Política fiscal de Lula deve obrigar BC a manter Selic elevada, dizem ex-dirigentes

Em entrevista à Bloomberg News, Gustavo Loyola e Luiz Fernando Figueiredo avaliam que o Banco Central está ‘sozinho’ no combate à inflação e pode ser levado a adiar o início da queda dos juros

Banco Central
Por Josue Leonel - Beatriz Reis
23 de Outubro, 2025 | 04:28 PM

Bloomberg — A política fiscal mais expansiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dificulta o controle da inflação e deve obrigar o Banco Central a manter a Selic em 15% por mais tempo, segundo ex-dirigentes da autoridade monetária e economistas do mercado financeiro.

“Uma política fiscal mais gastadora pode levar o Banco Central a atrasar o início da queda dos juros”, disse Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências que presidiu a autoridade monetária entre 1992 e 1993. “O BC está praticamente isolado nessa luta contra a inflação. E, mais ainda, ele enfrenta uma contra-corrente do governo.”

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Ele prevê que a taxa Selic só começará a cair no primeiro trimestre de 2026.

Com o relógio eleitoral já em contagem regressiva para o próximo ano, o Palácio do Planalto tem intensificado a criação e ampliação de programas sociais para impulsionar a popularidade do petista e facilitar sua reeleição, desde iniciativas de crédito imobiliário, que passam a incluir a classe média, até o vale gás.

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Essas medidas têm o potencial de dificultar a queda da inflação ao estimular o consumo e a atividade, que ainda não deram sinais claros de desaquecimento, segundo analistas.

O déficit primário do governo central, que não inclui os estados e municípios, foi de R$ 17,3 bilhões em setembro e o rombo pelo conceito nominal, que inclui os pagamentos de juros da dívida, atingiu R$ 91,5 bilhões.

A equipe econômica tenta buscar alternativas arrecadatórias após a derrota do governo no Congresso em aprovar a Medida Provisória que compensaria a alta do Imposto sobre Operações Financeiras e poderia gerar cerca de R$ 20 bilhões de caixa para o próximo ano. A meta fiscal de 2026 é de um superávit de 0,25% do PIB.

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“O BC está sozinho e quem deveria apoiá-lo está atrapalhando”, afirma Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho da JiveMauá Investments e ex-diretor do BC, ao comentar o efeito dos aumentos de gastos do governo na política monetária. “Um aspecto é que você precisa desacelerar o carro e tem outro acelerando. Então, o BC tem de brecar com mais intensidade.”

Recentemente, o presidente Lula voltou a ser mais enfático sobre a necessidade de uma queda nos juros. Nos primeiros dois anos do terceiro mandato, a relação entre o Executivo e a instituição financeira foi marcada por diversas críticas ao ex-presidente do BC Roberto Campos Neto e a forma como ele conduziu a política monetária.

Conservadorismo justificável

As expectativas de inflação têm recuado nas últimas semanas e até mesmo a inflação corrente dá sinais de desaceleração, em parte graças à queda do dólar e à própria alta da Selic.

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Ainda assim, as expectativas inflacionárias continuam desancoradas, na casa de 4,7% este ano e 4,27% em 2026. O mercado precifica redução da taxa básica apenas entre janeiro e março.

Para Loyola, a cautela do Banco Central é completamente justificável. “Olhando estritamente os números, embora tenha havido uma melhora na inflação e nas expectativas, elas continuam acima da meta, mesmo no horizonte relevante”, disse o ex-presidente do BC.

Embora os diretores demonstrem confiança de que a estratégia de manter a taxa Selic em 15% ao ano pelos próximos meses está surtindo efeito, os esforços da autoridade monetária têm sido, em partes, ofuscados por um mercado de trabalho ainda aquecido, além das preocupações dos investidores com a fragilidade das contas públicas do país.

Em agosto, a taxa nacional de desemprego se manteve em 5,6%, um número historicamente baixo, que estimula os trabalhadores a negociarem aumentos salariais, segundo a Bloomberg Economics.

“Isso ajudou a inflação a se manter resiliente, especialmente em serviços, uma preocupação chave para o Banco Central”, disse a economista da Bloomberg Economics, Adriana Dupita.

BC como única âncora

“O BC não estará apenas só, mas, mais que isso, enfrenta dinâmicas fiscais ou parafiscais que, em vez de ajudarem, atrapalham a efetividade da política monetária”, disse Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do Goldman Sachs. “No atual estágio, a política monetária é a única âncora crível no sistema.”

Ele espera corte da Selic no primeiro trimestre de 2026, mas com risco de ser ainda mais tarde se não houver convergência da inflação para a meta de 3%.

O cenário internacional incerto também é mais um fator que justifica a posição mais conservadora do BC, adicionou Loyola.

“O mundo com tarifas mais elevadas, mais protecionista, significa um menor crescimento global e menos comércio. Como o Brasil faz parte desta engrenagem, ele acaba sofrendo junto.”

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