Bloomberg — Uma derrota eleitoral humilhante obriga o presidente argentino Javier Milei a encarar uma série de erros políticos — o principal deles, sua dependência da irmã, a quem chama de “chefe”.
O partido libertário de Milei obteve 34% dos votos nas eleições locais de domingo (7) na província de Buenos Aires, contra 47% da oposição peronista. Embora a região seja tradicionalmente um reduto da esquerda, o presidente da Argentina esperava um resultado mais equilibrado.
A derrota expôs os limites de uma campanha baseada em ataques ao governo anterior, que deixou o poder há quase dois anos. Também assustou investidores, já que um revés semelhante nas eleições legislativas de outubro pode colocar a perder a agenda de livre mercado de Milei.
Um dos maiores desafios será repensar o papel de Karina Milei, sua irmã mais nova e principal assessora, a quem o presidente se refere como “el jefe”.
Agora, ela se tornou talvez seu maior passivo político, com dupla responsabilidade pelo fiasco: foi a estrategista da campanha que não convenceu os eleitores e, além disso, está envolvida em um escândalo de corrupção que estourou a apenas duas semanas da votação.
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Grande parte da popularidade de Milei veio da queda da inflação e de alguma estabilização econômica. Por isso, o caos nos mercados financeiros ampliou a ameaça ao seu governo.
A cotação oficial do peso argentino chegou a despencar 7% na abertura na segunda-feira (8), antes de recuperar parte das perdas, enquanto os títulos da dívida em dólar registraram as maiores quedas entre emergentes.
Em discurso contrito após a derrota, Milei afirmou que não pretende abrir mão do ajuste fiscal duro e da política de valorização do peso. Mas prometeu um período de reflexão e “autocrítica profunda” antes da eleição de outubro, que renovará quase metade do Congresso.
Ele não deu detalhes, mas qualquer mudança estratégica inevitavelmente terá de envolver sua irmã.
“Milei precisa assumir o comando da política do governo”, disse Alejandro Catterberg, diretor da consultoria Poliarquia. “Ele tem que liderar as decisões políticas diretamente e romper a delegação que entregou à irmã.”
Na segunda-feira, Milei reuniu seus principais assessores em dois encontros para discutir mudanças na comunicação política, segundo pessoas próximas à sua agenda que falaram com a Bloomberg News.
De acordo com fontes do governo, não há planos de demitir ministros; por ora, a Casa Rosada apenas criou um grupo de trabalho para enfrentar a crise.
Escândalo de propina
As denúncias de corrupção atingiram em cheio a credibilidade do governo, já que Milei havia prometido erradicar práticas ilícitas. O governo negou irregularidades, mas ainda não apresentou explicações detalhadas sobre o papel de Karina.
No mês passado, a imprensa local divulgou áudios vazados em que o então chefe da agência nacional de deficiência — já demitido — descrevia supostas propinas em compras de medicamentos que beneficiariam Karina. Um juiz posteriormente barrou a divulgação de trechos em que a irmã do presidente apareceria.
Após a posse de Milei, em dezembro de 2023, Karina concentrou grande poder, controlando sua agenda mesmo sem experiência política prévia.
Nos últimos meses, ela entrou em choque com o estrategista Santiago Caputo, que defendia alianças com partidos de centro e queria incluir nomes de sua própria equipe de comunicação nas listas de candidatos.
Karina preferiu se aliar ao PRO, partido de centro-direita do ex-presidente Mauricio Macri, mas deu pouco espaço de decisão aos novos aliados, desperdiçando o acesso à sua estrutura política. Enquanto isso, outros centristas lançaram uma terceira via. O resultado: fracasso em conquistar os eleitores do PRO, segundo pessoas próximas às negociações.
O porta-voz Manuel Adorni afirmou que o presidente agora comandará um núcleo de decisões políticas com participação da irmã e de ministros, sinalizando que não há planos imediatos de afastá-la.
‘A população não perdoa’
Integrantes do governo atribuíram a derrota à baixa participação de eleitores — pouco menos de 63% dos 14 milhões de registrados — e ao sucesso dos peronistas em mobilizar seus eleitores nos redutos tradicionais.
Analistas, no entanto, não esperam as mesmas condições em outubro, quando a participação tende a ser maior.
A inflação anual caiu para 37% em julho, depois de ter alcançado quase 300% no ano passado. Mas o crescimento econômico estagnou e o desemprego aumentou.
A produção industrial recuou em julho pelo quarto mês consecutivo, efeito da política de valorização do peso que afeta especialmente o setor manufatureiro, concentrado na província de Buenos Aires.
“Quando a situação econômica já é difícil e ainda surgem denúncias de corrupção, essa combinação é explosiva”, disse Mariel Fornoni, da consultoria Management & Fit. “A população não perdoa.”
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