Croissant em risco: escassez eleva o preço da manteiga e pressiona cozinhas no mundo

Preços do ingrediente disparam com maiores custos, demanda crescente e impacto da doença do gado na produção de leite; troca de fornecedores se torna mais frequente

Preços em nível recorde impacta a produção de doces e massas folhadas nas padarias de Paris
Por Celia Bergin - Ben Westcott
05 de Julho, 2025 | 12:55 PM

Bloomberg — Nas lojas da padaria Mamiche, nos 9º e 10º arrondissements de Paris, seus famosos pains au chocolat e croissants dependem de um ingrediente essencial, mas cada vez mais escasso: a manteiga.

O fornecedor regular da padaria não pode mais fornecer um fluxo constante de beurre de tourage francesa, um tipo de manteiga usada para fazer massa folhada e doces. A Mamiche foi procurar outro fornecedor para garantir o fluxo constante de doces que saem de seus fornos, mas isso tem um custo.

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Os preços da manteiga na maior parte do mundo estão se mantendo perto de recordes, com pouco sinal de alívio para esse aumento. Isso é o resultado de uma complexa combinação de fatores - desafios enfrentados pelos produtores de leite da França à Nova Zelândia, mudanças no apetite dos consumidores asiáticos que estão estimulando a demanda global e decisões comerciais dos processadores de leite que defendem seus resultados financeiros.

O resultado final é uma maior pressão de custo sobre os alimentos favoritos dos consumidores.

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“Quando temos que mudar de fornecedor, podemos realmente ver a diferença”, disse Robin Orsoni, operador comercial da Mamiche. Outros fornecedores estão cobrando preços 25% a 30% mais altos, mas a Mamiche tem que absorver o custo porque “queremos deixar nossos clientes felizes, precisamos da manteiga”.

Tortas de ovo feito com massa azeda (fermento sourdough, natural) que são vendidos na Bakehouse em Hong Kong

Cerca de 70% da manteiga exportada para o mundo todo vem de dois lugares: Europa e Nova Zelândia. Cada um deles começou 2025 com estoques historicamente baixos, e essa escassez de oferta fez com que os preços atingissem um recorde, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação.

A origem dessa pressão remete a 2022, quando o preço do leite na Europa atingiu o pico com a inflação e os custos de combustível que afetaram duramente os agricultores, levando os processadores de laticínios a procurar a melhor maneira de maximizar os lucros.

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A manteiga é feita removendo o creme do leite cru e batendo-o. Depois do processo, sobram a manteiga e o soro de manteiga, ou leitelho, que tem alguns usos industriais limitados, segundo Monika Tothova, economista da FAO. O soro de manteiga é usado em alguns tipos de cozimento, na produção de outros lácteos e como alimento para o gado.

Preços da manteiga na Europa continuam próximos do recorde

Por outro lado, “se a gente produz queijo, é preciso processar todo o volume de leite”, disse Tothova. Até mesmo o subproduto da fabricação de queijo, chamado de soro de leite (whey), é muito procurado por fabricantes de alimentos para dar sabor e nutrição, ou por entusiastas de academia para aumentar a proteína em suas dietas.

Os processadores de laticínios da União Europeia estão produzindo cada vez mais queijo. Como resultado, a produção de manteiga do bloco tem diminuído constantemente e deve atingir o nível mais baixo em oito anos nesta temporada, de acordo com estimativas do Departamento de Agricultura dos EUA.

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Redução do rebanho

A produção de leite em si também está se tornando mais desafiadora. Na Europa, o tamanho dos rebanhos dos fazendeiros está diminuindo devido a pressões financeiras, e eles agora enfrentam riscos adicionais para suas vacas devido ao vírus da língua azul, disse Jose Saiz, analista do mercado de laticínios da agência de relatórios de preços Expana. A doença causadora de caroços na pele do animal pode reduzir a produção de leite das vacas infectadas, também está chegando à Itália e à França.

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Enquanto a manteiga perdeu a preferência dos processadores de laticínios, os consumidores estão começando a apreciar mais ela, especialmente na Ásia.

O consumo global de manteiga deve crescer 2,7% em 2025, ultrapassando a produção, de acordo com o USDA. Na China, a demanda já cresceu 6% em apenas um ano. O uso em Taiwan entre 2024 e 2025 aumentou 4%, enquanto na Índia, o maior consumidor do mundo, o aumento foi de 3%.

Produção de leite na União Europeia sofreu queda em 2024

A cadeia de padarias francesas de Hong Kong, Bakehouse, tem aproveitado a mudança de gosto dos consumidores asiáticos. Seu consumo anual de manteiga é atualmente de cerca de 180 toneladas, um aumento de 96 toneladas em relação ao ano anterior, após a abertura de duas novas lojas, além de outras 180 toneladas de creme, de acordo com o cofundador Gregoire Michaud. A empresa só compra de fornecedores bem estabelecidos - a Nova Zelândia tem uma reputação de primeira linha, mas a China ainda não é boa o suficiente, disse ele.

Na Nova Zelândia, que é um grande exportador de laticínios e produz cerca de 2,5% da oferta global de leite, a produção de manteiga ainda não retornou aos níveis pré-pandêmicos, flutuando em torno de 500.000 toneladas por ano desde 2020.

Tal como acontece em Paris, a falta de manteiga e os preços altos fizeram com que a Hong Kong’s Bakehouse mudasse de fornecedor três vezes em pouco tempo - da Austrália para a Nova Zelândia e depois para a Bélgica. E agora eles podem estar procurando por um novo fornecedor.

Consumo crescente

Os consumidores ocidentais também estão consumindo mais manteiga, que durante anos foi rejeitada por não ser saudável, à medida que procuram cortar os alimentos ultraprocessados de suas dietas.

As compras de manteiga em barra no Reino Unido cresceram, disse Susie Stannard, analista líder de laticínios do Conselho de Desenvolvimento de Agricultura e Horticultura do Reino Unido. “Os consumidores que podem pagar continuarão comprando manteiga”, disse ela, mas não estão imunes às pressões sobre os preços.

No restaurante Morchella, recém-aberto no bairro de Clerkenwell em Londres, o pão com manteiga marrom (queimada) que fazia sucesso no restaurante irmão Perilla, em Newington Green, deu lugar ao azeite.

Antes dos aumentos de preço recentes, “a gente usava muita manteiga na panela para preparar peixe e carne”, disse Ben Marks, chefe de cozinha do Perilla. “Agora a gente precisa ser mais econômico e criativo”.

Funcionários de escritórios se refrescam em uma barraca de sorvete durante a hora do almoço em meio à onda de calor em Londres em 1º de julho

Não se espera que o alívio para os consumidores chegue tão cedo. Os preços da manteiga também são afetados pelos conflitos globais, pelas interrupções na cadeia de suprimentos e pelas guerras tarifárias que têm agitado todas as outras commodities.

Em meio a esse “mercado muito aquecido”, a Bakehouse de Hong Kong agora está priorizando a manteiga de fornecedores mais próximos para evitar a perda de fornecimento, disse Michaud.

Orsoni disse que a Mamiche absorverá o custo mais alto da manteiga para manter os alimentos básicos franceses acessíveis para seus clientes, mas Marks, da Perilla, disse que é “inevitável” que os clientes enfrentem preços mais altos.

A onda de calor que atingiu a Europa recentemente pode agravar a situação. As altas temperaturas podem diminuir a produção de leite das vacas e aumentar a demanda por outros produtos que usam o mesmo creme rico em gordura que é usado para fazer manteiga.

Os fãs de tênis que gostam de morangos com creme enquanto assistem às partidas de tênis de Wimbledon, ou os trabalhadores que se refrescam com sorvete nas praças, “vão continuar pressionando os preços da manteiga para cima”, disse Stannard.

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