Bloomberg Línea — A tese protecionista do presidente Donald Trump sobre o comércio global somada a riscos geopolíticos crescentes criou um cenário global que não se via em uma década: investidores buscam diversificação contra o dólar. A leitura é de André Esteves, presidente do conselho e sócio sênior do BTG Pactual.
“Não estamos nem perto de o dólar deixar de ser uma moeda de reserva global. Mas há espaço para alguma diversificação”, disse Esteves durante o Global Managers Conference nesta quinta-feira (26), evento promovido pelo BTG Pactual (BPAC11).
O dólar já recua 10,7% contra pares globais nas métricas do índice DXY, que avalia o desempenho da divisa americana contra outras moedas fortes. Frente ao real, o dólar recua 10,13% em 2025.
O movimento representa uma virada de cenário frente aos últimos anos em que os EUA atraíram volumes massivos de capital, impulsionados por previsibilidade institucional, liderança em inovação tecnológica e robustez do mercado de capitais profundo.
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O que se vê agora, segundo Esteves, é uma remodelação de portfólios globais após o mercado ter alcançado o pico de concentração de capital nos EUA no início do ano, quando havia expectativa de que Trump tivesse um mandato pró-mercado, combinado à forte valorização das big techs na esteira dos avanços com Inteligência Artificial.
Na prática, o que se viu nos primeiros meses de governo foi o contrário do esperado. “Existe uma concepção econômica errada [sobre o comércio global] e uma execução drástica dessa tese [pela gestão Trump]. Isso criou volatilidade e insegurança, com uma consequência muito importante para os preços”, afirmou.
Bancos centrais, fundos soberanos e fundos de pensão estão diversificando o portfólio de dólar e ativos americanos, segundo Esteves. “Se esses atores tinham 65% de exposição de seus ativos em dólar, agora podem ter 55%. E existe mercado para fazer esse movimento.”
O efeito, no entanto, não atingiu a bolsa americana – ao menos por enquanto. O S&P 500 fechou aos 6.141 pontos nesta quinta-feira, a poucos pontos do recorde de 6.144 pontos atingido em 19 de fevereiro.
“As companhias continuam sendo espetaculares nos Estados Unidos: a inovação tecnológica está lá. Claro, os valuations estão caros, mas empresas espetaculares nem sempre são baratas. Elas estão sempre com um certo prêmio, mas também sempre crescendo.”
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Impacto sobre o Brasil
Com boas empresas, liquidez e valuations atrativos, o Brasil tem sido um dos destinos beneficiados pela realocação global de portfólios, que redistribuiu uma fração de recursos antes concentrados nos Estados Unidos. O Ibovespa, principal índice da B3, já acumula alta de 14% no ano.
“Aqui no Brasil, todo o movimento de preço que vimos não teve nada a ver com o mercado interno. Foi basicamente o mercado externo”, afirmou.
Esteves disse avaliar que houve um efeito muito pequeno de um trade eleitoral com expectativa de alternância de poder nas eleições presidenciais de 2026. “Mas muito menos do que as manchetes de jornal ou que as nossas conversas de bar sugerem.”
“O que aconteceu foi um spillover do mercado americano para o resto do mundo com forte impacto em emergentes."
Na avaliação do banqueiro, o Brasil também ocupa uma posição estratégica no atual cenário geopolítico.
A postura de neutralidade histórica em política externa, a boa relação com diversos polos — de China e Oriente Médio aos EUA e Europa — e a receptividade a investimentos estrangeiros colocam o país em posição privilegiada.
Além disso, o país possui uma posição diferenciada: é um dos poucos com déficit comercial em relação aos EUA, o que pode amortecer os impactos da política tarifária de Trump no Brasil. Política essa que seria muito mais voltada para setores industriais, enquanto o Brasil é, essencialmente, um exportador de commodities.
“Estou achando que a questão de tarifa e guerra comercial, para nós, é mais uma oportunidade do que um risco.”
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