Bloomberg Línea — A relação entre o Chile e o Brasil vive um paradoxo no mercado de vinhos.
O país andino se tornou nos últimos anos o maior fornecedor de vinhos comprados por brasileiros. E o Brasil se consolidou como o maior mercado internacional da bebida chilena. Mas o ritmo de crescimento no volume é maior do que no faturamento.
Há um fluxo grande de vinhos simples e de preços mais baixos, com predominância de marcas como a linha Reservado da Concha y Toro e Chilano da Ventisquero, vendidos por menos de R$ 40 por garrafa.
Por outro lado, vinhos de alta qualidade e preço, como o premiado Don Melchor, da Concha y Toro, que chega a custar R$ 1.000 a garrafa, ainda não impactam os resultados totais.
“Conseguimos crescer nos vinhos premium, mas muito mais nos vinhos de entrada. Isso faz com que nosso preço médio se mantenha abaixo de US$ 25 por caixa”, disse Angélica Valenzuela, diretora comercial da Wines of Chile, organização que promove a bebida no exterior, em entrevista à Bloomberg Línea.
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Segundo Valenzuela, a evolução das vendas no Brasil acontece em duas frentes distintas.
De um lado, há um impulso forte no consumo de vinhos de entrada, que servem como porta de entrada para novos consumidores. De outro, observa-se também avanço no segmento premium, mas em patamares menores.
No ano passado, foram mais de 97 milhões de garrafas enviadas do Chile para o Brasil. N primeiro semestre deste ano, o mercado brasileiro viu um aumento de 11,06% no volume de vinhos importados do Chile, mas um crescimento de 6,67% no valor total das importações, o que denota o descompasso.
“Nosso esforço é para aumentar esse preço médio. Isso não se consegue com um reajuste de lista, mas com mudança de mix”, explicou. “Queremos que importadores, distribuidores e consumidores conheçam os vinhos de maior valor, para que eles também tenham crescimento acelerado.”
De janeiro a maio do ano passado, o Chile respondeu por 47% do total de vinhos importados no Brasil, segundo dados da Ideal BI, empresa de inteligência de mercado.
A participação reforça uma liderança construída ao longo de décadas mas também expõe o desafio de transformar o consumo de entrada em interesse por rótulos mais sofisticados e de maior valor agregado.
Parte do esforço da Wines of Chile aparece em eventos que organiza no Brasil. A entidade se esforça para apresentar rótulos que superam US$ 40 por caixa e, em casos como o Legacy, ultrapassam US$ 60.
O objetivo é dar visibilidade a marcas que expressem melhor a diversidade dos vales chilenos e possam conquistar consumidores em busca do próximo passo na jornada de consumo.
A entrevista da executiva ocorreu exatamente durante um desses eventos, o Taste the Untamed, em que produtores chilenos apresentaram vinhos de alta gama preparados em regiões perto do oceano Pacífico, que têm um perfil mais refrescante do que os de outras partes do país.
O Chile aposta cada vez mais em vinhos frescos, leves e de menor teor alcoólico, alinhados ao movimento global de saúde e bem-estar.
Nesse contexto, a organização pretende reforçar o conceito de Chile Pacífico, associando a produção vitivinícola ao mar e ao frescor do território.
Para o Chile, que exporta entre 70% e 75% de sua produção total, o equilíbrio entre volume e imagem é questão de longo prazo. “Não vamos descontinuar os vinhos baratos. Cada um tem seu papel. Mas precisamos que o consumidor conheça e valorize também os vinhos de maior preço”, reforçou Valenzuela.
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Apesar da meta de premiumização, Valenzuela reconhece que os vinhos baratos têm função estratégica.
“Os vinhos de entrada nos dão ‘músculo’. Eles são a porta de entrada para o consumidor. A estratégia é que ele faça um upgrade para vinhos de maior qualidade e preço”, disse.
A executiva comparou o processo a uma escada de aprendizado e hábito. Primeiro, o consumidor brasileiro experimenta um vinho simples, com barreira de entrada baixa. Depois, amplia o repertório e migra para rótulos de maior valor.
Esse movimento é crucial em um país que, apesar de liderar as exportações chilenas, ainda apresenta consumo per capita baixo: 2,3 a 2,4 litros por ano.
Mercado prioritário
O peso do mercado brasileiro se intensificou no pós-pandemia.
“Brasil, China e Estados Unidos são nossos mercados prioritários. Entre eles, o único que cresce é o Brasil”, afirmou Valenzuela.
Nos EUA, o setor enfrenta a combinação de tarifas de importação de 10% e forte competição com vinhos domésticos. Na China, o consumo de luxo perdeu fôlego nos últimos anos. No Brasil, em contrapartida, a proximidade cultural e a relação histórica de turismo contribuem para o dinamismo da demanda.
“Desde a pandemia, o Brasil se tornou o primeiro mercado para nosso país. É um mercado onde nós nos sentimos muito confortáveis. Temos praticamente 50% de participação nos vinhos importados”, disse a diretora comercial.
O crescimento da presença de brasileiros no Chile também reforça a conexão. Entre janeiro e julho de 2024, 439 mil turistas brasileiros visitaram o país, um aumento de 82% em relação a 2023, segundo dados da Chile Travel.
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Além do volume, a Wines of Chile vê espaço para diversificação no perfil do consumidor brasileiro. Valenzuela destacou o público mais jovem, conectado e engajado com causas sociais e ambientais.
“Esse consumidor está em redes sociais, preocupado com sustentabilidade e bombardeado de informação. Temos que ser relevantes para ele”, afirmou.
O alinhamento com consumidores que buscam produtos mais responsáveis é visto como uma vantagem competitiva diante de outros países produtores.
O caso chileno repete um dilema comum a outras origens vinícolas que buscam expandir no Brasil. O país é reconhecido como mercado em crescimento, mas ainda fortemente influenciado pelo preço.
Estratégias de trade-up, como a da Borgonha com apelações menos conhecidas ou da Ventisquero ao instalar equipe no Brasil para promover vinhos de maior valor, mostram que o desafio é coletivo.
O paradoxo do vinho chileno no Brasil ilustra o estágio de maturação do mercado local. O crescimento do consumo é inegável, mas ainda concentrado em rótulos de entrada.
Para o Chile, a meta não é abrir mão desse volume mas transformá-lo em “trampolim” para consolidar a imagem de país produtor de vinhos de qualidade, premium e sustentáveis.
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