Bloomberg Línea — As duas jabuticabas que caem sobre a mesa e interrompem brevemente a entrevista podem enganar quem pensa no clima de paz e silêncio que reina no meio da tarde no amplo quintal do Praça São Lourenço, na Vila Olímpia, em São Paulo.
Mas os bastidores do restaurante há duas décadas no mesmo local não costumam reservar muitos momentos de descanso: são várias operações ao mesmo tempo.
No salão principal, o buffet preparado para o almoço ainda atende as últimas mesas do período que concentra clientes que trabalham na região. Ao fundo da casa, uma equipe finaliza a preparação de um casamento. Na sala de cima, um evento corporativo está prestes a acontecer. Isso tudo enquanto as reservas chegam para as mesas do jantar. E essa é justamente a lógica do negócio.
“Na nossa última mudança de logomarca, tiramos o termo ‘restaurante’ do nome, porque hoje somos muito mais do que isso”, explicou João Paulo Gentille, sócio da casa, em entrevista à Bloomberg Línea.
A entrevista com Gentille faz parte da série “Mesa de Negócios” da Bloomberg Línea, que conta histórias em que a gastronomia e o empreendedorismo se entrelaçam de forma destacada no mundo dos negócios no Brasil.
O negócio que começou com o tradicional serviço de refeições agora se equilibra entre bar, restaurante e dezenas de eventos que tomam o espaço de cerca de 300 lugares cercados por árvores antigas, um lago e áreas externas que foram preservadas ou plantadas quando a casa foi construída.
Essa combinação define a operação padrão da casa nos últimos anos”. “Hoje é um negócio único, porque não é reproduzível. Não é um negócio que eu consiga repetir em outros lugares no mesmo formato”, afirmou.
Em 2025, o faturamento do Praça está dividido de forma equilibrada entre as frentes de restaurante e eventos. O almoço responde por 48% do total, o jantar, por 18%, e os eventos já chegam a 34%, segundo Gentille. Os valores não são revelados.
A casa mantém um equilíbrio que não é acidental mas resultado de duas décadas de adaptação.
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Modelo híbrido
Quando abriu as portas, ainda em uma Vila Olímpia dominada por galpões e casas para “baladas”, o projeto já incluía uma sala para eventos.
O salão maior passou a abrigar mais tarde aniversários, confrarias de vinho, celebrações familiares e encontros corporativos, sempre sem interferir no público regular.
O resultado é um modelo híbrido que sustenta o restaurante e garante previsibilidade financeira em um dos metros quadrados mais caros de São Paulo. Um espaço que cresce com o bairro, mas que, ao mesmo tempo, ajuda a moldar o ambiente ao redor.
O restaurante segue como a base da operação, mas os eventos ganharam peso ao longo dos anos. Gentille contou que, no início do Praça, os eventos representavam entre 5% e 10% do faturamento. Com o tempo, se tornaram uma fonte fundamental de receita para sustentar o porte da casa.
“Hoje em dia, há meses em que os eventos chegam a 50% do nosso faturamento”, disse. O movimento é reforçado pelo perfil do público. Grupos de vinte ou trinta pessoas, comuns em jantares de família ou confraternizações, fazem a linha tênue entre reserva e evento se repetir diariamente.
Essa diversidade amplia a capacidade de atender públicos diferentes, mas cria desafios diários, segundo o proprietário.
“A dificuldade de eu oferecer muitos menus, e menus que se renovam, é controlar a parte de alimentação e ter baixo desperdício”, explicou.
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Como o buffet dificulta rastrear cada receita individualmente, o controle é feito basicamente por CMV (Custo da Mercadoria Vendida), com a soma de todas as despesas necessárias para o atendimento.
A casa agora trabalha para implantar um sistema mais robusto, com lógica próxima à de hotéis, para separar custos de buffet, à la carte e eventos e monitorar de forma mais precisa os consumos de bebidas.
A escala da operação exige disciplina financeira. O Praça trabalha com cerca de 60 colaboradores, entre equipe fixa, terceirizados e PJs. Já chegou a ter 100 funcionários, mas os custos crescentes obrigaram ajustes.
“Quando você tem 60 funcionários, começa a ficar com uma estrutura mais pesada, você tem que faturar. O restaurante abre todo mês com uma dívida alta”, contou o empresário.
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Parte dos sócios do Praça (todos da mesma família) detém a propriedade do imóvel e aluga o espaço para a operação, o que exige que o restaurante entregue rentabilidade suficiente para compensar o custo de oportunidade.
Gentille reconhece o dilema.
“A minha exigência é faturar para poder ter um negócio que tenha rentabilidade e dê rentabilidade para o proprietário do imóvel”, disse.
O faturamento dobrou de 2020 para cá, mas Gentille afirmou que isso reflete também o aumento generalizado de custos. Ainda assim, a casa vem conseguindo preservar rentabilidade. Desde 2022, o Ebitda (métrica de geração de caixa operacional) permanece entre 15% e 17%, disse.
Transformação urbana
O espaço que de fato parece uma praça no meio da cidade tem uma arquitetura que também é influenciada pela própria urbanização do entorno, segundo Gentille.
A Vila Olímpia passou por uma transformação acelerada nas últimas três décadas, com mudanças em leis de zoneamento e o crescimento da região vizinha da Faria Lima como centro financeiro da cidade.
O metro quadrado do terreno na área do restaurante, que estava em cerca de R$ 8.000 há dez anos, segundo Gentille, hoje aparece em negociações próximas de R$ 25.000.
Logo em frente ao restaurante, segundo Gentille, um lançamento de um condomínio residencial com 900 apartamentos reforça a pressão imobiliária. Ele disse ver esse avanço não como ameaça mas como incentivo, pois acredita que o restaurante é um dos atrativos do mercado imobiliário para a região.
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Para os próximos anos, o projeto é ampliar a infraestrutura de eventos e reforçar a vocação original da cozinha, focada em comida rústica preparada no forno à lenha, mas servida de forma requintada.
O Praça planeja abrir os fornos para o salão, melhorar a área do mezanino e criar uma nova varanda voltada a celebrações.
A meta é atender com eficiência eventos com 50 a 100 pessoas, formato cada vez mais procurado na região.
“Estamos desenvolvendo um projeto para melhorar e aumentar a infraestrutura de eventos, que enxergamos que seja o caminho”, disse Gentille.
O objetivo é que a casa continue se adaptando sem perder a essência que a separa de outras operações da cidade.
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