Bloomberg Línea — Uma avelã envolta em chocolate e flocos dourados. Um mini ovo de chocolate ao leite com um brinquedo surpresa dentro. Essas são algumas das descrições que vem à mente dos produtos do italiano Ferrero Group, dono de marcas como Nutella, Ferrero Rocher, Kinder e Tic Tac, que, não por acaso, aposta na memória afetiva como estratégia para se conectar com consumidores de todas as idades.
Apesar de atuar em escala global na indústria de bens de consumo, com receitas de 18,4 bilhões de euros em 2024 (+8,9% na base anual de comparação), a Ferrero desenvolve seus produtos com um rigor quase artesanal.
“Fazemos as coisas no nosso tempo, com os nossos princípios”, afirma Matteo Mattei, vice-presidente global de Relações Institucionais da Ferrero, em entrevista à Bloomberg Línea em São Paulo, durante uma breve visita ao Brasil.
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Ele citou como exemplo o tratamento de embrulhar cada unidade do Ferrero Rocher em papel alumínio dourado, e estes, por sua vez, em plásticos e caixas transparentes de acrílico ou papel, como se fossem produtos de alto padrão, ainda que isso signifique despesas mais altas com embalagens.
Ao seu lado, Fernando Careli, diretor de Assuntos Corporativos da Ferrero para a América do Sul, disse que o grupo não abre mão de valores centrais como controle de qualidade, sustentabilidade e educação para o consumo consciente.
“Qualidade é um imperativo. E começa muito antes da produção”, disse Careli.
Enquanto o o cacau domina a pauta de custos na indústria do chocolate em todo o mundo, a companhia tem passado de maneira praticamente incólume pela crise da cadeia, já que o principal ingrediente de sua cadeia é a avelã.
O preço do cacau passa por momento de menor pressão, mas segue em patamares elevados sob uma perspectiva histórica: o contrato de referência para entrega em setembro de 2025 está em cerca de US$ 9.000 por tonelada, versus quase US$ 12.650 nos preços máximos do ano passado.
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No caso da Ferrero, a avelã é o ingrediente considerado central para a fabricação dos produtos best-sellers como Ferrero Rocher e Nutella.
Para garantir a matéria-prima o ano inteiro e em diferentes partes do mundo, a empresa investe em uma estratégia de integração vertical de sua cadeia e de diversificação da produção do fruto para diferentes países.
Essa estratégia, lembra o executivo Mattei, começou há mais de três décadas, quando a Ferrero decidiu plantar avelãs no hemisfério sul, especialmente no Chile, para complementar as safras europeias.
Hoje, a subsidiária chilena é referência no cultivo de avelã e um dos principais produtores globais, com cerca de 80 mil toneladas para a safra de 2025.

O Brasil, por ora, ainda está fora da equação agrícola para a produção de avelãs. Isso porque o cultivo demanda quatro estações bem definidas para prosperar, com frio intenso para o período de dormência das plantas.
“É uma árvore muito sensível ao ciclo climático. Mas, com a mudança do clima, novos territórios podem se tornar viáveis”, disse Mattei.
“Desenvolver um produto de qualidade é também garantir que ele seja viável no longo prazo, tanto para o planeta quanto para as comunidades locais”, afirmou.
Essa abordagem, segundo o executivo, pode ser uma metáfora da própria cultura da Ferrero: uma empresa global com espírito de cidade pequena.
Fundada em Alba, no norte da Itália, a Ferrero ainda preserva práticas artesanais em meio à busca por inovação e a sua escala.
“Temos uma empresa dentro da Ferrero só para desenvolver as máquinas que usamos. Nossa tecnologia é feita sob medida para proteger a qualidade do produto.”
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Essa “obsessão” da empresa pela alta qualidade de seus produtos, que inclui o segredo guardado em relação à receita de seus bombons, também se estende à cadeia de distribuição.
Por serem produtos sensíveis a temperatura, umidade e manuseio, muitos itens da Ferrero deixam de ser distribuídos nos meses mais quentes, como o verão brasileiro, para não comprometer a experiência do consumidor.
“Preferimos não vender do que vender algo abaixo do nosso padrão”, disse Mattei.
Nos pontos de venda, a empresa tem equipes que auditam prateleiras, monitoram temperatura e validam a disposição dos produtos. “Parece exagero, mas é esse nível de rigor que sustenta a confiança do consumidor”, afirmou Careli.
Foco na experiência do consumidor
“Lembro de minha mãe voltando do supermercado com essa pequena coisa e depois da minha alegria ao abrir esse brinquedo e depois de montá-lo com meus pais. Essa é a magia do Kinder Ovo”, contou Mattei.
O Kinder ovo passou a ser comercializado em 1974, segundo o site da Ferrero.
Todos os brinquedos são desenvolvidos pela própria empresa em Alba, na Itália, com design exclusivo e foco na segurança infantil.

“Cada peça é testada por robôs que simulam, por exemplo, traqueias de crianças de várias idades, para garantir que mesmo em caso de ingestão acidental a criança possa continuar respirando”, explicou Mattei.
Segundo o executivo, mesmo brinquedos licenciados, como personagens da Marvel ou de Harry Potter, passam por uma adaptação visual e técnica conduzida pela equipe interna da Ferrero.
“Queremos que o Kinder Ovo seja um momento completo, não só um doce. A lembrança da brincadeira vale tanto quanto o sabor do chocolate.”
Essa filosofia de gerar experiências se reflete também nos projetos sociais que a empresa apoia. Um exemplo é o programa Joy of Moving, voltado à promoção de atividades físicas para crianças sem o estresse da competição.
O programa está presente em 34 países e chegou recentemente a Poços de Caldas, em Minas Gerais, onde está a principal fábrica da Ferrero na América do Sul.
O projeto, desenvolvido em parceria com governos locais, foi ampliado para incluir crianças com deficiência.
“Acreditamos que o movimento deve ser acessível, inclusivo e divertido. E o Brasil é central nessa agenda para nós”, afirmou Careli.
Novos produtos
Além dos produtos já cativos aos consumidores, a empresa tem apostado em novas categorias, como é o caso dos tabletes de chocolates.
Além disso, o grupo tem expandido sua atuação por meio de aquisições e hoje figura entre os líderes em segmentos como biscoitos e confeitaria refrigerada.
Produtos como Nutella Biscuits e Kinder Délice têm ganhado espaço em duty frees, com crescimento puxado por turistas e novos hábitos de consumo, contaram os executivos.
A estratégia da Ferrero de apostar em produtos com apelo emocional, assim como em lançamento, impulsiona o crescimento da empresa em diversas partes do mundo.
Na América Latina, o Brasil responde por cerca de 70% dos negócios e aperece hoje como um dos dez principais mercados da companhia no mundo.
Nos últimos quatro anos, a Ferrero dobrou o negócio no Brasil e a meta é seguir nessa toada de crescimento.
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