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A pedido da Reag, a empresa informou na última sexta-feira a convocação de mais uma assembleia geral de acionistas para 21 de novembro. Este encontro tem justamente com o objetivo de destituição do atual conselho de administração e a eleição de novos membros.

Prazos da devolução e da OPA

Para os investidores, o embate entre a atual administração e a maior acionista da GetNinjas ainda tem pontos obscuros, pois não há ainda o resultado da votação sobre a redução de capital. L’Hotellier tem comprado ações para reforçar sua posição acionária, que chegou a 24,99%, além de tentar aumentar o quorum da votação convocando a base de acionistas.

Já a Reag disse, em nota, que a OPA ocorrerá antes da devolução do capital e que os acionistas que venderem suas ações na oferta não vão ter direito a receber os R$ 4,40 por papel caso a devolução dos R$ 220 milhões seja aprovada na próxima segunda-feira.

Dois especialistas em direito empresarial, ouvidos pela reportagem e sem cliente na disputa, evitaram cravar que a OPA será realizada antes da redução de capital, pois há prazos e rituais legais para o avanço de cada fase da operação.

Bruno Furiati, especialista da Simões Ribeiro Advogados, analisou o cenário considerando que a redução de capital seja aprovada e efetivada no prazo de 60 dias a contar da data da assembleia, e que a OPA deva ser realizada em 60 dias a contar do último dia 11 de outubro, quando a gestora acionou o poison pill, informada pela companhia ao mercado.

”Ou seja, a OPA será realizada antes da redução, e como condição que ela ocorra, a Reag precisará atingir 50% no mínimo do capital social, o que em tese permitiria a ela, na qualidade de controladora, convocar uma nova assembleia e deliberar, antes da efetividade da redução, o cancelamento da redução de capital”, explicou Furiati.

”Essa questão de prazo tem relação com os pedidos recentes de convocação de assembleia e troca de conselho, o que me parece ser a estratégia da Reag”, avaliou o advogado.

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Ele ressaltou, no entanto, que caso não o faça ou não consiga realizar, a Reag tem obrigação de, por 90 dias após a liquidação da OPA, continuar adquirindo as ações daqueles que não venderam, e isso poderá ocorrer após a redução de capital.

O que vale no caso da devolução do caixa aos acionistas é chamada “data de corte”, ou seja, a data que identifica os acionistas com direito ao recebimento do valor correspondente à redução do capital social. Furiati lembra que essa data deve ser posterior ao término do prazo de 60 dias para oposição de credores (previsto no art. 174 da Lei das S.A.). “A GetNinjas não indicou a data exata na proposta, mas ocorrerá após a data do edital da OPA”, observa.

Tensão entre gestão e acionistas

A situação na GetNinjas ilustra uma disputa acirrada entre os principais acionistas sobre a direção estratégica da empresa, observou Fernando Canutto, especialista em direito empresarial e sócio do Godke Advogados, sem conexão com o caso.

“A discordância evidencia uma típica tensão entre gestão e acionistas sobre a melhor forma de alavancar os recursos da empresa para seu crescimento e valorização no mercado de capitais”, avaliou em conversa com a Bloomberg Línea.

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Ele lembrou que o processo de realização de uma OPA é mais demorado e complexo, com chamadas de assembleias e pedido de aval, do que a devolução de capital aos acionistas.

”A OPA é um processo longo: é preciso publicar fato relevante, contratar consultoria para chegar ao preço justo e, se na assembleia, mais de 10% dos acionistas discordarem, o processo tem de ser reiniciado. Já a redução de capital é mais simples. Em 90 dias após a aprovação da matéria na assembleia, sem pedido de impugnação nesse período, é feito o pagamento ao acionista”, explicou Canudo.

Além desses passos, a OPA só pode ser realizada após a aprovação pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), que pode indeferir o pedido.

”Não conheço consultoria que produza um relatório de preço justo que não seja entre 30 e 60 dias. Já a CVM costuma ser rápida na análise de pedido de OPA quando se trata de companhia listada, mas não há um prazo único para se manifestar˜, acrescentou Canutto.

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Lei das S.A.

Sobre os argumentos em jogo, o advogado do Godke cita o que prevê a Lei das Sociedades Anônimas (Lei 6404/76). O valor patrimonial da GetNinjas soma cerca de R$ 280 milhões, acima da cifra negociada na Bolsa (R$ 234 milhões), uma situação que tende, em tese, a inviabilizar movimentos de fusão e aquisição devido ao risco de questionamentos por minoritários.

“A Lei das S.A. faculta que o acionista que discorda da organização societária pode pedir o direito de retirada. Ou seja, se a GetNinjas quiser comprar ou se fundir com outra empresa, esse acionista pede que sua fatia seja paga de acordo com o PL [patrimônio líquido], fazendo a empresa ter prejuízo, pois ela vai desembolsar mais para pagar esse acionista, já que sua ação vale menos na Bolsa”, exemplificou Canudo.

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O excesso de caixa da GetNinjas despertou a atenção do mercado desde o ano passado. Em janeiro, o CEO disse, em entrevista à Bloomberg Línea, que o motivo de segurar os recursos era o contexto macroeconômico de aperto monetário no Brasil, inflação elevada e ritmo lento da atividade no setor de serviços. Assim ele justificava o excesso de caixa e a decisão de manter o dinheiro captado no IPO “rodando no CDI”(taxa de juros que acompanha a Selic, investimento conservador).

Já um dos interesses da Reag de antecipar a renovação do conselho de administração, eleito com mandato até 2025, se deve às suas últimas aquisições, segundo L’Hotellier. A gestora segue atualmente uma estratégia de expansão por meio de aquisições e diversificação de serviços nas áreas de crédito e gestão de patrimônio, construindo um ecossistema de soluções como grupo financeiro voltado para clientes familiares e empresariais.

Em julho, a Reag anunciou a compra de 100% das ações do Grupo Touareg, dono da primeira franqueadora de seguros sediada no Nordeste, formada por mais de 300 corretoras. Antes, em maio, havia adquirido a Bom Pra Crédito. Também controla a Rapier e da Quadrante Investimentos, na área de wealth management.

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Sobre a posição contrária da gestora à redução de capital da GetNinjas, o advogado da Godke analisa que manter o excesso de caixa na GetNinjas é importante para viabilizar um novo planos de negócios na plataforma. Ou seja, controlar a companhia com um caixa reduzido em R$ 220 milhões, após a devolução desses recursos aos acionistas, reduziria o poder de fogo na execução do plano de negócios.

“A Reag não quer receber dinheiro de volta. Por quê? Provavelmente, ela tem outro plano para a GetNinjas. Por isso ela quer manter o caixa alta e vem aumentando sua posição acionária, quer ter um maior poder de influência”, observa Canutto.

No dia 16, a Reag indicou Mansur para assumir a presidência do conselho da GetNinjas e Luis Camisasca, cofundador da BizHub, como vice-presidente do colegiado. Além disso, na carta que pede a convocação de assembleia, propõe reduzir o tamanho do conselho de sete para para cinco membros, citando benefícios da nova composição para a plataforma.

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Diante da expectativa da devolução dos recursos do caixa e possível prêmio previsto na OPA, as ações da plataforma já acumulam alta de 66% neste ano.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 25 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.