‘Doce e simples’: vinho mais vendido do país desafia preconceitos e fatura R$ 500 mi

Com mais de 40 milhões de garrafas vendidas por ano, o Pérgola, da Vinícola Campestre, é produzido com uvas de mesa na Serra Gaúcha e se tornou um fenômeno comercial; o diretor-presidente João Zanotto contou a estratégia à Bloomberg Línea

A vinícola Campestre, no Rio Grande do Sul
Por Daniel Buarque
29 de Junho, 2025 | 08:32 AM

Bloomberg Línea — O vinho mais vendido do Brasil não é nenhum preferido dos sommeliers, não aparece nas listas de melhores do ano e não é sequer feito com as uvas reconhecidas internacionalmente como “viníferas”, produzidas para fazer a bebida.

Mais surpreendente, ele é produzido no país e conquista o paladar por ser doce e simples - o que costuma ser rejeitado por enófilos.

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O líder do mercado nacional é o Pérgola, vinho de mesa produzido pela Vinícola Campestre que ultrapassa 40 milhões de garrafas vendidas por ano e que se consolidou como o mais comercializado do país por uma década, de acordo com dados da Nielsen divulgados pela empresa.

A posição no mercado foi construída com “um trabalho de ‘formiguinha’, mas bastante consistente”, disse João Zanotto, diretor-presidente da Campestre, em entrevista à Bloomberg Línea.

Segundo suas palavras, a empresa brigou com o preconceito, apostou em técnicas de grandes vinícolas, levou o produto ao consumidor do jeito que o cliente gosta e se promoveu como um vinho de mesa “premium”.

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Com um faturamento em torno de R$ 500 milhões na categoria de vinho de mesa e uma fatia de 20% desse mercado – estimado em 220 milhões de litros por ano –, a liderança é resultado de uma estratégia que envolveu também investimentos no controle da cadeia produtiva e uma abordagem direta ao consumidor.

Apesar de a categoria de vinhos de mesa ser a mais popular do Brasil, ainda há uma percepção de que a bebida simples é um produto inferior, o que cria um desafio de comunicação e marketing, segundo o empresário.

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“Adotamos a prática de oferecer degustações nos supermercados para apresentar o produto. E então o boca-a-boca foi crescendo”, disse Zanotto.

A estratégia passou por ações de marketing direto voltadas para o consumidor final. Há mais de duas décadas, a empresa iniciou um projeto de fazê-los experimentar a bebida para ganhar mercado.

Equipes da Campestre viajam pelo país oferecendo cursos e treinamentos a vendedores de supermercados e distribuidores para apresentar o vinho ao consumidor e quebrar preconceitos com o vinho de mesa.

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Assim, o Pérgola conseguiu estabelecer uma relação de confiança com o consumidor, mesmo sem ser o vinho mais aclamado ou o mais barato da prateleira. “A pessoa sabe que vai ter uma coisa que não vai errar”, afirmou.

Críticas relacionadas ao perfil sensorial, como o gosto adocicado ou a comparação com suco de uva, são comuns. Zanotto responde de forma simples, ressaltando que é do sabor simples que os clientes gostam.

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Segundo ele, o vinho de mesa diferenciado tem um mercado “muito grande também na classe A”, pois há pessoas que gostam de um vinho mais doce, mesmo consumindo vinhos finos.

Para ele, esse trabalho da Campestre impulsionou a melhoria da qualidade geral dos vinhos de mesa no país.

“Nós ajudamos muito nisso. Porque os concorrentes enxergaram um vinho diferenciado, mais caro e que vende mais do que os outros”, disse.

Isso, segundo ele, impulsionou concorrentes a também deixar de lado a produção associada a vinhos de baixa qualidade e de garrafões.

O Pérgola é o vinho mais vendido no Brasil, segundo a Nielsen, com mais de 40 milhões de garrafas comercializadas por ano

Profissionalização

Fundada nos anos 1960 na Serra Gaúcha, a vinícola apostou na bebida simples antes mesmo de os vinhos de mesa ganharem espaço no Brasil.

“Nós estávamos em uma região onde tinha a melhor uva de mesa do Brasil. E há 30 anos pensamos que tínhamos que fazer o melhor vinho de mesa do país”, disse Zanotto.

Essa decisão estratégica levou a Campestre a se especializar nas variedades bordô e isabel, adaptando-se ao terroir local, que não favorece o cultivo de uvas como a Cabernet Sauvignon, de ciclo de amadurecimento mais longo e que exige um clima menos frio no período da colheita.

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A profissionalização da viticultura foi o primeiro passo para mudar a percepção do vinho de mesa, historicamente visto com desconfiança, contou Zanotto.

Essa busca por qualidade envolveu aplicar à produção de vinhos simples técnicas normalmente associadas a vinhos finos, como controle de temperatura na fermentação e cuidados na produção da bebida.

Em paralelo ao vinho de mesa, a empresa desenvolve há cerca de uma década uma linha de vinhos finos, com a marca Zanotto.

Os vinhedos próprios estão em Vacaria, a 1.000 metros de altitude, região considerada ideal para uvas como sangiovese, pinot noir e sauvignon blanc.

Diferentemente do Pérgola, o projeto dos vinhos finos é caro e demora mais para gerar retorno financeiro. “Nós tínhamos um projeto para trabalhar por dez anos com prejuízo, mas já passamos para 15 anos”, disse Zanotto.

Além do sucesso no mercado interno, a Campestre também aposta em mercados externos como forma de expansão. Em 2023, exportou 500 mil garrafas do Pérgola para os Estados Unidos - e pretende dobrar esse volume. A empresa também envia lotes para mercados como Guiana, Paraguai e nações africanas.

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Daniel Buarque

Daniel Buarque

É doutor em relações internacionais pelo King’s College London. Tem mais de 20 anos de experiência em veículos como Folha de S.Paulo e G1 e é autor de oito livros, incluindo 'Brazil’s international status and recognition as an emerging power', 'Brazil, um país do presente', 'O Brazil é um país sério?' e 'O Brasil voltou?'