Bloomberg — As negociações globais sobre o clima conseguiram chegar a um acordo que consegue impulsionar os esforços para reduzir as emissões que causam o aquecimento do planeta. Mas o resultado final - ao evitar referências explícitas aos combustíveis fósseis - deixará grandes dúvidas sobre a eficácia da política climática internacional.
Duas semanas de negociações na cidade de Belém serviram como uma espécie de refutação à ideia de que o multilateralismo climático não é mais viável. No final, quase 200 países concordaram com um documento de oito páginas que exige esforços mais fortes em relação às metas nacionais de emissões e ao aumento do apoio financeiro aos países pobres que precisam de ajuda para se defender contra a intensificação do calor, das tempestades e das secas.
Mas o resultado da COP30 revelou profundas divisões, principalmente em relação a quais países devem pagar pela adaptação e como fazer com que o mundo deixe de usar combustíveis fósseis.
A decisão do Mutirão Global, um título que usa o termo dos anfitriões brasileiros para ação coletiva, deixou de fora as principais disposições sobre a redução do uso de combustíveis fósseis, que havia sido a referência para o sucesso de dezenas de países mais ambiciosos.
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As duas maiores economias e emissores históricos, os Estados Unidos e a China, foram notáveis em sua falta de impacto. O presidente Donald Trump se recusou a enviar representantes, pois os Estados Unidos estão saindo dos acordos climáticos globais; a China se concentrou mais em seus próprios interesses comerciais em vez de assumir um papel de liderança mais forte.
Para alguns diplomatas e especialistas, o resultado, na melhor das hipóteses, evita um retrocesso em relação aos acordos anteriores, ao mesmo tempo em que faz pouco mais para conter o petróleo, o gás e o carvão, que continuam sendo a principal fonte de emissões de gases de efeito estufa.
“Essa COP foi a manifestação de uma nova realidade geopolítica”, disse Linda Kalcher, diretora executiva da Strategic Perspectives.
O Brasil, anfitrião da cúpula das Nações Unidas na Amazônia, anunciou que trabalharia em duas iniciativas para combater o desmatamento e fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, que tomarão forma no próximo ano e poderão informar as negociações da COP31 na Turquia.
Para entender o que aconteceu e o que isso significa para o mundo, aqui estão seis conclusões importantes da COP30.
Divisão sobre os combustíveis fósseis
Um roteiro proposto para a transição do petróleo, do gás e do carvão foi o ponto central da COP deste ano, com o apoio de cerca de 80 países, incluindo Colômbia, Reino Unido, Alemanha e Quênia.
Portanto, quando o rascunho que o Brasil divulgou na sexta-feira não mencionou diretamente os produtos poluentes, muitos delegados ficaram desapontados e irritados.
Por fim, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, se comprometeu a criar um roteiro focado em uma transição justa para se abandonar os combustíveis fósseis, que continuará ao longo do próximo ano.
Embora essa medida tenha recebido muitos aplausos no sábado (22), não é o plano completo incorporado aos processos formais da COP que os apoiadores queriam.
“Ficar em silêncio sobre os combustíveis fósseis” não é suficiente, disse Harjeet Singh, diretor fundador da Satat Sampada Climate Foundation.
Quase 200 países concordaram em Dubai, em 2023, em eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Mas isso esconde uma divisão profunda e persistente sobre a questão.
Algumas nações insistiram que a COP30 estimulasse ações concretas para ajudar as economias a fazer a mudança. Para outros, como a China e os países petrolíferos Rússia e Arábia Saudita, qualquer nova obrigação relacionada à eliminação gradual era uma linha vermelha.
Adaptação às mudanças climáticas
Na política climática, a adaptação - aprender a conviver com os efeitos de um mundo mais quente - há muito tempo ficou em segundo plano em relação ao trabalho de mitigação de corte de emissões.
Mas a adaptação foi elevada na COP deste ano, um reconhecimento de que os danos climáticos estão ocorrendo agora e que a necessidade de adaptação já existe.
O agravamento de tempestades, inundações, secas e incêndios representa um enorme ônus, especialmente para os países em desenvolvimento e os pequenos Estados insulares.
A COP30 adotou um apelo para triplicar o financiamento da adaptação até 2035. No entanto, esse cronograma é cinco anos mais longo do que o que as nações em desenvolvimento estavam pedindo.
“Nas Ilhas Marshall, nossas necessidades de adaptação são enormes”, disse Kalani Kaneko, ministro das Relações Exteriores das Ilhas Marshall, na cúpula.
O cronograma de 2035 é difícil, mas alcançável, de acordo com especialistas.
“Triplicar a meta de adaptação é possível”, escreveram os especialistas em finanças climáticas do World Resources Institute em uma análise no início deste mês. “Porém, todas as fontes relevantes de financiamento precisarão ser intensificadas, e o sistema precisará funcionar melhor como um todo.”
Comércio e minerais essenciais
O comércio é um ponto crítico na política global no momento, e isso também gerou tensão em Belém. A China e outros países expressaram seu descontentamento com a taxa de carbono da União Europeia.
A medida foi projetada para evitar o “vazamento” de carbono quando as indústrias de alta emissão são transferidas para o exterior, mas os críticos dizem que ela penaliza as exportações de outros países para o bloco.
Essas frustrações chegaram ao acordo final, que inclui um ataque a essas ações comerciais unilaterais. O documento reafirma que as medidas tomadas para combater as mudanças climáticas “não devem constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificável ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional”.
Ele também estabelece um diálogo e um evento de alto nível em 2028 para considerar o papel da política comercial.
E, pela primeira vez em uma COP, os delegados incluíram uma linguagem sobre minerais essenciais, como lítio e cobalto, em um texto preliminar de negociação que destacava os riscos associados à sua extração e processamento.
Embora tenha sido deixada de fora da decisão final, a proposta ressaltou as preocupações crescentes de que o afastamento dos combustíveis fósseis poluentes poderia deixar o mundo mais dependente de minerais ligados a problemas ambientais e sociais.
Liberdade política volta à COP
Dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas de Belém no dia 15 de novembro para exigir uma resposta mais forte às mudanças climáticas.
No dia anterior, ativistas indígenas bloquearam a entrada da Zona Azul do local da COP30, permanecendo no local até que pudessem dialogar com as autoridades brasileiras que lideram a cúpula.
E antes disso, um pequeno grupo de manifestantes forçou a entrada na Zona Azul após ter seu acesso negado.
Essas cenas no Brasil democrático foram muito diferentes das três últimas COPs, realizadas em países onde a expressão política é fortemente restringida.
Embora muitos ativistas tenham dito que a cúpula não os incluiu nem os ouviu adequadamente, a sociedade civil foi uma parte mais importante dessas negociações do que foi nos últimos anos.
Com a COP31 marcada para ser realizada na Turquia, os protestos podem voltar a diminuir. O país registrou um dos maiores retrocessos na liberdade de expressão na última década, de acordo com a Freedom House.
Fundo para florestas tropicais
O Brasil entrou na COP30 com uma iniciativa emblemática: o Tropical Forests Forever Facility (Fundo Florestas Tropicais para Sempre ou TFFF), um fundo para apoiar a conservação das florestas tropicais em todo o mundo. O país esperava dezenas de bilhões em promessas, mas o fundo ficou muito aquém.
A Noruega, a Alemanha, a Indonésia e outros países já se comprometeram com mais de US$ 6 bilhões até o momento. O compromisso da Noruega veio com condições que incluem a captação de mais investimentos de outros países, o que significa que ainda há muito trabalho a ser feito.
A decisão do Mutirão Global também reconhece o papel fundamental das florestas no armazenamento de carbono e na manutenção de um clima habitável.
No entanto, um roteiro proposto para acabar com o desmatamento não foi incluído no texto final, com Corrêa do Lago apoiando uma segunda iniciativa semelhante à dos combustíveis fósseis. É uma omissão que alguns consideraram irritante, dado o cenário das negociações.
Se não podemos concordar em acabar com o desmatamento aqui na Amazônia, a pergunta é: “então onde?”, perguntou Juan Carlos Monterrey Gómez, representante especial do Panamá para mudanças climáticas.
Ausência dos EUA
Essa foi a primeira COP sem a presença americana desde que o presidente Donald Trump retornou à Casa Branca - e essa ausência foi sentida, tanto para o bem quanto para o mal.
Os negociadores dos países desenvolvidos, como os da UE, sentiram falta da presença dos EUA para atuar como um impulsionador da ambição, usando seu peso diplomático em momentos críticos com países como a China e a Arábia Saudita.
Houve poucos sinais de que outros estivessem dispostos a entrar no vácuo. Pequim apresentou uma promessa climática pouco expressiva antes da cúpula e manteve um perfil discreto nas negociações.
A Europa permaneceu na defensiva contra acusações de não fornecer financiamento suficiente e medidas comerciais injustas.
No entanto, também houve alívio pelo fato de os EUA não terem interrompido as negociações.
Nas semanas que antecederam a COP30, os Estados Unidos desempenharam o papel de estraga-prazeres nas negociações da Organização Marítima Internacional, que vinha trabalhando há anos para adotar uma nova taxa global sobre as enormes emissões do setor de transporte marítimo.
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