Como a Raízen, potência do açúcar e do etanol, se tornou uma empresa com ação a R$ 1

Quatro anos após abrir o capital com a maior venda de ações da América Latina, a joint venture entre a Cosan e a Shell negocia uma injeção de capital depois que sua dívida aumentou 56% no ano passado e a ação teve queda perto de 70%

Photographer: Victor Moriyama/Bloomberg
Por Dayanne Sousa
15 de Agosto, 2025 | 02:40 PM

Bloomberg — Era apenas mais uma manhã de terça-feira no coração da região canavieira do Brasil quando trabalhadores de Sertãozinho, uma pequena cidade a quatro horas de São Paulo, ouviram a notícia.

Quase todos que trabalhavam na usina Santa Elisa, da Raízen, iriam perder o emprego. A unidade, que impulsionou a economia da cidade por quase 90 anos, estava paralisada por tempo indeterminado.

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“Eu me senti anestesiado, olhei nos olhos das pessoas e vi tristeza neles”, disse Natã Nóbrega, instrumentista que trabalhou na usina por duas décadas, em entrevista à Bloomberg News no mês passado. “Ninguém esperava por isso.”

O fechamento em julho da Santa Elisa, que já foi a maior usina do Brasil, o maior país produtor de açúcar do mundo, foi um sinal de alerta.

A Raízen, uma joint venture entre a Cosan (CSAN3) e a Shell, estava em apuros. Foi uma mudança drástica na sorte de uma empresa que abriu o capital há apenas quatro anos, como a maior venda de ações da América Latina em 2021.

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Na última quinta-feira (14), o diretor financeiro Rafael Bergman soltou uma “bomba”: a Raízen está “conversando ativamente” sobre uma injeção de capital depois que sua dívida aumentou 56% no ano passado e a empresa queimou uma “pilha de dinheiro” de R$ 7 bilhões nos três meses encerrados em 30 de junho.

As ações da empresa despencaram até 15% em São Paulo após a notícia, para atingir a mínima histórica de apenas R$ 1,02. Essa foi a maior queda desde que a empresa abriu o capital. A ação agora está a uma fração do recorde de R$ 7,60 atingido em seu primeiro dia de negociação.

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Em 12 meses, a desvalorização da ação (RAIZ4) se aproxima de 70%.

Possibilidade remota

A capitalização da Raízen era vista até então pela maioria dos analistas como uma possibilidade remota. Afinal, a Cosan é controlada pelo bilionário brasileiro Rubens Ometto, que historicamente gosta de manter um controle firme sobre seus negócios: atrair novo capital diluiria seu poder e influência.

Executivos da Cosan nesta sexta-feira (15) disseram que a companhia está aberta a investimento de fora.

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“Trazer um sócio estratégico é uma opção de que gostamos,” disse o CEO da Cosan, Marcelo Martins. Um novo investidor, disse ele, precisa ser “alguém que tem alinhamento com a nossa estratégia e a da Shell.”

Embora a redução da dívida possa “abrir caminho para que os investidores recuperem o interesse nas ações”, por enquanto a medida significa que os atuais acionistas verão sua fatia diluída, disseram analistas do UBS BB liderados por Matheus Enfeldt em um relatório na quinta-feira.

Ações da Raízen têm maior queda de sua história após divulgação do segundo trimestre

Quando a Raízen foi formada em 2011, a Shell e a Cosan traçaram um panorama otimista, estimando que a nova companhia poderia atingir US$ 12 bilhões em valor. De fato, o IPO a avaliou em US$ 14,3 bilhões.

Para cumprir seus ambiciosos planos de crescimento, os investimentos e os gastos da Raízen quase dobraram nos últimos quatro anos, em sua maioria contratados no momento de juros em patamares historicamente baixos.

Mas o aumento acentuado das taxas de juros - para o maior patamar em quase duas décadas - elevou sua dívida. No final de junho, a dívida líquida era de R$ 49 bilhões, ante R$ 31,6 bilhões no ano anterior.

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Em fevereiro de 2021, a Raízen adquiriu a Biosev, uma empresa brasileira de açúcar controlada até então pela Louis Dreyfus Holding. A empresa estava perdendo dinheiro e suas usinas nem sempre eram as mais eficientes.

As apostas da Raízen em biocombustíveis de segunda geração, açúcar rastreável e combustível de aviação sustentável (SAF, na sigla em inglês) tinham foco no longo prazo e não deram resultado a tempo.

A empresa, que agora vale “apenas” cerca de US$ 2 bilhões, está “puxando os freios” nos planos de produzir etanol a partir de resíduos de cana e suas esperanças de exportar etanol para os Estados Unidos para produzir combustível de aviação sustentável foram atingidas pelas tarifas de 50% de Donald Trump.

Embora anos de preços baixos do açúcar e do etanol também tenham prejudicado a indústria em geral, a endividada Raízen teve desempenho inferior ao de seus pares, incluindo São Martinho e Jalles Machado.

Ações da Raízen estão com desempenho pior do que o dos concorrentes São Martinho e Jalles Machado desde dezembro de 2024

Na tentativa de se manter saudável, a Raízen passou por uma reformulação de gestão no ano passado, nomeando Nelson Roseira Gomes Neto, ex-executivo da Cosan, como chefe máximo (CEO).

Também começou a vender ativos, tendo já se desfeito de sua usina de açúcar Leme, em Piracicaba, a duas horas de São Paulo, e de 55 unidades que geravam energia elétrica a partir de fontes renováveis.

Há mais por vir.

Os desinvestimentos de ativos até agora representaram o equivalente a apenas 7% da dívida líquida, disse o CEO Gomes Neto.

A empresa também está em negociações para vender usinas em Mato Grosso do Sul e refinaria de petróleo e postos de gasolina na Argentina, segundo informou a Bloomberg.

Leia mais: Raízen vende usina em SP por R$ 425 mi em novo esforço para reduzir a dívida

“A jornada de venda continuará”, disse Bergman na quinta-feira. “Reconhecemos que esta não é uma jornada de curto prazo.”

Na busca de um novo investidor, a Lazard assessora a Shell, e o Itaú, a Cosan, segundo o jornal Valor Econômico relatou na quinta-feira.

Espera-se que o novo sócio traga liquidez à empresa enquanto os planos de venda de ativos ainda não estão totalmente concluídos.

Vista da Usina Santa Elisa, que vai fechar as portas em razão da crise na Raízen

Em Sertãozinho, cerca de 1.200 pessoas acabariam perdendo o emprego na usina Santa Elisa, adquirida pela Raízen no acordo com a Biosev.

Não era isso que as pessoas da cidade esperavam que acontecesse.

“Pensei que um dia ela poderia voltar a ser o que era”, disse Maurílio Biagi Filho, um ex-executivo que administrou a Santa Elisa — uma usina adquirida por seu avô em 1936 — por anos antes da venda para a Dreyfus. “Mas os fatores econômicos se sobrepõem a qualquer outro cenário.”

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