Bloomberg Línea — O Comitê de Política Monetária (Copom) precisaria adotar uma postura mais dura que a atual para atingir a meta de inflação de 3% ao ano no longo prazo e aumentar a sua credibilidade perante o mercado, na visão de Fabio Kanczuk, diretor de macroeconomia do ASA e ex-diretor de política econômica do Banco Central.
Em entrevista à Bloomberg Línea, Kanczuk disse avaliar que o BC pode agir de forma precipitada se decidir encerrar o ciclo de alta com a Selic no atual patamar de 14,75% ao ano já na próxima reunião nos dias 17 e 18 de junho, como é esperado por parte dos agentes de mercado com base em sua comunicação.
Na visão de Kanczuk, a taxa de juros teria que subir a um nível ainda mais restritivo – perto de 18% ao ano – para frear a economia e ancorar as expectativas de inflação no prazo longo, de modo a fazer com que o IPCA retorne à meta do BC.
“A leitura deles [dos diretores do BC] é que, quando a inflação corrente cair, a expectativa vai normalizar. Eles são explícitos. Tenho a opinião de que primeiro você normaliza a expectativa longa, depois a corrente acaba dando certo”, disse Kanczuk, em entrevista recente no escritório do ASA em São Paulo.
A instituição financeira foi fundada por Alberto Safra em 2020 e atua nos segmentos de Asset Management, Empresas, Private e Wealth Management.
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Diretores do Banco Central, liderados pelo presidente Gabriel Galípolo, que assumiu o comando em janeiro deste ano, elevaram a Selic em 0,50 ponto percentual em maio e decidiram deixar em aberto o cenário para a próxima reunião diante das incertezas no cenário internacional e doméstico.
Agentes do mercado e economistas têm interpretado que o BC deve interromper o ciclo de aperto monetário já na próxima reunião, embora alguns analistas vejam a possibilidade de mais um aumento de 0,25 ponto percentual.
Kanczuk foi diretor do BC entre 2019 e 2021, período em que a taxa básica de juro ficou no patamar historicamente baixo de um dígito médio, diante justamente de expectativas ancoradas na maior parte do tempo. Também foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no governo de Michel Temer.
Ele ressaltou o fato de que a atividade econômica tem surpreendido para cima. E que, além disso, o governo não tem mostrado disposição para reduzir os estímulos fiscais, o que tende a manter as expectativas de inflação pressionadas e fora da meta do Banco Central.
“Eu ficaria dando aumento de 25 pontos-base atrás de 25”, disse Kanczuk. “Se você quer ancorar a expectativa, você faz essas coisas.”
Leia a seguir os principais trechos da entrevista, editados para fins de tamanho e clareza:
Os dados de atividade têm surpreendido para cima e isso tem levantado questões sobre a visão de que o Banco Central poderia encerrar o ciclo de aperto monetário. Como esse quadro afeta a política monetária?
É preciso separar a análise positiva e a análise normativa. A positiva é o que eu acho que vai acontecer. A normativa é o que eu faria. Infelizmente, as duas análises estão completamente diferentes já há uns dois anos. Abriu-se um leque imenso.
Tenho a opinião de que a coisa mais importante que o Banco Central faz é deixar a expectativa ancorada. E quando falamos de ancoragem, estamos falando da expectativa longa. Não é a expectativa de um ano ou um ano e meio. Mas depois disso. Tem a ver com política monetária mesmo.
Para além do horizonte relevante, você diz?
Isso. O horizonte relevante do Brasil é de um ano e meio. Em outros países, são três. Porque o efeito em um ano e meio é pequeno. Um aumento de 100 bps [pontos-base] de Selic dá [um recuo de] 0,35 ponto de inflação. Parece uma coisa desanimadora. Mas no horizonte mais longo o efeito vai ficando cada vez maior. Você põe a inflação onde você quer no horizonte longo. Ali é onde o Banco Central tem o poder de verdade.
O mais importante é as pessoas acreditarem que você vai fazer eventualmente aquilo ali [alcançar a meta]. Para mim, isso é mais importante do que a inflação corrente estar na meta.
Como agir então?
Acho que se chegou a um ponto que para dar um sinal de que você está sério sobre isso, seria impossível não “queimar dinheiro”. “Queimar dinheiro”, nós falamos em Teoria dos Jogos, é que você tem que fazer uma coisa que vão olhar e vai parecer que você está fazendo uma loucura. Minha opinião é isso. Seria preciso colocar a economia em uma recessão para ancorar essa expectativa agora. Não vejo outra forma de fazer isso.
Agora, o que eu acho que eles [o Banco Central] vão fazer? Eles vão parar de subir a Selic na próxima reunião. Ele [o BC] está com uma leitura de mundo diferente da minha. A leitura deles é que quando a inflação corrente cair, a expectativa vai normalizar. Eles são explícitos. Tenho a opinião de que primeiro você normaliza a expectativa longa, depois a corrente acaba dando certo.
Você não vê nenhum sinal de que isso vai acontecer? De que a expectativa longa vai cair?
Nenhum sinal. A minha opinião normativa é: o BC tem que ser muito mais duro se quiser fazer isso. E a minha opinião, a positiva, é: ele vai parar de aumentar a Selic na próxima reunião, e a chance de ancorar a expectativa longa é muito diminuta. Precisa ter muita sorte. Não acho que ancora, não.
Nem com esse nível de Selic atual?
Não. Se você deixar nesse nível de Selic pelos próximos três anos, cinco anos, começa a fazer efeito. Põe economia em recessão, sim. Não acho que eles deixam. Mas como o BC vai prometer que vai manter a Selic estável pelos próximos sei lá quantos anos? Não faz efeito nenhum, porque ninguém acredita.
De quanto precisaria ser a Selic então?
Já que o Banco Central está sem essa credibilidade, ele teria que botar Selic em números do tipo 18% [ao ano]. Com a Selic em 18%, vai machucar a atividade. As pessoas podem dizer: “pô, mas você é louco?”. Acho que é o melhor para a sociedade. Melhor para a parte mais pobre da população. Você faz isso agora, depois eles têm a inflação baixa. Vai compensar.
O Copom estaria sendo precipitado se decidir encerrar o ciclo agora em 14,75% ao ano?
A minha opinião normativa diria que sim. Acho que tem que continuar [subindo]. Eu ficaria dando aumento de 25 pontos-base atrás de 25. Depois mais 25. Mas as pessoas vão dizer: ‘está louco?’ E mais uma de 25, mais uma de 25. Se a economia começar a sentir, mais uma de 25. Vão falar: ‘você vai acabar com o país’. Então mais uma de 25. É assim. Se você quer ancorar a expectativa, você faz essas coisas.
Tivemos algo semelhante assim com o Ilan Goldfajn [ex-presidente do BC, entre 2016 e 2019]. A turma dizia: ‘corta esse juros, você está louco’. A economia estava horrível. Desemprego lá em cima. E ele disse: ‘não, não vou cortar’.
Eu estava no Ministério da Fazenda. O pessoal estava louco com eles. Quando a expectativa ancorou, o BC falou: ‘ok, começa a cortar’.
Seria preciso um choque ainda maior agora?
Para ancorar, seria isso. Agora, dado que querem parar em 14,75% [ao ano], a minha provocação é: ok, mas o efeito não é de uma taxa a 14,75%. A curva futura já está toda empinada para o inverso. Os juros entre um ano e dois anos estão menos que 14%. Está mais perto de 13,5%. Esse é o juro que está sendo praticado. Não é 14,75%. Isso que eles ainda não pararam. Quando parar, a curva fecha mais ainda.
O desafio então é manter a Selic no nível atual, mas seguir com o discurso de que os juros seguirão elevados?
Eles vão ficar fazendo isso. A proposta deles é essa. Põe a Selic em 14,75%. E daí em toda a reunião fala: eu vou ficar para o período prolongado. E a curva vai ficar com 14,75%, trabalhando na prática a 13,75%. O próprio fato de o BC não querer se comprometer [com mais um aumento de 0,25], para mim, é mais um indicativo que ele não vai cumprir. E ele vai cortar esses juros antes do que deve.
Por isso, muitos estão colocando dinheiro no pré-fixado, vendo que o BC não vai cumprir, não. Eu sou um dos que estão empurrando a curva para baixo mesmo.
Quando pensa que o BC começaria a cortar os juros?
Se tiver recessão nos Estados Unidos, uma possibilidade legítima é o Banco Central cortar neste ano, por volta de setembro. Se não tiver recessão, no começo do ano que vem ele corta também. Um bom chute é falar que vai ser uma reunião depois do Fed. O Fed corta, o BC corta em seguida.
Como avalia o risco de recessão nos Estados Unidos?
Nós estamos com uma visão diferente do consenso. Nós achamos que a probabilidade de recessão é maior. Porque mesmo depois do acordo com a China, a incerteza continua elevada. Incerteza é um choque diferente do choque de tarifa. É para isso que chamamos a atenção.
O efeito da tarifa para o empresário é: ‘vai ter uma tarifa de 20% ali, vai ser muito mais custoso para mim. Vou ter que aumentar o preço, vou vender menos’. Isso tem um efeito sobre a atividade econômica
O efeito de incerteza é: ‘eu não sei de quanto vai ser a tarifa, não sei em que país vai ser a tarifa. Como eu não sei, o melhor que eu faço é adiar a minha produção. Adio alguns meses. Prefiro esperar para ter um pouco de clareza’.
E o racional é postergar investimento. Isso tem um efeito muito grande sobre investimento, consumo de bens duráveis. Para nós, é suficiente para colocar a economia em recessão. Não é uma recessão longa, porque depois que a incerteza se desfaz, a economia volta com tudo. Mas é suficiente.
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