Sem sonho da casa própria, geração Z prioriza desejos e gastos com luxo

Compras para aliviar o estresse são maiores entre gerações mais novas nos Estados Unidos e recebem apelido de ‘doom spending’

Bolsas expostas à venda na loja Salvatore Ferragamo SpA no Village Mall, no Rio de Janeiro, Brasil
Por Paulina Cachero
01 de Fevereiro, 2024 | 01:03 PM

Bloomberg — “Que diferença faz?”. Foi isso que Nia Holland, de 24 anos, pensou depois de gastar US$ 2.500 em uma bolsa Chanel seminova, acabando com suas economias. Ganhando pouco dinheiro com trabalhos de pesquisa no campus durante a pós-graduação, ela sabia que poderia gastar, poupar ou investir melhor seu dinheiro.

Mas, ao mesmo tempo, ela disse que não se sentia irresponsável. Com os marcos tradicionais da vida – como casa própria e filhos – tão fora de alcance, negar a si mesma “pequenos luxos” não faria diferença. E, no mínimo, a bolsa de pele de cordeiro com uma corrente de ouro 24 quilates a fez se sentir melhor.

“A economia está péssima, há o aquecimento global, há uma constante agitação política e social em todo o mundo”, disse Holland, que está recebendo apoio financeiro da família enquanto faz doutorado em educação e psicologia na Universidade de Michigan. “É mais fácil gastar dinheiro com coisas que lhe trarão satisfação imediata”.

Normalmente, quando as pessoas estão em uma situação econômica instável, elas diminuem os gastos. Mas, cada vez mais, as gerações mais jovens estão fazendo o oposto, achando que seu futuro financeiro está condenado, não importa o que aconteça. O aumento das dívidas estudantis, o aumento do custo de vida e as mudanças no mercado de trabalho tornaram mais difícil atingir metas financeiras, como comprar uma casa ou poupar para a aposentadoria.

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Dessa forma, cerca de 27% dos norte-americanos admitem gastar para lidar com as preocupações com a economia e as relações exteriores, de acordo com a Credit Karma, uma empresa de finanças pessoais. E as taxas são ainda mais altas entre os Millennials e a Geração Z, com 43% e 35%, respectivamente.

“É uma maneira de lidar com a situação, embora não seja a mais saudável”, disse Courtney Alev, defensora financeira do consumidor na Credit Karma.

Tendências fatalistas

Embora a tendência de gastar com luxos para lidar com o estresse – o chamado “doom spending” – possa capturar o zeitgeist econômico do momento, esse hábito não é novo. Stephen Wu, professor de economia do Hamilton College em Clinton, Nova York, publicou uma pesquisa em 2004, afirmando que as pessoas que acham que a sorte e outros fatores externos desempenham um papel significativo em seu sucesso financeiro têm menos probabilidade de economizar.

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Ele argumenta que sentimentos de fatalismo e hábitos de gastos contraintuitivos se tornaram mais comuns nos últimos anos, principalmente após a pandemia e a Grande Recessão. Foi quando as pessoas começaram a perceber que “uma grande parte de seus sucessos e fracassos estava fora de seu controle”, disse Wu.

O fato de as gerações mais jovens conseguirem fazer compras de alto valor também pode se resumir a um maior apoio dos pais. Com quase metade dos jovens morando em casa, alguns estão usando a renda extra disponível para se mimar. Pode ser fácil pensar que isso também é razoável quando a mídia social está repleta de imagens de jovens esbanjando em refeições luxuosas, férias glamorosas e produtos de grife.

No entanto, se a pessoa não for cuidadosa, esses gastos podem levar à instabilidade.

Esse é o caso de Adrian Siega, de 26 anos, que recentemente gastou as últimas economias de emergência para comprar uma imitação de uma bolsa Burberry que foi apresentada no popular programa da HBO Succession.

Siega se mudou das Filipinas para Nova York em 2019, com o objetivo de entrar na faculdade, encontrar um emprego e comprar uma casa. Mas, com o passar do tempo, ele sentiu que seus sonhos de ter uma casa própria estavam ficando fora de alcance. Embora espere finalmente entrar na faculdade este ano, ele ainda está morando com a mãe e recebendo apoio financeiro.

“Trinta anos atrás, um apartamento custava US$ 90.000 e agora custa US$ 400.000; isso é uma loucura”, disse Siega, um assistente de cuidados pessoais. Portanto, por enquanto, ele prefere focar no que é “necessário para o momento” – produtos de cuidados com a pele, um casaco e uma bolsa Hermès Birkin Gold Togo falsificada por US$ 1.088.

Um caminho diferente

Compras caras podem parecer equivocadas. Mas se uma pessoa desistiu do sonho de uma vida suburbana com filhos, esse não é necessariamente o caso, disse Maria Melchor, uma criadora de conteúdo de 27 anos focada em educação financeira para a Geração Z.

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Em um vídeo no TikTok com mais de 1,8 milhão de visualizações, ela diz que quando as pessoas mais velhas perguntam como os jovens podem comprar coisas que nunca comprariam para si mesmos, ela diz que é porque eles não podem comprar mais nada.

“A casa própria ou uma família são coisas tão fora de alcance que estamos usando o dinheiro da entrada ou o dinheiro dos filhos em qualquer coisa que possamos pagar e que nos traga a aparência do tipo de vida adulta que nos foi prometida”, diz ela no vídeo.

Em uma entrevista, ela disse que não classificaria o comportamento da geração Z em relação a itens de luxo como um “doom spending”. Em vez disso, é um vislumbre de como a vida poderia ser para um número maior de pessoas, se nem todo o seu dinheiro fosse gasto em imóveis e filhos. As taxas de casamento e natalidade estão em declínio e o trabalho remoto, pelo menos para alguns, abriu a possibilidade de não estar preso a um único lugar.

“Acho que o ‘sonho’ está mudando”, disse ela.

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