Filmes nacionais ganham espaço nos cinemas após sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’

Na esteira do Oscar para Walter Salles, Fernanda Torres e Selton Mello, novas produções do país são premiadas, como ‘O Agente Secreto’, de Kléber Mendonça Filho e Wagner Moura, enquanto presença em salas triplica e chega a 30% das exibições

Filmes sobre cantores brasileiros em cartaz em São Paulo
29 de Maio, 2025 | 08:59 PM

Bloomberg Línea — A conquista do inédito Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por Ainda Estou Aqui em março em Los Angeles deu impulso para uma nova era de renascimento e expansão do cinema brasileiro.

Uma das faces mais visíveis é a maior presença de produções nacionais nas salas de exibição do país, segundo dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema).

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Esse movimento deve se prolongar no segundo semestre após novas premiações internacionais para a produção audiovisual do país.

O longa dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres ficou 20 semanas em cartaz no Brasil entre o fim de 2024 e o início de 2025 e acumulou renda de R$ 117,63 milhões com 5,8 milhões de espectadores, segundo dados da Comscore, empresa de medição de audiência.

Em março, a Ancine o apontou como a terceira maior bilheteria nacional desde 2018, atrás apenas de Minha Mãe é uma Peça 3 (2018) e Nada a Perder (2019).

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No acumulado deste ano até o final de fevereiro (dado da Ancine mais recente), o vencedor do Oscar respondeu por 32% do público de filmes nacionais, o que contribuiu para um market share de 30,1% do cinema brasileiro no período.

Sem a sua presença, a participação cairia para 22,1%, segundo a Ancine. Em abril, o filme passou a ficar disponível no Globoplay, plataforma de streaming do Grupo Globo.

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Esses números atestam uma nova trajetória de aumento de relevância, com respaldo do público, para as bilheterias de produções locais.

Em 2024, a participação dos filmes brasileiros no total de público nas salas de cinema chegou a apenas 10,1%, segundo a Ancine.

Somente em fevereiro deste ano, o market share das produções nacional saltou para 32,7% com o impulso de Ainda Estou Aqui, antes da cerimônia do Oscar.

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Depois do filme de Walter Salles, as salas de exibição deram palco para novos sucessos nacionais de bilheteria.

É o caso de Homem com H, cinebiografia dirigida por Esmir Filho e estrelada pelo ator Jesuíta Barbosa, que encarna o cantor Ney Matogrosso, um ícone da música brasileira, desde seu início como vocalista da banda Secos & Molhados.

Matogrosso, hoje com 83 anos, foi considerado pioneiro em abordar temas relacionados à sexualidade de forma aberta e ousada, desafiando os tabus da sociedade brasileira nos anos 1970.

Também foi um dos primeiros artistas abertamente gays no Brasil, tornando-se uma figura influente no meio cultural por suas performances andróginas que questionaram os padrões de gênero da época.

Em maio, Homem com H superou R$ 11 milhões em bilheteria com quatro semanas em cartaz, ocupando o quinto lugar no ranking geral dos filmes mais vistos, liderado pelo live-action de Lilo &Stitch (R$ 61,9 milhões), da Disney, seguido por Missão Impossível: O Acerto Final (R$ 15,3 milhões), da Paramont.

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Outro ícone da MPB, o cantor e compositor Milton Nascimento, também contribuiu para aumentar a presença do produções brasileiras nas salas de exibição. O documentário Milton Bituca Nascimento, dirigido por Flávia Moraes, sobre a sua turnê de despedida também entrou em cartaz no primeiro trimestre.

Em abril, o cinema nacional já havia movimentado as salas com Vitória, estrelado por Fernanda Montenegro e dirigido por Andrucha Waddington, sobre a história de uma idosa que grava da janela de seu apartamento a ação de traficantes de drogas em favela do Rio de Janeiro, baseada em fatos reais.

O longa ficou seis semanas em cartaz e arrecadou R$ 14,79 milhões, segundo a Comscore. A Globo já indicou seu plano de inscrever Vitória na corrida por uma indicação ao Oscar de 2026, com auxílio da distribuição da Sony Pictures, que foi responsável pela distribuição de Ainda Estou Aqui nos EUA.

Indicação ao Oscar 2026

A disputa pela indicação do Brasil ao Oscar de 2026 se tornou ainda mais acirrada desde o último sábado (24), quando o filme nacional O Agente Secreto venceu dois prêmios em categorias principais no Festival de Cannes: melhor ator (Wagner Moura) e melhor diretor (Kleber Mendonça Filho).

Moura considerou a conquista dos prêmios em Cannes como mais um símbolo do que descreveu como renascimento do cinema brasileiro.

“É mais uma peça, uma pedra que aproxima o espectador brasileiro, os brasileiros em geral, da sua cultura, dos seus artistas após um tempo difícil em que eles tinham perdido importância e eram bastante difamados”, disse o ator em um vídeo nas redes sociais sobre a premiação de O Agente Secreto.

O filme de Kleber Mendonça Filho tem estreia programada no Brasil no segundo semestre. A distribuidora Neon será a responsável pelo lançamento do filme nos EUA. No Brasil, a missão está a cargo da Vitrine Filmes.

Outra produção no páreo para conseguir a indicação do Brasil à próxima edição do Oscar é O Último Azul, do cineasta Gabriel Mascaro e estrelado por Rodrigo Santoro, que venceu o Urso de Prata do Grande Prêmio do Júri no Festival de Berlim em fevereiro.

Já o premiado Manas, longa de estreia de Marianna Brennand, entrou em cartaz nos últimos dias em 10º lugar no ranking geral das bilheterias no Brasil, com arrecadação de cerca de R$ 45.000 em quatro dias.

O filme sobre a exploração sexual de meninas na Amazônia, com distribuição da Paris Filmes, ganhou visibilidade ao conquistar o prêmio máximo da mostra Giornate Degli Autori, no Festival de Veneza, e o Prêmio Especial do Júri no Festival do Rio, concedido à atriz Jamilli Corrêa.

Parcerias em novos lançamentos

Para players locais do setor, como a Globo, a Conspiração e a Gullane, a indústria audiovisual brasileira atravessa de fato um momento de aumento de relevância internacional, com visibilidade e reconhecimento em festivais internacionais, também graças às experiências de parceria.

Em um evento realizado no último dia 27 de maio, no Rio de Janeiro, os executivos Alex Medeiros (Globo), Renato D’Angelo (Disney), Renata Brandão (Conspiração) e Fabiano Gullane (Gullane) destacaram os próximos lançamentos.

Entre eles, citaram o novo filme da Globo Filmes, Escola sem Muros, produzido pela Gullane, dirigido por Cao Hamburger e com Júlio Andrade no papel protagonista, que começa a ser rodado em junho.

Também falaram sobre o novo filme da parceria entre Globoplay e Disney, No Jardim do Ogro, uma adaptação do livro da autora franco-marroquina Leila Slimani, cujas gravações começam no segundo semestre em São Paulo.

O filme tem a atriz Alice Braga como protagonista, direção de Carolina Jabour e produção da Conspiração.

“Queremos intensificar ainda mais essas parcerias, buscando modelos que promovam inovação, ampliem o alcance dos conteúdos e gerem resultados significativos para todos”, disse Paulo Marinho, diretor-presidente da Globo, que relembrou recentes premiações recebidas, como o filme O Último Azul, além de Ainda Estou Aqui.

O aumento do número de produções acontece também em razão de um apoio maior à cultura pelo atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

O Ministério da Cultura e a Ancine divulgaram que investiram no ano passado R$ 2,6 bilhões em fomento destinado a mais de 600 produtoras que devem lançar, nos próximos anos, 1.100 filmes e séries nacionais.

Impacto do cinema nos shoppings

O Brasil tinha 3.517 salas de cinema no fim de 2024, um recorde histórico, de acordo com a Ancine. O número de frequentadores das salas de cinema no país em 2024 alcançou o total de 121 milhões, o dobro em relação a 2023.

Essa expansão acompanha também a evolução do mercado de shopping centers, em que se concentraram as grandes redes de cinema.

Nos resultados financeiros, operadoras de shoppings costumam citar que as suas receitas - e as de lojistas - se beneficiam da maior frequência de espectadores nos cinemas, como ocorreu em 2023 com o filme Barbie e em 2024 com Divertida Mente 2.

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Sérgio Ripardo

Jornalista brasileiro com mais de 29 anos de experiência, com passagem por sites de alcance nacional como Folha e R7, cobrindo indicadores econômicos, mercado financeiro e companhias abertas.