Bloomberg Línea — O Banco Central ainda tem razões para fazer mais um aumento da taxa de juros na próxima reunião de política monetária em junho, apesar das expectativas de parte do mercado de que o ciclo de aperto tenha se encerrado com a Selic no patamar atual de 14,75% ao ano.
Essa é a visão do economista Alberto Ramos, diretor de pesquisa macroeconômica para a América Latina do Goldman Sachs, que participou de um painel com o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, em um evento do banco de Wall Street em São Paulo na última segunda-feira (19).
As declarações de Galípolo no evento foram interpretadas por operadores como um sinal de que o BC vai interromper os aumentos da Selic.
O presidente da autoridade monetária afirmou que os juros devem ficar elevados por muito tempo e que um eventual corte da taxa básica ainda nem faz parte das discussões do Copom.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Ramos disse que, apesar dos sinais de moderação econômica ressaltados pelo BC, não está claro que estão reunidas as condições para interromper o ciclo de alta da Selic.
“Não vai fazer muita diferença se o BC parar em 14,75% ou 15% do ponto de vista da política monetária. Mas talvez seja um sinal de credibilidade, dado que o quadro da inflação é muito complicado no curto prazo, e que o modelo do BC continua a projetar a inflação ainda bem acima da meta”, afirmou ele em encontro no escritório do Goldman Sachs em São Paulo.
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Para Ramos, a tendência é que o IPCA (o índice nacional de preços ao consumidor, calculado pelo IBGE) se mantenha bem acima da meta de 3% pelo menos até 2027 e, por essa razão, seria justificável subir os juros em mais 0,25 ponto porcentual em junho, que era a expectativa do mercado no início do ano.
“O Banco Central foi tão conservador até agora. Por que iria escolher a opção que é um pouquinho mais dovish? Eu fecharia com um aumento de 25 pontos-base e manteria a mensagem de que o juro ficaria restritivo por um período prolongado”, afirmou.

A economia brasileira tem se mostrado mais resiliente do que o esperado nos últimos meses, e os indicadores mais recentes da atividade têm mostrado um crescimento maior do que as estimativas de economistas.
Além disso, medidas de estímulo recentes anunciadas ou em estudo pelo governo tendem a manter o consumo aquecido à frente, o que dificulta o trabalho do Banco Central de esfriar a economia e reduzir a inflação para a meta.
O programa de crédito consignado para trabalhadores do setor privado, o aumento da faixa de renda do programa habitacional Minha Casa Minha Vida, a proposta de um programa de crédito para entregadores de aplicativo e a medida provisória do setor elétrico, que amplia o desconto no preço de energia para a baixa renda, são algumas dessas medidas.
Diante desse quadro, segundo Ramos, a visão de que a economia brasileira teria uma desaceleração no segundo semestre tem sido colocada cada vez mais em dúvida.
O risco, para o economista, é que o governo continue a buscar outras maneiras “criativas” para manter a demanda aquecida com a proximidade das eleições de 2026, fazendo com que as projeções de inflação do BC fiquem subestimadas.
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“O presidente Galípolo disse que você não toma antibiótico antes de se sentir mal. É perfeitamente legítimo. O BC não vai atuar de uma forma preventiva a algo que não aconteceu. Mas tem que estar no balanço de riscos”, disse Ramos.
O economista também alertou que, com o ciclo eleitoral, o governo tende a concentrar a execução orçamentária no segundo semestre de 2025 e a antecipá-la em 2026, o que intensifica os estímulos à demanda.
Segundo Ramos, esse impulso adicional à atividade reforça os riscos inflacionários e limita ainda mais o espaço para cortes de juros. “Hoje, a única âncora macroeconômica crível no Brasil é a política monetária”, afirmou ele.
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Cenário internacional
Sobre as perspectivas para a economia brasileira diante do cenário internacional incerto, com as tarifas de Donald Trump, Ramos disse avaliar que o dólar mais fraco e os juros americanos em trajetória menos agressiva criaram condições mais favoráveis para mercados emergentes como o Brasil.
“Não diria que a história local ficou uma maravilha. Os problemas fiscais não são melhores do que a posição fiscal em dezembro. Mas mudou um pouco o contexto”, afirmou Ramos.
A combinação de ativos brasileiros depreciados, juros reais elevados e uma percepção de que o país foi relativamente pouco afetado pela nova configuração das tarifas do presidente Donald Trump ajudou a atrair capital estrangeiro.
A avaliação dos investidores, segundo ele, é pragmática, e o Brasil aparece como uma alternativa interessante. “O investidor estrangeiro olha a taxa de juros real a 7%. O Ibovespa estava descontado”, disse.
Quanto ao impacto de uma eventual recessão nos Estados Unidos ou de uma desaceleração global, Ramos vê o Brasil relativamente protegido por uma característica que, paradoxalmente, é negativa: sua baixa integração ao comércio internacional.
Ainda assim, ele alerta para um risco mais relevante: uma aversão global ao risco, que poderia levar à fuga de capitais. “Me preocupa mais, para o Brasil, um choque de aversão ao risco global do que uma desaceleração mundial.”
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