Bloomberg Línea — O jantar em uma terça-feira recente em setembro teve um clima especial para quem esteve no Cantaloup, no Itaim Bibi, em São Paulo. Os clientes eram recebidos pelo maître, que oferecia taças de espumante e explicava que aquele era um dia de comemoração. “O restaurante completa 29 anos hoje”, dizia.
Em uma das mesas do bar ao lado do salão principal, Daniel Sahagoff, restaurateur responsável pela casa, lembrava que, três décadas antes, o bairro que hoje abriga alguns dos mais prestigiados restaurantes do país ainda não tinha essa vocação e era muito residencial. Mas foi ali que enxergou potencial e resolveu apostar.
“Eu deveria ter começado pequeno, mas acreditei que o Itaim seria o futuro de negócios e moradia”, disse em entrevista à Bloomberg Línea.
A entrevista com Sahagoff é parte da série “Mesa de Negócios”, da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçaram de forma destacada.
Desde o princípio, sua ideia era transformar a gastronomia em um negócio estruturado, com gestão profissional, inovação arquitetônica e capacidade de formar talentos. A visão, disse, ia além da comida. “Eu queria alguma coisa que fosse entretenimento, mas já com uma visão de negócio”, explicou.
“Pensei um projeto muito diferente para a época. Eu queria o anti-restaurante do que existia, exatamente pensando como negócio.”
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Segundo ele, nos anos de 1990, a concepção tradicional de um restaurante “era de projetos quadradinhos, certinhos”.
“Eu tinha um passado em negócios, na economia, e parti mais em cima disso do que de um estudo sobre gastronomia e restaurante. Queria alguma coisa que fosse impactante, uma culinária sem fronteiras”, disse.
Quase três décadas depois, o restaurante se consolidou como uma das referências da cidade, em particular no Itaim, que veio a se tornar o centro financeiro do Brasil, e deu origem a uma diversificação de negócios, com mais duas casas na capital paulista e uma futura em Lisboa (leia mais abaixo).
A casa ocupada com discrição na rua Manuel Guedes se tornou ao longo dos anos um ponto frequentado por muitos executivos, gestores e profissionais que trabalham na Faria Lima.
“Nosso almoço de certa forma é um power lunch. É muito interessante porque praticamente todo mundo que está aqui se conhece. Isso cria novos encontros de negócios e fideliza o cliente”, disse Sahagoff.
No horário do almoço, de fato, são comuns os casos de clientes que se cumprimentam ao notarem a presença de amigos e conhecidos.
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Mas há diferenças no jantar e em certos períodos, quando a sazonalidade pesa.
“Os meses de férias são complicados. E a pandemia mudou o perfil: muitos clientes passaram a viajar nos fins de semana.”
Segundo ele, à noite e nos fins de semana, o perfil muda, com turistas e clientes de outros bairros.
A feijoada, incorporada ao cardápio na pandemia por demanda do delivery, tornou-se outro atrativo fixo às quartas e aos sábados. “Foi um sucesso tão grande que não conseguimos mais tirar.”
Segundo Sahagoff, o Cantaloup atende em média 8.000 clientes por mês.
No total, a equipe do restaurante conta com 54 funcionários fixos, alguns com mais de 25 anos de casa.
Sahagoff não divulga informações sobre faturamento e ticket médio, que, segundo ele, varia entre o almoço executivo, mais enxuto, e o jantar, quando a experiência inclui vinhos e pedidos de maior valor agregado.
O restaurante soma quase 300 rótulos de vinhos em sua carta, com três sommeliers dedicados; a bebida responde por pouco mais de 20% da receita mensal, disse o restaurateur.
Se a gastronomia é a porta de entrada, os eventos se transformaram em pilar central do negócio, contou.
“Eventos representam hoje 48% do nosso faturamento”, afirmou.
O restaurante expandiu para dois imóveis vizinhos dedicados a encontros corporativos e sociais.
“Eu já tenho a cozinha e a equipe e consigo maximizar o resultado. Só coloco a minha equipe para um lado ou para outro, conforme o movimento”, explicou.
Gestão profissionalizada
O projeto original foi pensado com a perspectiva de um negócio desde o princípio, contou Sahagoff.
O ambiente, sob influência da ideia de uma fábrica transformada em espaço de convivência, diferenciava-se das casas com ambiente mais fechado, com pé-direito baixo, e baixa iluminação que predominavam em São Paulo nos anos 1990.
O restaurante nasceu com investimento familiar, mas ganhou maior estrutura quando o executivo Raul Corrêa da Silva, CEO da BDO Brazil, entrou na sociedade e trouxe controles financeiros mais rigorosos.
“Quem não sabe controlar custos em restaurantes não pode sobreviver”, afirmou Sahagoff.
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A profissionalização na gestão do restaurante foi reforçada pela adoção de tecnologia e de métodos para otimizar os processos. O uso de ultrarrefrigeração e porcionamento, por exemplo, reduziu desperdício e permitiu ganhos de escala.
“Hoje eu consigo trabalhar muito bem com atmosfera modificada, com vácuo. Isso me permite ter praticamente tudo porcionado, com durabilidade maior e sem rompimento de fibras. Evita um desperdício que antigamente era muito grande”, disse.
Sistemas de gestão também trouxeram maior transparência.
“Se eu vendo ‘X’ pratos, eu tenho que ter consumo ‘X’ de carne. Se vejo algo fora da curva, sei que há desperdício ou sumindo coisas. Hoje consigo acompanhar de uma forma que antes não era possível.”
A cozinha, por outro lado, nunca deixou de ser um foco importante.
Baseada na formação francesa, mas aberta a influências italianas, espanholas e brasileiras, serviu como campo de aprendizado para profissionais que hoje comandam casas de destaque, como Paulo Barros, do Modern Mamma Osteria, o MoMa,, e Jefferson Rueda, da Casa do Porco.
“Aqui foi uma casa de formação de vários profissionais que passaram por nós. Hoje muitos deles têm restaurantes também, são amigos e concorrentes”, afirmou.
O nome, inspirado no melão cantaloupe, buscava reforçar esse espírito cosmopolita.
“Cantaloupe é o melão que muda muito pouco em diversas línguas. Pensamos em um nome que refletisse essa internacionalização. E também, como não existem dois iguais, trazia a ideia de originalidade, de sermos diferentes do que já existia”, disse.
A metáfora escolhida por ele para a atuação ajuda a entender sua visão sobre o negócio.
“Consideramos que é igual a um show da Broadway: nós ensaiamos todo dia, mas, quando abre a cortina e a casa, nunca sabemos se vamos ter aprovação dos críticos, se vamos ter casa cheia, se vamos ganhar dinheiro. Com 29 anos, já passamos do pior, mas ainda estou aprendendo a cada dia.”
Expansão até internacional
A partir da consolidação do Cantaloup, Sahagoff abriu o Ka, premiado em design internacional, e depois o Lupi, voltado a experiências de compartilhamento de pratos, ambos também em São Paulo.
“O Lupi começou com essa ideia e acabou incluindo também pratos maiores. Vai completar dez anos, seguindo a mesma ideia de projeto: primeiro o ambiente, depois o conteúdo de serviço e comida, e uma boa relação custo-benefício.”
O Lupi atende hoje cerca de 4.000 clientes mensais; e há uma unidade no Hospital Albert Einstein, que recebe aproximadamente 2.200 pessoas por mês.
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O grupo se prepara para inaugurar em 2026 o Cantaloup Lisboa, no Chiado. O projeto inclui salão principal, sala privativa, cigar room e esplanada com 35 lugares.
“Portugal está passando agora pela revolução de negócios e gastronomia que vimos em São Paulo há 29 anos”, disse Sahagoff.
O investimento, estimado em torno de € 10.000 por metro quadrado, ficou 28% acima do orçamento inicial devido à variação cambial e a ajustes de projeto.
A sociedade prevê 75% de participação do grupo de Sahagoff e 25% de investidores locais.
“Portugal recebeu 32 milhões de turistas no ano passado. Além disso, há muitos brasileiros e europeus de negócios que já conhecem o Cantaloup daqui. Isso nos dá uma base de clientes”, afirmou.
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Desafio da mão-de-obra
Segundo o restaurateur, depois de quase três décadas no ramo, hoje a mão-de-obra se tornou o principal gargalo, especialmente após a pandemia.
“Encontrar pessoas que querem trabalhar com carteira assinada está cada vez mais difícil”, disse Sahagoff.
A remuneração do setor é considerada boa, segundo ele, mas muitos preferem trabalhos como freelancers, pagos por diária, sem vínculo de longo prazo.
“Tenho gente aqui que está há 27 anos. Mas hoje muitos não querem pensar em carreira, querem saber quanto vão ganhar agora. Isso complica muito.”
Para enfrentar a questão, a casa tem recontratado profissionais experientes que haviam se aposentado. “Muitos cansaram de ficar em casa e resolveram voltar. É uma escola antiga que sabe trabalhar muito bem com o nosso ramo.”
Aos 62 anos, Sahagoff disse que a gestão de três restaurantes em São Paulo e um em Lisboa também é um desafio pessoal.
“Eu preciso parar de querer abrir mais casas. É uma operação muito difícil, com muitas variáveis. Lidamos com o gosto das pessoas, e isso muda todos os dias”, disse em tom de brincadeira, mas apontando para um possível futuro.
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