Bloomberg Línea — O consumo de vinhos de alto padrão no Brasil tem crescido acompanhado de uma mudança comportamental. O mercado tem visto um avanço da valorização das taças de cristal no serviço da bebida, e muitas empresas têm defendido o papel delas na experiência sensorial ao beber.
“A pessoa nunca esquece depois de participar de uma degustação com boas taças de cristal. Por isso, o nosso foco sempre é apresentar o produto dessa forma”, disse Guilherme Mantovani, diretor da austríaca Riedel, em entrevista à Bloomberg Línea.
Isso ajuda a explicar porque a estratégia de negócio da empresa no Brasil foca em apresentar o produto através da degustação para que as pessoas entendam a importância da taça ao beber bons vinhos. Essa foi a ferramenta utilizada desde o início e continua sendo a abordagem principal, disse o executivo.
E o movimento ganhou força especialmente durante a pandemia de covid-19. O período é mencionado regularmente como responsável por um avanço no mercado de vinhos no país, e também abriu espaço para uma revalorização das taças de cristal no país, segundo Mantovani.
A percepção de que elas poderiam alterar a experiência sensorial da bebida impulsionou a demanda por modelos mais sofisticados, disse Mantovani, que é representante da família controladora na América do Sul, Europa e África.
“Depois da pandemia, as pessoas passaram a prestar mais atenção na taça, que antes era algo mais banal. As taças específicas, mais leves e mais finas, ganharam popularidade porque as pessoas buscavam essa experiência diferente”, afirmou.
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Essa mudança de hábito deu novo fôlego à estratégia de crescimento da marca no país. A aposta é ampliar a base de consumidores por meio de degustações que mostrem, na prática, como a taça pode interferir na percepção do vinho.
“O mundo do vinho evolui, os hábitos de consumo mudam, e as taças também mudam. O Brasil faz parte desse processo e ainda tem muito espaço para crescer.”

A Riedel construiu uma reputação global ao defender a ideia de que a forma da taça deve seguir a função. Cada modelo é desenhado para realçar a experiência completa do vinho, considerando quatro dimensões centrais: o bouquet, direcionando os aromas para o nariz e revelando sua complexidade; a textura, influenciada pelo fluxo do líquido no palato e pela percepção de corpo e taninos; o sabor, definido pelo diâmetro da borda e profundidade da taça, que orientam acidez e doçura aos receptores corretos; e o final, prolongado de forma clara e precisa pela taça adequada.
A empresa alega que não se trata apenas de luxo, mas de garantir que cada vinho seja servido em um recipiente que valorize o trabalho do produtor.
Além da valorização do consumo de vinhos, a empresa acompanha a ascensão de novas tendências de mercado que podem sustentar a demanda por taças específicas.
Mantovani citou, por exemplo, o crescimento das bebidas sem álcool, que também exigem copos adequados para ressaltar aromas e texturas. “Obviamente para consumir esse tipo de produto é necessário um copo, uma taça, então a gente não vai deixar de trabalhar nisso”, disse.
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Potencial de crescimento
A Riedel é referência mundial no segmento de taças de cristal e desfruta de reconhecimento consolidado entre sommeliers, vinícolas e estabelecimentos de alta gastronomia.
Fundada em 1756 em Kufstein, Áustria, a empresa permanece sob controle familiar e exerce presença em mais de 100 países, com cerca de 97% de suas vendas voltadas à exportação.
Segundo balanços públicos, a empresa emprega cerca de 1.200 pessoas e gera um volume de vendas anual na faixa de € 240 milhões, com capacidade de produção estimada em até 55 milhões de taças por ano.
Essa escala industrial, combinada ao prestígio adquirido por ter introduzido o conceito de “taça específica para varietal” — padrão que se tornou referência global — reforça o poder da marca no mercado premium de vidro para vinhos.
Apesar de estar presente no Brasil oficialmente há décadas, a fabricante austríaca ainda vê o país ocupar uma posição modesta em sua estratégia global. A operação local responde por uma parcela pequena do negócio da companhia, mas há uma percepção de grande potencial de crescimento no país.
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O mercado brasileiro se desenvolveu nos últimos dez anos, segundo e, mas ainda está distante de outros países de perfil semelhante, como o México, que gera o triplo de receita da Riedel.
“O Brasil, na América Latina, só perde para o México. Mas, se compararmos com o tamanho do mercado, ainda estamos abaixo”, disse Mantovani. “Percentualmente, o Brasil representa 1% do faturamento total.”
O esforço para aumentar essa participação enfrenta um obstáculo central: a política de importação. Segundo Mantovani, a alíquota sobre o cristal tem subido dos 16% tradicionais e pode a 35%. A medida pressiona os preços para restaurantes, hotéis e consumidores domésticos que compõem a base de clientes da Riedel.
“Todo mundo vai pagar a mais por isso. No curto prazo, significa que basicamente todo o cristal que se utiliza em restaurantes ou em casa vai aumentar em 15%”, disse.
Um eventual acordo entre o Mercosul e a União Europeia poderia reverter esse quadro, segundo ele. A Áustria e a Alemanha, países onde a Riedel mantém fábricas, seriam diretamente beneficiados. “Se houver esse acordo, a alíquota é cancelada. Tornaria o produto 25% ou 35% mais econômico, o que é bom para o consumidor”, afirmou.
Segundo o executivo, o setor de cristais possui barreiras de entrada elevadas, o que limita o número de concorrentes relevantes.
“O custo operacional de ter um forno gigantesco, com cristal produzido a 1.500 graus, durante 24 horas, durante 12 meses, durante 6 ou 7 anos, cria uma barreira muito grande para novos entrantes”, disse.
A Riedel mantém produção própria na Áustria e na Alemanha, o que a diferencia de marcas que dependem de terceiros. “Nós compartilhamos o mercado com umas seis ou sete marcas no mundo. Não mais do que isso”, afirmou.
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Mesmo assim, novos players buscam espaço no Brasil, como a Tanyno, que ganhou visibilidade com taças produzidas na China e vendidas a preços mais baixos.
Mantovani avalia que esse movimento é positivo, pois ajuda a manter o tema em pauta. “Sempre há novidade, e acho isso positivo porque as pessoas falam sobre taça, o que ajuda todo o setor”, disse.
O histórico da companhia reforça a aposta no Brasil como mercado de longo prazo. Mantovani lembrou que foi a família Riedel que desenvolveu, nos anos 1950, o conceito da taça moderna de vinho hoje reproduzido em todo o mundo.
Além da estratégia de degustações, a empresa projeta uma aproximação natural com o Brasil a partir da próxima geração da família. O atual presidente da companhia, Maximilian Riedel, é casado com uma brasileira, e seus filhos carregam dupla nacionalidade.
“A próxima geração da família Riedel vai ser meio brasileira. Eu imagino que eles também vão querer estar presentes aqui mais seguido”, disse Mantovani.
Essa relação pode abrir espaço para novos projetos, inclusive a retomada de experiências com bebidas locais. Ele lembrou que a empresa chegou a estudar a criação de uma taça específica para cachaça, mas não avançou. “Foi tentado lá atrás, mas não conseguimos chegar a um produto final. Quem sabe quando a próxima geração assumir não seja possível tentar novamente”, afirmou.