Milei, com cem dias de governo, vê longo caminho para promessas de campanha

Em entrevista à Bloomberg News, o presidente da Argentina critica a resistência no congresso para avançar com medidas como dolarização, fim de subsídios e redução do estado

El pueblo de Argentina tolerará condiciones económicas duras porque entiende que es la única manera de seguir adelante después de 20 años de populismo que dejaron al país en ruinas, dice el presidente Javier Milei en una entrevista con John Micklethwait, editor en jefe de Bloomberg. Hablaron en la Casa Rosada, en Buenos Aires.Fuente: Bloomberg
Por Manuela Tobías - Kevin Simauchi
06 de Abril, 2024 | 01:36 PM

Bloomberg — Com pouco mais de cem dias em seu governo, Javier Milei está adiando seus ambiciosos planos de reforma para levar em conta as realidades políticas e econômicas da Argentina.

Subsídios ao consumidor que permitem tarifas de metrô ao preço equivalente de US$ 0,12 levarão até três anos para serem removidos, controles cambiais que têm prejudicado a economia só serão suspensos após uma limpeza do balanço do banco central, e a dolarização foi frustrada pelos políticos “desonestos” da Argentina, disse o líder libertário em entrevista ao editor-chefe da Bloomberg News, John Micklethwait.

“Devemos separar os problemas de curto prazo dos problemas de longo prazo”, disse Milei do palácio presidencial na última quinta-feira (4). “Nós dissemos que a situação era complicada e exigia remédios muito fortes a curto prazo. Vamos sofrer e depois sairemos disso.”

Embora Milei tenha feito do fechamento do banco central e da dolarização da economia pontos centrais de sua campanha eleitoral em 2023, ele não conseguiu fixar datas para as duas medidas desde que assumiu o cargo em 10 de dezembro passado.

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Pressionado por detalhes específicos, ele reconheceu que os planos levarão muito mais tempo do que o esperado.

Leia mais: Milei agora diz que descarta dolarização antes de eleição legislativa de 2025

Suas 4.000 reformas para desregulamentar o Estado argentino aguardarão até depois das eleições de meio de mandato do próximo ano se ele não conseguir implementá-las agora.

A remoção de generosos subsídios de energia e transporte também aguardará, para que os salários possam cobrir o enorme aumento de custos que surgirá. A dolarização permanece como um plano de longo prazo, mas os mercados decidirão seu momento, disse ele, depois que os balanços do banco central forem limpos e ele reformar o sistema financeiro.

Milei, um agitador de 53 anos que surpreendeu os investidores quando emergiu como o favorito na eleição do ano passado, não vê esses atrasos como nada mais do que contratempos menores. Ele se considera o porta-bandeira de um processo de vários anos para remodelar a Argentina para que se torne um bastião do capitalismo e do comércio.

Algumas concessões são necessárias para amenizar o sofrimento a curto prazo que tal transformação provavelmente causará aos eleitores, embora o presidente esteja confiante de que a população suportará a dor.

“Os salários miseráveis são consequência de vinte anos de populismo”, disse Milei. “Houve uma mudança cultural na Argentina e a maioria entende que a solução não é o populismo.”

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O que a Bloomberg Economics diz:

“Os próximos passos do presidente Javier Milei serão fundamentais para a economia argentina ao longo de 2024. O presidente precisa avançar em suas propostas para um ajuste fiscal duradouro e desregulamentação econômica. Isso requer ampliar seu apoio no Congresso. Somente então Milei poderá avançar para suspender os controles cambiais ou dolarizar a Argentina — seu objetivo de longo prazo declarado.”

Adriana Dupita, economista da Argentina e Brasil da Bloomberg Economics

Passos calculados

Essa transformação, segundo Milei, já começou.

Questionado sobre se a Argentina teria uma taxa de câmbio flutuante neste ano, ele disse que a taxa de mercado paralela do peso já desempenha esse papel — e comemorou o fato de que a diferença entre as taxas paralelas e oficiais diminuiu. Ele acrescentou que o déficit do banco central foi reduzido pela metade e que a hiperinflação foi evitada.

Por enquanto, ele tem priorizado movimentos que não exigem apoio dos legisladores ou aprovação judicial. Milei precisa do congresso não apenas para reformar o estado mas para alcançar o superávit fiscal do qual todo o seu plano depende.

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Ele precisará que os legisladores aumentem os impostos sobre a renda, privatizem empresas estatais inchadas e aprovem uma nova fórmula de pensão, que foi reformada por decreto mas pode ser derrubada nos tribunais, de acordo com Marcos Buscaglia, co-fundador da empresa de consultoria Alberdi Partners.

“Os investidores estão cientes de que os governos minoritários na América Latina não têm sido bem-sucedidos em geral, então ele precisa de um sinal de que sua capacidade de aprovar legislação está lá”, disse Buscaglia.

“Ele também precisa que o congresso aprove uma reforma estrutural trabalhista que é muito importante porque, enquanto o governo está demitindo funcionários e algumas empresas também o fazem por causa da recessão, você precisa de novas fontes de crescimento.”

Os mercados, até agora, lhe deram o benefício da dúvida.

Os títulos soberanos lideraram os ganhos nos mercados emergentes na última sexta-feira (5), estendendo seu forte desempenho neste ano. A dívida denominada em dólares com vencimento em 2030 subiu até 1,2 centavos para ser negociada a cerca de 55 centavos do dólar, de acordo com dados de preços indicativos compilados pela Bloomberg.

No mês passado, analistas do JPMorgan Chase recomendaram que os investidores apostassem nos títulos em dólares da Argentina com vencimento em 2035, citando um ambiente favorável para soberanos em dificuldades e o impulso de austeridade de Milei.

Analistas do Morgan Stanley, por outro lado, recomendaram recentemente alguns dos títulos de curto prazo do país, apelidando-os de “um ajuste estrutural em que vale a pena permanecer”.

“Se nosso cenário central se concretizar, a Argentina não entrará em default e haverá um potencial de alta de mais 33% ao longo do próximo ano”, escreveram em um relatório de meados de março. “O principal risco a ser observado é o capital político da administração a curto prazo.”

Os eleitores, assim como os mercados, também estão apoiando Milei.

O apoio pouco mudou desde que ele assumiu o cargo há pouco menos de quatro meses, mesmo com a inflação disparando para 276% ao ano. Analistas políticos dizem que ele está em uma corrida contra o tempo para reduzir os preços ao consumidor e manter essa popularidade.

Embora a inflação tenha diminuído em relação aos picos mensais de janeiro e fevereiro, o aumento nos preços ao consumidor tem corroído o valor do peso. Isso alimentou especulações de que outra desvalorização única estava em curso, ou que o governo aceleraria uma paridade cambial que faz o peso desvalorizar cerca de 2% ao mês — uma ideia que Milei rejeitou classificando-a como “estupidez”.

Apesar dos apelos por greves e protestos contra suas medidas, Milei disse que há sinais de que a economia possa registrar um forte crescimento, o que alimentaria seu capital político e pressionaria o congresso a apoiar sua agenda de reformas. O que ele quer, disse, é um grau de liberdade econômica que a Irlanda tem e um crescimento que rivalize com o dos EUA.

“Cada reforma que não me permitirem passar agora, passarei a partir de 11 de dezembro de 2025″, disse ele. “E continuaremos trabalhando para fazer mais reformas.”

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