Turbulência no mercado de dívida afeta planos de captação de empresas brasileiras

Casos de empresas como Braskem e Raízen e, em quadro mais extremo, Ambipar, elevaram custos de empréstimos e assustaram investidores, o que levou emissores a descartar ou reduzir seus planos, disseram fontes à Bloomberg News

Ambipar
Por Giovanna Bellotti Azevedo - Rachel Gamarski - Cristiane Lucchesi
31 de Outubro, 2025 | 02:05 PM

Bloomberg — As turbulências de crédito no Brasil têm elevado os custos dos empréstimos e assustado investidores, o que força empresas da maior economia da América Latina a descartar ou reduzir seus planos de recorrer ao mercado de dívida.

A emissão de títulos em moeda forte pelas empresas caiu em mais da metade em outubro, em comparação com o mesmo período do ano passado, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

PUBLICIDADE

Entre as empresas que tiveram seus planos de empréstimo alterados está a CSN, que arquivou um acordo para refinanciar seus títulos em dólares de 2028 em setembro.

Um título de estreia da Vamos saiu mais caro do que o estimado no mês passado, e os investidores exigiram um rendimento mais alto, mesmo com a redução do tamanho da oferta quase pela metade.

Leia mais: Crises de dívida corporativa são casos pontuais, avaliam BlackRock, Itaú e Patria

PUBLICIDADE

Todas as informações foram fornecidas por pessoas familiarizadas com o assunto ouvidas pela Bloomberg News. Elas pediram para não serem identificadas para discutir informações privadas.

No mercado local, a empresa de saneamento Aegea e uma subsidiária da Casa Dos Ventos reduziram as emissões de debêntures, de acordo com os registros.

A cautela dos investidores é alimentada por uma série de desvalorizações de crédito, desde as quedas nos títulos da Braskem e da Ambipar até a queda na dívida da Raízen.

PUBLICIDADE

Embora em grande parte vistas como incidentes isolados e não como sinais de um problema sistêmico, as vendas “azedaram” o sentimento de participantes do mercado em relação à dívida de emissores iniciantes, pequenas empresas e empresas alavancadas após um ano forte para esse mercado.

De meados de setembro até o início de outubro, os custos de empréstimos para empresas brasileiras subiram quase um ponto percentual em relação aos títulos do Tesouro dos EUA, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

“As pessoas estão ansiosas para encerrar o ano em alta, mantendo-se próximas ao índice”, disse Belinda Hill, gestor de portfólio da Gramercy Funds Management. “A venda do Brasil foi muito idiossincrática, mas os investidores não querem se deixar levar por essas histórias.”

PUBLICIDADE

Leia mais: No mercado de empresas brasileiras em crise, este banco global ganha protagonismo

Preocupação global

Os eventos no Brasil se somam a uma lista crescente de preocupações com o crédito, tanto nos mercados emergentes quanto nos desenvolvidos.

Nos EUA, a empresa de financiamento de compra de automóveis Tricolor e o fornecedor de autopeças First Brands entraram com pedido de falência em setembro, abalando os investidores.

O setor bancário dos EUA sofreu um forte - embora breve - abalo em outubro, depois que dois bancos regionais disseram que foram vítimas de fraude em empréstimos a fundos que investem em hipotecas comerciais em dificuldades.

Ainda assim, o apetite tem sido grande até mesmo por emissores com classificação de risco mais baixa fora do Brasil.

Nesta semana, uma série de empresas argentinas deu início a planos de venda de títulos, depois da vitória do partido do presidente Javier Milei nas eleições legislativas do último domingo.

No Equador, a Quiport, operadora e desenvolvedora do único aeroporto que atende a capital do país, concedeu um mandato para bancos antes de uma possível venda de dívida.

Leia mais: Bradesco diz que empresas inadimplentes são casos pontuais e que agro é oportunidade

Aperto da Selic no Brasil

O governo brasileiro afirmou que monitora a recente série de eventos de crédito corporativo, mas não vê nenhum risco sistêmico.

Embora os investidores concordem de modo geral, muitos dizem que uma fonte de pressão é a Selic, taxa de juros de referência do país, que se encontra em uma alta de duas décadas, no patamar de 15,00% ao ano.

“Tenho a impressão de que o mercado está efetivamente fechado para alguns emissores brasileiros neste momento”, disse Bevan Rosenbloom, analista de crédito sênior da Seaport Global Holdings.

De acordo com Rosenbloom, em reuniões recentes entre empresas e investidores, executivos apontaram uma perspectiva desafiadora de altas taxas de juros e aumento dos encargos da dívida.

“O aumento da Selic nos últimos doze meses afetou significativamente o fluxo de caixa de várias empresas com as quais nos reunimos”, disse ele.

Empresas alavancadas, como a Raízen - joint venture entre a Shell e a Cosan -, tiveram uma queda acentuada em seus títulos, o que resultou em uma perda de 12% para os investidores no último mês, enquanto um indicador da Bloomberg para empresas de economias emergentes ganhou 0,5%.

A alavancagem da Raízen ficou em 4,5 vezes no último relatório trimestral divulgado. A empresa calcula a alavancagem como a dívida líquida sobre o Ebitda ajustado dos últimos 12 meses, de acordo com os registros.

Os títulos emitidos pela CSN também registraram perdas de 3,7% no mesmo período. Em 30 de junho, a alavancagem da empresa atingiu 3,2 vezes a dívida líquida em relação ao Ebitda nos últimos 12 meses, segundo os registros.

“Os investidores provavelmente permanecerão cautelosos até que as coisas se acalmem”, disse Cristian Fera, analista da KNG Securities. “Todas as empresas brasileiras estão sob escrutínio.”

Veja mais em bloomberg.com