Bloomberg Línea — A incerteza é uma constante no mundo dos restaurantes. O Brasil registrou um saldo negativo de quase 29.000 estabelecimentos de alimentação em 2024, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos. Para especialistas do setor, a perda é resultado de fatores como problemas de gestão, aumento de custos e falta de planejamento.
E foi exatamente pelo foco no planejamento e na gestão que o Rincon Escondido, uma casa focada em carnes no bairro da Vila Madalena, em São Paulo, conseguiu driblar a imprevisibilidade.
Com mais de dez anos de atuação, o autoproclamado “ecossistema do churrasco” registrou crescimento anual de 50% nos últimos anos, com Ebitda de 28% e uma projeção de ampliação dos negócios.
“Não somos um restaurante”, explicou Alan Edelstein, um dos sócios da casa, em entrevista à Bloomberg Línea. “A gente se define como um espaço de experiências gastronômicas que valorizam a cultura do fogo, a cultura da parrilla.”
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A experiência dos clientes na casa é parecida com a de um churrasco no quintal de um amigo, mas com serviço de alto nível.
Quem chega ao Rincon é recebido na porta para confirmar a existência de uma reserva, vai até uma ampla área aberta nos fundos de uma casa na Vila Madalena onde há mesas, cadeiras e uma churrasqueira. Então são servidas bebidas e carnes à vontade, em uma sequência bem planejada, seguida da sobremesa. E no final os clientes levantam e vão embora, sem precisar acertar conta ou nada do tipo.
Ex-executivos da Johnson & Johnson, Edelstein e seu sócio, Francisco Mancuso, decidiram desde o início que a paixão pelo churrasco precisaria vir acompanhada de método e cálculo. “A gente vem de uma escola muito executiva. Éramos diretores comerciais e gostamos de planilhas, então fizemos tudo muito planejado desde o começo”, disse.
Eles adotaram um modelo empresarial ancorado em planejamento, controle e eficiência — um projeto que garante a sustentabilidade do negócio ao eliminar a incerteza.
A entrevista com Edelstein faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.

O modelo que sustenta a casa se apoia em uma lógica oposta à do restaurante tradicional. Não há salão aberto, cardápio à la carte ou mesas esperando fregueses. Tudo funciona com ingressos antecipados.
Os jantares são divulgados com data e menu fixo, e os clientes compram os convites antes, o que permite um controle total da casa sobre valores a serem recebidos e gastos totais, o que garante previsibilidade de caixa e elimina desperdícios.
“A gente sabe quantas pessoas vão jantar, quanto vai entrar dinheiro, quanto de carne, de carvão, de bebidas precisamos comprar e mesmo quantas pessoas precisam vir trabalhar a cada dia”, explicou Edelstein .
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Essa estrutura reduz o grau de incerteza. Segundo Edelstein, nada depende do acaso. Com ingressos vendidos antecipadamente e menu fixo, a casa trabalha com previsibilidade total, sem desperdício nem ociosidade — um modelo raro no setor de gastronomia.
“Não tem o braço cruzado esperando se vai ser um bom dia ou não vai ser um bom dia”, disse.
O número de convidados, as carnes compradas, a equipe e até o faturamento já estão definidos antes de o fogo ser aceso. “Se eu já sei que vão 60 pessoas, eu vou comprar 20 kg de bife ancho, 7 kg de linguiça e assim por diante.” O modelo praticamente elimina desperdício. “Não tem perda, não tem menu”, afirmou Edelstein.
Hoje o Rincon opera com 21 funcionários fixos e uma rede de freelancers contratados conforme o evento. O crescimento trouxe estrutura, mas a cultura interna continua sendo tratada como prioridade.
‘Ecossistema de churrasco’
O que nasceu como um projeto entre amigos tornou-se um local com ampla oferta de experiências em torno da churrasqueira, com almoços e jantares, cursos, confrarias, eventos corporativos e até viagens gastronômicas - tudo desenhado a partir de um plano de negócios que foi se definindo passo a passo.

A ideia de “ecossistema do churrasco” resume uma filosofia que guia o negócio desde 2014, quando Edelstein e Francisco Mancuso criaram um espaço dedicado a essa “cultura do fogo”, como gostam de definir.
“A gente fala muito do DNA do encantamento, da hospitalidade”, disse Edelstein.
Isso fica evidente no centro simbólico do negócio, “La Poderosa”, churrasqueira em estilo argentino construída em parceria com a fabricante LarGrill e transformada em ícone do espaço.
A cada refeição, os clientes são convidados para acompanhar o fogo sendo alimentado e as carnes sendo colocadas na brasa, o que rende momentos de grande apelo para redes sociais.
Além disso, o equipamento exposto no quintal virou vitrine de design e também fonte de parceria comercial em um exemplo de como o Rincon conecta fornecedores ao seu público com ganhos para todos os lados.
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A experiência executiva e a preocupação com a entrega permitiram ao Rincon estabelecer parcerias que vão além da churrasqueira com marcas de vinho (Trivento), carne (Cara Preta), temperos (BR Spices), que investem no espaço e se beneficiam da visibilidade.
Há cursos de parrilla e churrasco, com quatro encontros e turmas de mais de dez alunos. “Metade deles são entusiastas e metade são empreendedores que vêm do Brasil inteiro”, disse Edelstein.
O aprendizado se expande em uma confraria mensal, que reúne membros e convidados do mercado de gastronomia para jantares temáticos e bate-papos. O público, em geral, é formado por alunos e frequentadores da casa, criando um ciclo contínuo de relacionamento.
Há também experiências práticas pensadas para empresas e equipes. As oficinas de chimichurri e empanadas são alguns exemplos. Em vez de apenas assistir, os participantes preparam seus molhos, moldam as massas e cozinham juntos. O foco é a interação. “Tudo que propomos tem vivência, interação e aprendizado”, disse Edelstein.
O Rincon oferece ainda soluções para eventos corporativos, com gestão de todos os detalhes: gastronomia, hospitalidade, decoração, som, vídeo e até brindes customizados, como facas gravadas com o logotipo das empresas.
Com o crescimento da demanda B2B, o negócio ganhou uma segunda unidade, aberta em 2024 na Vila Andrade, zona sul de São Paulo.
O espaço foi projetado exclusivamente para confraternizações corporativas. Tem três andares, áreas para eventos de 40 a 100 pessoas em formato de jantar (ou até 150 em coquetéis), auditório de reuniões e ambientes para música ao vivo e fogo de chão.
O alcance dessas experiências ultrapassou as paredes da casa. A empresa passou a organizar viagens gastronômicas sob medida para empresas e grupos privados, atuando como uma agência completa.
“A gente cuida da curadoria, da logística e da produção de conteúdo”, contou Edelstein. Os roteiros já levaram grupos para a Serra Gaúcha, Serra da Mantiqueira, São Roque e o litoral norte de São Paulo, com fins de semana dedicados à carne.
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Na casa original, atualmente são seis menus diferentes em rotação, inspirados em tendências do mercado de carnes e experiências de viagem dos sócios. Entre eles estão o menu de carnes maturadas a seco (dry aged), o de carnes de vacas velhas e o de wagyu, além de opções vegetarianas. Os menus são harmonizados com vinhos e cervejas, mantendo o padrão dos jantares principais.
O preço da experiência clássica, no almoço ou no jantar, é de R$ 389 por pessoa - incluindo a refeição completa, bebidas e serviço. Nos eventos especiais de carnes dry aged o preço sobe a R$ 520 e pode ir até R$ 569 na experiência com carnes de gado wagyu.