Como os vinhos de plantas ‘velhas’ se tornaram o novo luxo do Alentejo

Vinhos produzidos com uvas de videiras com até cem anos de idade tendem a ser mais apreciados por especialistas e conseguem alcançar preços mais altos no mercado, e são aposta de crescimento na região de Portugal

O passado na taça: como as vinhas velhas se tornaram o novo luxo do Alentejo
Por Daniel Buarque
21 de Dezembro, 2025 | 09:09 AM

Bloomberg Línea — Uma visita à histórica vinícola Tapada do Chaves, na região portuguesa do Alentejo, começa com uma caminhada entre pequenos lotes de vinhedos que incluem algumas videiras baixas e espaçadas entre umas e outras. Ali há um hectare e meio de plantas de uvas variadas e idade média de 40 anos. Mas algumas se destacam pela idade ainda mais avançada, com registro de sua plantação mais de um século atrás.

É dali que sai um dos vinhos mais importantes da vinícola, que tem se consolidado como um ícone do país: o Tapada do Chaves Vinhas Velhas tinto, que pode custar mais de R$ 1.500 no mercado brasileiro.

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O que faz desse um vinho especial é justamente a idade das plantas, uma característica que tem impulsionado bebidas de luxo em toda a região.

“Quando a videira envelhece, ela passa a produzir menos uvas, e essas frutas passam a concentrar mais os sabores e as características que fazem um bom vinho, então a bebida se torna mais elegante e interessante”, explicou Sara Costa, técnica responsável pela vinícola, à Bloomberg Línea durante uma visita à Tapada do Chaves.

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A vinícola é parte da Fundação Eugénio de Almeida, mesmo grupo que produz o icônico Pêra Manca, e aposta nas videiras mais antigas em seu projeto de produção de vinhos de maior valor agregado.

A produção anual é de apenas 60 mil garrafas produzidas com cuidado e técnicas tradicionais, incluindo até oito anos de evolução da bebida na garrafa antes de chegar ao mercado. “Nosso foco é mais qualidade do que quantidade”, explicou Costa.

O passado na taça: como as vinhas velhas se tornaram o novo luxo do Alentejo

E o que acontece na Tapada do Chaves é visto também em outras vinícolas da região.

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Nos últimos anos, produtores do Alentejo perceberam que uma parcela de videiras mais velhas, mesmo rendendo menos, podia gerar vinhos mais complexos, longevos e capazes de disputar preços mais altos. A lógica se encaixa na estratégia macro do Alentejo, de crescer em valor, não em volume.

Na vinícola Tiago Cabaço, jovem nome da enocultura portuguesa que tem conquistado prêmios internacionais, muitas das vinhas têm mais de 45 anos (mais velhas do que o próprio produtor, que começou a produzir na região em 2004 aos 22 anos).

Apesar de usar como marketing uma proposta mais moderna, chamando seus vinhos de blog e .com, por exemplo, a bebida oferecida é preparada de modo tradicional e com valorização dessas uvas produzidas em plantas mais antigas.

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Na Herdade das Servas o fenômeno se repete. Por mais que a produção total passe de um milhão de garrafas por ano e a maioria seja de vinhos simples de entrada, os rótulos mais especiais quase sempre apostam na capacidade de plantas antigas de fazer bons vinhos.

Enquanto produzem 250 mil garrafas de vinhos mais simples que são vendidos por cerca de 6 euros no mercado local, as garrafas feitas com uvas produzidas em videiras dos anos 1960 chegam a apenas 10 mil e são vendidas por pelo menos 27 euros, explicou Renato Neves, diretor de produção. “Somos especialistas nesses vinhos mais tradicionais”, disse.

O passado na taça: como as vinhas velhas se tornaram o novo luxo do Alentejo

Oportunidade de mercado

O fenômeno se converteu imediatamente em oportunidade de mercado. Não só no Alentejo e em Portugal, mas em todo o mundo.

“O marketing gosta muito de usar o termo vinhas velhas no rótulo dos vinhos, pois ajuda a vender”, disse Renato Binati, diretor de educação da escola de vinhos Eno Cultura, em São Paulo, que apresentou a masterclass “Vinhas velhas, o poder da experiência”, em dezembro de 2025.

Segundo ele, a expressão aparece em várias línguas — vieilles vignes (França), alte reben (Alemanha/Áustria), old vines (inglês) — e costuma dividir espaço no rótulo com a variedade e a origem, como um atalho para comunicar escassez e, sobretudo, justificar preço mais alto.

Segundo ele, entretanto, demorou para que o mercado chegasse a um consenso sobre quando uma videira “vira” velha, e cada país e região trabalhava com critérios próprios.

Em 2024, a Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV) aprovou uma recomendação que vem sendo adotada como referência: considera-se vinha velha a videira com 35 anos de idade, e vinhedo velho aquele em que ao menos 85% das plantas têm mais de 35 anos.

O especialista faz a ressalva, entretanto, de que a idade não é garantia de qualidade. “Elas não são boas porque são velhas; elas são velhas porque são boas”, disse Binati, citando a formulação de um produtor australiano.

Videiras só chegam a décadas de idade se forem mantidas saudáveis e bem manejadas, com poda cuidadosa, controle de pragas e práticas que evitem danos acumulados, e isso só acontece se o produtor reconhecer a qualidade delas e decidir cuidar delas. “Vinhas velhas exigem mais atenção e, ao produzirem menos, pressionam o produtor a capturar valor por reputação”.

Isso ajuda a explicar por que o termo virou um gatilho tão poderoso na prateleira, ainda que não exista, por enquanto, um consenso de estudos públicos que quantifiquem quanto “vinhas velhas” aumenta o preço.

Avanço no Alentejo

Vinhos de vinhas velhas ocupam atualmente um dos segmentos mais rentável da premiumização alentejana, e dialoga com tendências globais: menor uso de madeira, mais frescor, mais expressão do terroir e transparência sobre a origem das parcelas.

“O consumidor passou a pedir vinhos produzidos com vinhas com mais idade, porque o que perdem em produtividade ganham em complexidade”, explicou Luís Sequeira, presidente da Comissão Vitivinícola Regional do Alentejo (CVRA), em entrevista.

Essa busca pelo passado, curiosamente, aparece em paralelo ao boom de outra tradição alentejana, o vinho de talha, método romano de fermentação em ânforas de barro.

O Alentejo vive um momento em que o novo e o ancestral coexistem como proposta de valor, tecnologia avançada convive com métodos pré-industriais e com vinhas que sobreviveram a fases de abandono, secas e reformas.

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Apesar de a região não estar oficialmente alinhada às definições de idade da OIV, segundo Sequeira, nos últimos cinco anos, as vinhas velhas passaram de tema quase inexistente a ativo estratégico para a região - ainda que não haja uma formalização do que caracteriza exatamente uma videira deste tipo.

“No Alentejo, não temos ainda uma denominação para vinha velha. Mas isso está no nosso plano estratégico”, explicou Sequeira. “Há cinco anos não era assunto. Hoje está em cima da mesa.”

A mudança ocorre por uma combinação de forças: a premiumização da região, a procura de consumidores mais exigentes, o desejo de diferenciação e a percepção cada vez mais clara de que a história e a escassez têm valor econômico real.

O Alentejo contabiliza cerca de 23 mil hectares de vinhas. Desses, menos de 5% têm mais de 35 anos, idade que deve ser usada como padrão oficial nos próximos anos, alinhando a região ao critério internacional de “vinhas velhas”.

“É muito interessante ver que os produtores que mantiveram vinha velha produzem vinhos absolutamente notáveis”, disse Sequeira. “E começaram a encontrar, num consumidor mais exigente, eco para isso.”

Daniel Buarque

Daniel Buarque

Editor-assistente