Avanço do crédito privado ‘sobrevive’ a fim de isenção, diz Maílson da Nóbrega

Ex-ministro da Fazenda diz que fatores como amadurecimento do mercado e consolidação de grandes players institucionais sustentam a modalidade, mas critica falta de previsibilidade pelo governo e juros altos que pressionam dívidas de empresas

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Bloomberg Línea — Com a Selic em dois dígitos, o crédito privado continua a ganhar relevância como alternativa de financiamento para empresas no Brasil.

Em fevereiro, um novo marco foi alcançado: o estoque de dívida corporativa via mercado de capitais atingiu R$ 2,121 trilhões e superou, pela primeira vez, o saldo de R$ 2,108 trilhões de empréstimos via crédito bancário para empresas não-financeiras.

Esse movimento deve seguir com força no Brasil, segundo avaliação do economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega.

“Ter o mercado de capitais como maior fonte de oferta de crédito é uma tendência que deve continuar”, disse Maílson, como é conhecido, em painel no Anbima Summit, realizado nesta quarta-feira (25) em São Paulo.

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A avaliação do economista é que o mercado de capitais será o financiador das empresas no longo prazo, enquanto os bancos vão concentrar os empréstimos mais curtos.

Um sinal de maturidade do mercado de capitais para financiar as empresas estaria, inclusive, na duração alongada de alguns papéis.

“Hoje já vemos papeis com duração de 10 anos, 15 anos. Há duas décadas atrás eu não achava que iria viver para ver isso”, brincou o economista.

Maílson é sócio-fundador da Tendências Consultoria, uma das principais e mais longevas do país, está com 83 anos e foi ministro da Fazenda entre 1988 e 1990, durante o governo de José Sarney.

O economista disse que os juros na casa de 15% ao ano contribuem para a atração de recursos para o crédito privado, para além do desenvolvimento em si da modalidade, que foi considerada a grande estrela de 2024.

As emissões de debêntures, por exemplo, chegaram a históricos R$ 130 bilhões.

Maílson disse enxergar pontos estruturais que justificam o boom do crédito privado no país: maturidade do mercado, com produtos mais estruturados, aliado a bons gestores; e, na ponta do cliente, a entrada de players institucionais relevantes para além dos fundos de pensão: os family offices.

“Os institucionais vão crescer a uma velocidade maior que a economia brasileira”, projetou.

Outro aspecto que atrai investidores para ativos de crédito privado é a isenção fiscal para produtos como debêntures incentivadas, LCIs (Letra de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letra de Crédito do Agronegócio), ainda que esse benefício possa estar com os dias contados.

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O governo Lula propôs o fim da isenção do Imposto de Renda (IR) sobre uma série de ativos para tentar equilibrar as contas públicas e compensar a redução na alta prevista para o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras).

Segundo o ministro Fernando Haddad, da Fazenda, tais ativos de crédito privado pagariam uma alíquota menor de Imposto de Renda que outros investimentos, mas não seriam mais isentos.

O ex-ministro disse não acredita que as mudanças - se concretizadas - possam causar uma desorganização dos ganhos conquistados pelo mercado de capitais, que seguirá atrativo para o crédito privado.

“Mas é necessário criticar e alertar que os mercados funcionam com previsibilidade. Foi um erro do governo: esse não é um mercado que funciona com surpresas.”

Outro entrave para o avanço do crédito privado no país decorre da própria taxa de juros, que, de um lado atrai recursos, mas, de outro, dificulta que as empresas cumpram suas obrigações, o que aumenta o risco de default.

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“Nenhuma economia funciona bem com essa taxa de juros. Muitas empresas entram em recuperação judicial e algumas chegam até à falência.”

A solução, segundo o economista, passa por mudanças estruturais como realizar uma nova reforma da previdência que unifique todos os regimes, inclusive o dos militares; desvincular o salário mínimo dos pagamentos de aposentadoria; rever a vinculação de parte da receita de impostos para financiamento de saúde e educação, para deixar o Orçamento federal mais flexível.

“O governo atual é contra todas essas reformas. [Para uma mudança] vamos precisar de um colapso fiscal, em que a crise é tão grande que se desenvolve [no país] um apoio social e político para mudança”, afirmou.

Ainda assim, Maílson da Nóbrega se descreveu como otimista. “O Brasil está muito mais preparado e resiliente para enfrentar uma crise.”

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