Bloomberg Línea — O governo de Donald Trump está interferindo na independência judicial no Brasil e na Colômbia, disse a diretora da Human Rights Watch (HRW) para as Américas, Juanita Goebertus, à Bloomberg Línea.
O retorno de Trump à Casa Branca também “encorajou líderes que já tinham características autoritárias na região” e mostrou que “não há uma estratégia clara” para a política internacional em relação à Venezuela, de acordo com Goebertus.
A Bloomberg Línea conversou com ela dois dias depois que os EUA sancionaram o ministro do STF Alexandre de Moraes de acordo com a Lei Magnitsky, criada para punir estrangeiros envolvidos em corrupção e violações de direitos humanos.
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Moraes está liderando o julgamento contra Jair Bolsonaro por supostamente planejar uma tentativa de golpe de Estado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Trump se referiu ao julgamento como “caça às bruxas”.
A entrevista com Goebertus também ocorreu quando um juiz colombiano condenou o ex-presidente Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) a 12 anos de prisão, considerando-o culpado de suborno em processos criminais e fraude processual. A decisão já havia sido questionada pelo secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.
“O único crime do ex-presidente colombiano Uribe foi lutar incansavelmente e defender sua pátria”, escreveu Rubio nas redes sociais. “A instrumentalização do judiciário colombiano por juízes radicais estabeleceu um precedente preocupante.”
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Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Goebertus sobre a interferência de Trump na independência judicial da região e o atual cenário dos direitos humanos:
O que a senhora acha da sanção de Trump a Alexandre de Moraes no Brasil usando a Lei Magnitsky?
Estamos muito preocupados. Há uma clara afronta à independência do Judiciário brasileiro. A Lei Magnitsky foi criada para punir pessoas ligadas à corrupção ou a graves violações de direitos humanos, casos de tortura, assassinatos.
Moraes é um juiz que tem sido um bastião fundamental da defesa da democracia no Brasil e cuja única responsabilidade é ser profundamente odiado pelos bolsonaristas por ter defendido os resultados das eleições no Brasil e ter se oposto à tentativa de golpe em janeiro de 2023.

A sanção dos EUA contra Moraes se assemelha às sanções contra o Tribunal Penal Internacional (TPI). Em ambos os casos, as medidas foram tomadas em defesa de seus aliados, Bolsonaro e Benjamin Netanyahu. Isso não deveria ser um alerta para a comunidade internacional?
Sim, o paralelo é muito verdadeiro. Trump procurou retirar recursos e apoio do TPI, em princípio para defender Netanyahu, embora tenha enfraquecido o Tribunal, mesmo em questões que poderiam ser do interesse do governo Trump, como a investigação contra Nicolás Maduro por crimes contra a humanidade.
Sem dúvida, há um uso indevido do regime de sanções para interferir na independência judicial.
O que a administração Biden fez no caso da Guatemala contra a procuradora-geral Consuelo Porras foi diferente: ela fez uso político do processo criminal para perseguir juízes e promotores que lutaram contra a corrupção ou para processar arbitrariamente jornalistas.
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O que a senhora acha de Trump sancionar o juiz brasileiro e os membros do TPI e, ao mesmo tempo, manter conversações com o governo de Maduro?
No caso da Venezuela, francamente, o governo Trump não tem uma estratégia clara, nem mesmo uma estratégia da qual se possa discordar.
Ela assumiu posições extremamente erráticas por meio de seu enviado especial, Richard Grenell, negociando a libertação de prisioneiros em troca do restabelecimento das permissões de exportação de petróleo, o que pode ser explicado do ponto de vista do interesse econômico.
Mas, por outro lado, tomou posições para limitar qualquer possibilidade de proteção internacional para pessoas que defenderam a democracia.
A luta de Trump pelo retorno à democracia na Venezuela ficou no campo do discurso e deixou os venezuelanos abandonados?
Na última troca de prisioneiros, embora tenha permitido a libertação dos 252 venezuelanos que haviam sido arbitrariamente deportados para El Salvador, todos foram entregues diretamente ao regime ao qual os EUA afirmam se opor, incluindo pessoas que eram solicitantes legítimos de asilo por terem sofrido perseguição direta e anterior na Venezuela.
No caso colombiano, quais são as implicações do pronunciamento de Marco Rubio de que o sistema judiciário colombiano está sendo instrumentalizado após a condenação do ex-presidente Álvaro Uribe?
É, francamente, mais uma interferência contra a independência judicial.
A Colômbia tem um judiciário independente e os mecanismos de escolha de juízes garantiram que nenhum setor político controlasse completamente a administração da justiça. Esse foi um processo no qual o ex-presidente Uribe pôde apresentar sua defesa e tem recursos a fazer.
O que o juiz encontrou em primeira instância são provas críveis de fraude processual e suborno de testemunhas. E os fatos teriam ocorrido no âmbito de um processo por violação de direitos humanos, o que é extremamente grave. Portanto, de forma alguma o governo dos EUA pode interferir na administração da justiça na Colômbia.
Existe a preocupação de que os líderes políticos da região, como Daniel Noboa, no Equador, e Nayib Bukele, em El Salvador, estejam seguindo os passos de Trump?
É claro que a eleição de Trump encoraja os líderes que já tinham características autoritárias na região, especialmente porque os EUA, nos últimos tempos, eram um ator fundamental na América Latina para ajudar a promover os direitos humanos, e esse contrapoder não existe mais. Os EUA pararam de defender o estado de direito e os direitos humanos.
Dito isso, com esses líderes: Bukele em El Salvador, com três anos de regime de emergência, além de 86.000 pessoas detidas sem o devido processo legal, e Noboa no Equador, declarando um conflito armado, embora o Tribunal Constitucional tenha dito a ele que isso não existe - sem mencionar a Venezuela, Cuba e Nicarágua, que já são ditaduras estabelecidas - temos na região fenômenos de imenso crescimento do autoritarismo.
Esses fenômenos precedem a eleição de Trump, mas são incentivados e os freios e contrapesos são perdidos quando ele chega ao poder.
Além do abuso da independência judicial, a HRW denunciou abusos de direitos humanos e ataques à sociedade civil durante o governo Trump.
Ainda acredito que, nos piores momentos, e se sabemos alguma coisa sobre isso na América Latina, é que, quando há líderes autoritários, é uma sociedade civil forte e organizada, bem como um jornalismo investigativo rigoroso, que pode exercer resistência suficiente para permitir que os processos de redemocratização ocorram.
Trump sabe disso e, portanto, tomou várias medidas para enfraquecer a sociedade civil, cortando o financiamento internacional, mas também atacando diretamente as organizações e ameaçando tirar-lhes o status fiscal, entre outras medidas.
Felizmente, há uma sociedade civil extremamente forte nos Estados Unidos que não está enfrentando esse tipo de ação pela primeira vez.