Bloomberg — Uma multidão de líderes empresariais argentinos que se reuniu nesta semana em um resort à beira-mar tentou deixar de lado a turbulência política e de mercado que domina o país para refletir sobre o futuro. O esforço, porém, mostrou-se quase impossível de manter.
“O que aconteceu na última semana é ruído de curto prazo; nosso foco não deveria estar aí”, disse Fabian Kon, presidente do grupo financeiro Galicia, um dos organizadores do encontro anual. “Ainda há muito a fazer para construir a Argentina que queremos ver. Mas, quando conversamos nos bastidores, é impossível escapar da extrema volatilidade.”
A conferência, realizada na cidade de Mar del Plata e que reuniu cerca de 1.000 executivos, foi em grande parte uma maratona de discussões teóricas sobre como tornar as empresas argentinas mais competitivas no longo prazo.
A metáfora do futebol — “A Argentina entra em campo” — foi o tema do evento, aberto pelo ex-jogador da seleção Javier Zanetti, no hotel Sheraton da cidade. Ele falou sobre o que é preciso para vencer e sobre sua nova vida como dirigente no Inter de Milão.
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Fora do palco, no entanto, era impossível ignorar o “elefante na sala”: a eleição legislativa nacional, marcada para 26 de outubro, considerada crucial para o presidente Javier Milei — e para as próprias empresas —, já que suas reformas libertárias são vistas como um trampolim para o crescimento.
Nos corredores, as conversas variavam entre o pleito e a volatilidade dos mercados financeiros que, mesmo para os padrões argentinos, tem sido drástica desde a derrota esmagadora de Milei em uma votação local no mês passado.
A promessa do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de injetar bilhões de dólares em ajuda ao governo argentino só aumentou o comportamento errático do mercado.
“Dá para sentir que estamos a dez dias da eleição; há um verdadeiro clima de suspense”, disse Ignacio Celorrio, vice-presidente da Lithium Argentina. “Mas não devemos temer o momento ou as circunstâncias de uma eleição. A Argentina tem uma grande oportunidade de desenvolver seu potencial quando há consenso para priorizar investimentos de longo prazo.”
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A principal iniciativa de Milei, a chamada lei “RIGI”, busca exatamente isso — um conjunto especial de regras tributárias, cambiais e aduaneiras, com garantias de estabilidade por 30 anos, para proteger o investimento da volatilidade política e econômica. As indústrias de lítio e mineração estão entre as que mais devem se beneficiar.
Para Roberto Murchison, presidente do grupo portuário Murchison, explorar os vastos recursos minerais do país representa também uma chance de desenvolver a infraestrutura logística ao longo da hidrovia do rio Paraná.
“É preciso colocar os óculos de longo alcance nos negócios e não prestar tanta atenção aos altos e baixos do momento”, afirmou Murchison. Ele acrescentou que o histórico recente das eleições argentinas mostra uma tendência clara de voto a favor de uma economia mais aberta — o que beneficia empresas de todos os setores.
Mas alguns argentinos parecem estar cansando da transição dolorosa de Milei rumo a mercados mais livres. Sua derrota na província de Buenos Aires, onde vive cerca de um terço da população, gerou tanto pânico que o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, tem tentado intervir para ajudar.

Enquanto os executivos se dirigiam a quadras de padel e vinícolas para uma pausa, a poucos quarteirões do Sheraton, no calçadão de Mar del Plata, havia sinais claros das dificuldades do dia a dia.
“Trabalho nestas praias de ponta a ponta, e está difícil”, disse Lorena Buono, dona de uma barraca que vende vestidos. Ela se lembrava de tempos melhores, quando, sob o governo de esquerda anterior, havia subsídios ao turismo. “Outubro costuma ser um bom mês, mas não há ninguém por aqui.”
Marta González, professora de educação física, lamentou a falta de vínculo entre o evento e a cidade que o recebe. “É algo meio abstrato”, afirmou. “Parece um grupo de empresários decidindo como conduzir o país, enquanto as pessoas comuns não têm voz.”
Mariano Wechsler, presidente da Teamcubation, empresa que treina programadores, reconheceu “um tipo de fricção” na situação atual. “O problema é que esse período de transição dói”, disse. “As pessoas têm necessidades imediatas, enquanto nós conseguimos pensar e agir no longo prazo.”
Levando tudo isso em conta, sempre é o momento certo para defender os interesses do setor privado, afirmou Santiago Mignone, presidente do Idea — grupo empresarial responsável pela conferência — e sócio sênior da PwC Argentina. “Vai haver muita volatilidade no caminho, mas nossa agenda não muda.”
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