Como o Brasil se tornou aposta de startups russas para o mercado de patinetes

Patinetes elétricas voltam a ganhar espaço em ruas de capitais como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis e Porto Alegre, mas enfrentam desafio de provar viabilidade econômica depois de primeira onda em que players deixaram o mercado

Whoosh, empresa de patinete elétrico, em Ipanema, no Rio de Janeiro
07 de Julho, 2025 | 04:15 PM

Bloomberg Línea — Não faz muito tempo, patinetes elétricos se tornaram um dos sinônimos da Faria Lima, assim como coletes (da XP) e negronis.

Eram tempos de juros de um dígito e de acelerada expansão do mercado de investimentos e, portanto, do centro financeiro do país.

PUBLICIDADE

Desde então, os juros subiram para dois dígitos, o mercado perdeu tração, assim como os coletes e os negronis, substituídos por novos drinks. Os patinetes... esses sumiram das ruas em São Paulo e em outras cidades.

Mas duas startups russas acreditam que podem reviver esse mercado, desta vez para valer: uma delas é a Whoosh, cujas patinetes de cor amarela passaram a se tornar mais visíveis em ruas de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro nos últimos meses.

Leia mais: Inter aposta em mobilidade urbana com bikes para reforçar marca em Miami

PUBLICIDADE

“Temos mais de 20 cidades que demandam nossos serviços. A demanda por soluções de transporte sustentável é crescente”, disse Francisco Forbes, sócio-investidor da Whoosh, em entrevista à Bloomberg Línea.

Em fase de rápida expansão, a Whoosh passou recentemente de 88 para 150 pontos de estacionamento, concentrados principalmente na zona oeste da capital paulista, nos bairros de Pinheiros, Vila Madalena, Jardins e Vila Olímpia.

A Whoosh não está sozinha no mercado brasileiro. Um dos concorrentes é a também russa Jet Patinetes, fundada em 2018 e que está presente na cidade de São Paulo com equipamentos identificados pela cor azul.

PUBLICIDADE

O otimismo dos investidores contrasta com obstáculos enfrentados por esse meio de transporte para se popularizar, como infraestrutura inadequada - leia-se ruas desniveladas e esburacadas -, medo de acidentes de uma parcela do público e necessidade de aprovações regulatórias para operação.

Esses fatores pesaram para o insucesso da chamada primeira onda dos patinetes em cidades como São Paulo, onde a oferta do serviço começou em 2019 com a regulamentação do serviço de compartilhamento e marcas como Yellow e Grin - ambas depois se uniram e deram origem à Grow.

A Whoosh, que começou a operar em São Paulo em dezembro passado, teve o início de suas operações no Brasil há dois anos em Florianópolis e depois expandiu para Porto Alegre e Rio de Janeiro. Hoje a empresa opera com uma frota de 6.000 patinetes em quatro cidades, sendo 1.750 em São Paulo.

PUBLICIDADE
Francisco Forbes como "sócio-investidor" da Whoosh

A empresa diz que investiu mais de R$ 70 milhões no Brasil e tem como foco continuar a expansão para outras grandes cidades do país. Segundo ele, a empresa não conta com subsídios ou parcerias e que depende exclusivamente da demanda real por transporte para equilibrar a operação financeiramente.

No plano de negócios está uma comunicação que busca ressaltar patinetes elétricos como uma alternativa de transporte ecológica e prática e que contribui para a redução de emissões de CO² e para a fluidez do tráfego.

Dependência das prefeituras

Forbes tem carreira marcada por experiências em tecnologia e empreendedorismo. Começou como programador e fundou sua primeira empresa aos 16 anos, com foco em desenvolvimento de sites. Depois, abriu outra empresa de analytics para lojas físicas, vendida após três anos.

Após se mudar para os Estados Unidos, Forbes trabalhou na Hyperloop, uma empresa de transporte de alta velocidade ligada à SpaceX, de Elon Musk, em que atuou como diretor de captação de investimentos.

Leia mais: Os motivos por trás da parceria da Uber com a Tembici na América Latina

O primeiro desafio à popularização dos patinetes em sua visão é a dependência das agendas das prefeituras.

Ele disse que a empresa frequentemente depende das prioridades municipais, o que pode atrasar a implementação de novos serviços.

Essa dependência pode ser um entrave significativo especialmente em cidades como São Paulo, onde a mobilidade é um tema crítico.

“Em São Paulo, entre 15% e 20% da jornada do paulistano é perdida no trânsito”, afirmou, destacando o impacto negativo que isso tem não apenas no meio ambiente mas também na economia.

Usuário de patinete elétrica na avenida Faria Lima em São Paulo

Ambição para São Paulo: 10 mil patinetes

O executivo disse que a empresa planeja expandir ainda mais, com potencial para ultrapassar a marca de 10.000 patinetes na cidade.

Isso significaria dez vezes a frota inicial (1.000) no início da operação na capital paulista em dezembro.

O ritmo de expansão depende da aprovação de mais áreas pela prefeitura, o que pode ser um processo demorado e burocrático, segundo ele.

Hoje, a Whoosh só possui pontos de estacionamento em regiões nobres como as avenidas Paulista e Faria Lima. Para levar seus patinetes para bairros da região central da capital, precisa de autorização municipal.

O tempo a mais para executar o plano de expansão fez com que a diretoria da Whoosh abrisse uma discussão sobre a continuidade do serviço na capital paulista, enquanto aguarda o avanço do processo de liberação de pontos de estacionamento.

A decisão foi a de permanecer na cidade. O investidor se disse otimista em relação ao futuro da chamada “micromobilidade” no Brasil, a despeito das dificuldades.

Ele disse considerar que, com o tempo, as cidades se adaptarão melhor a esse novo modal de transporte, especialmente com a esperada conscientização sobre a importância da mobilidade sustentável.

Tarifa dinâmica

A Whoosh adota um modelo de tarifa dinâmica, cujo preço cobrado do usuário varia conforme a demanda em dado momento e a sazonalidade.

“Cidades turísticas, por exemplo, apresentam preços mais altos durante a alta temporada”, explicou. Essa estratégia visa maximizar a receita e manter a operação sustentável.

Em São Paulo, a Whoosh oferece duas opções de assinatura (R$ 15 por mês ou R$ 50 por ano) para o desbloqueio dos patinetes, sem incluir o que o usuário vai pagar pelos minutos utilizados.

São quatro pacotes de minutos: R$ 15,90 por 30 minutos, R$ 26,90 por 60 minutos, ambos para serem usados no prazo de 24 horas; R$ 43,90 por 100 minutos (uso em sete dias) e R$ 97,50 por 250 minutos (uso em 30 dias).

Nessa última opção, cada minuto sai por R$ 0,39, menor valor por minuto na comparação com as outras alternativas: R$ 0,44 (pacote de 100 minutos), R$ 0,45 (pacote de 60 minutos) e R$ 0,53 (pacote de 30 minutos).

Ele afirmou que a Whoosh utiliza tecnologia para monitorar seus veículos e que a equipe de manutenção conta com mais de 850 pessoas.

Essa estrutura é considerada fundamental para reduzir a taxa de acidentes, segundo o investidor.

A questão da segurança é outro tema recorrente nas discussões sobre micromobilidade. Casos de vandalismo e furtos dos patinetes elétricos, que em 2019 chegavam a ser oferecidos em anúncios em plataformas de e-commerce, também desafiam as operadoras desse mercado.

Forbes disse que, apesar dos desafios enfrentados, a Whoosh já completou mais de 3,5 milhões de viagens no Brasil, com um índice de roubo considerado controlado, mas cujos dados não foram revelados.

“Todos os patinetes estão monitorados por 24 horas”, afirmou o empreendedor, ressaltando a importância da tecnologia na mitigação de riscos.

Patinete da Jet na Faria Lima em São Paulo

Parcerias potenciais

Para crescer o mercado, o investidor da Whoosh disse acreditar em parcerias potenciais.

“Nosso serviço de patinetes poderia ser integrado aos aplicativos de carro, como a 99 e a Uber. Poderíamos negociar essa parceria”, afirmou.

Em São Paulo, a Whoosh já possui parceria com empresas como a Pluxee (antes conhecida como Sodexo Benefícios), de benefícios corporativos, cujo cartão pode ser usado para pagar corridas de patinete.

O empreendedor citou a necessidade de construir uma cultura em torno da micromobilidade, para que os patinetes sejam vistos como uma opção viável de transporte, em vez de um mero entretenimento.

“Estamos aqui para oferecer um serviço que atenda a população e seja integrado ao transporte público. Queremos ser um exemplo de como as startups podem interagir com o governo e contribuir para a mobilidade urbana”, disse.

Leia também

Carros elétricos crescem na América Latina e já atingem 15% das vendas na Costa Rica

Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.