Empresa global aposta em biotecnologia com RNA para combater pragas no agro do Brasil

Catie Lee, VP global da GreenLight Biosciences, conta à Bloomberg Línea os planos para crescer no país com tecnologia que promete não deixar resíduos, ser biodegradável e ter menor risco toxicológico - e que atraiu Al Gore como investidor

GreenLight Biosciences
07 de Agosto, 2025 | 12:20 PM

Bloomberg Línea — A americana GreenLight Biosciences chegou ao Brasil com uma meta ambiciosa: mudar a forma como se combate pragas e plantas daninhas no campo com o uso de biotecnologia baseada em RNA.

A proposta da empresa é adotar no país uma nova geração de tecnologia à base de RNA (RNAi), que promete “silenciar” genes de pragas específicas sem afetar outros organismos.

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Basicamente, a tecnologia de RNA age diretamente sobre a praga e interrompe a produção de uma proteína vital para sua sobrevivência.

Por enquanto, a empresa tem disponível o Fortivance, que maximiza a eficiência de inseticidas por meio de uma formulação inspirada na tecnologia de RNA. O produto marcou a estreia da GreenLight Biosciences no país.

Mas há outros lançamentos no forno: a empresa está em processo para registrar outros produtos nos próximos anos. O foco inicial está na fruticultura, mas a ambição é alcançar as grandes culturas, como soja, milho, algodão e feijão, nos anos seguintes.

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Essa tecnologia promete não deixar resíduos, ser biodegradável e apresentar menor risco toxicológico. Para a companhia, esses diferenciais podem acelerar a adoção global.

“Nosso objetivo é chegar com preços semelhantes aos que o produtor já paga hoje, mas com muito mais segurança e sustentabilidade”, disse Catie Lee, vice-presidente global de Public Affairs da GreenLight Biosciences, à Bloomberg Línea.

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No Brasil, a CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) atestou que as soluções RNA da empresa não são organismos geneticamente modificados. Com isso, foi possível dar início aos testes experimentais de dois produtos, sendo um para tratar fungos em videiras e outro para ácaros que atingem culturas diversas, como a citricultura e a cafeicultura.

Segundo a empresa, o processo de registro nas agências reguladoras costuma ser uma das etapas mais demoradas.

No Brasil, a empresa já finalizou o Registro Especial Temporário (RET) junto às três agências reguladoras brasileiras, o Ministério da Agricultura (MAPA), a Anvisa e o Ibama.

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Agora, a empresa está na fase final de preparação do dossiê para submissão às três agências com o protocolo previsto para o segundo semestre de 2025.

A expectativa é obter o registro oficial desses produtos no ano que vem.

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Nos Estados Unidos, o primeiro produto da empresa, chamado Calantha, voltado ao controle do besouro-da-batata-do-colorado, alcançou 10% de market share já no primeiro ano de vendas.

O Calantha é atualmente o único produto foliar à base de RNA disponível no mundo, com uso autorizado também na Ucrânia e com registro submetido à União Europeia.

A empresa também planeja ser a primeira a registrar um acaricida (Norroa, para controle do ácaro varroa) e um fungicida (Powdery Mildew) também com base nessa tecnologia.

GreenLight Biosciences

“Com o Calantha, nos tornamos o segundo produto mais usado no controle do besouro-do-colorado em batatas nos EUA”, disse Lee.

Quando a empresa anunciou, em março, a sua chegada no Brasil, ela recebeu um aporte de US$ 25 milhões da Just Climate, uma gestora de investimentos cofundada pelo ex-vice-presidente dos EUA Al Gore - que atua como sócio-fundador e presidente do conselho.

A produção à base de RNA é feita nos EUA, mas a empresa busca nos próximos cinco anos lançar pelo menos dez produtos, dos quais cinco serão destinados ao Brasil. Além disso, a empresa prevê ampliar sua capacidade produtiva em dez vezes para atender a demanda.

Esse movimento da empresa faz parte de uma tendência global por produtos mais sustentáveis no campo.

Biológicos de terceira geração

A chegada da GreenLight Biosciences no país reflete a movimentação por biológicos de última geração no país. No mesmo segmento, atua também a startup Bsafe Biotech, do empreendedor brasileiro José Thomé.

Lee explicou que o custo para desenvolver um defensivo de RNA pode ser menor do que o de um químico convencional.

“Podemos reduzir de 10 a 15 anos para 3 a 4 anos o tempo entre descoberta e lançamento. E o custo cai cerca de 90%”, disse.

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Segundo ela, isso é possível em grande parte porque os estudos regulatórios exigidos para produtos RNA são menos complexos, dado o menor risco toxicológico.

“A tecnologia por si só é tão segura que é improvável que cause algum dano.”

A empresa já iniciou conversas com a Embrapa e negocia com cooperativas, revendas e grandes distribuidores. A comercialização no país será feita por meio de múltiplos canais, incluindo vendas diretas e distribuidores parceiros.

A companhia vê o país como um terreno fértil para inovação, especialmente com o avanço da agricultura regenerativa e a maior cobrança por práticas sustentáveis, como se espera da próxima COP 30 em Belém, no Pará.

“Queremos tornar o RNA tão acessível quanto qualquer outro defensivo. A diferença é que ele traz segurança para o aplicador, não deixa resíduos e protege o ecossistema. É tecnologia feita para durar”, disse Lee.

Expansão no Brasil

Os primeiros testes dessa tecnologia serão concentrados em regiões produtoras de frutas como o Vale do São Francisco, onde o controle de resíduos é uma exigência importante para exportações.

“Uma das belezas da nossa tecnologia é que você não precisa se preocupar com resíduos. É um produto biodegradável. Você poderá aplicá-lo sem pensar se terá resíduos detectáveis ao exportar para a Europa.”

A executiva disse que o Brasil é estratégico não apenas pelo tamanho do mercado agrícola mas pela abertura à inovação. No país, a empresa atua desde 2023 e mantém um escritório em Piracicaba, no interior de SP.

Na América Latina, a empresa disse que montou um escritório no México e também tem focado nas entradas de produtos em outros países, como Argentina, Chile, Uruguai e Colômbia.

“O governo está ‘louco’ por esse tipo de tecnologia”, afirmou. “A Embrapa nos procurou dizendo: ‘nós precisamos conversar, isso é exatamente o que estamos buscando’.”

Apesar da movimentação de grandes empresas do setor para ampliar seu portfólio biológico, Lee disse que a GreenLight Biosciences não está em busca de ser adquirida.

“Estamos confiantes de que temos a tecnologia e o time certo para escalar com independência”, afirmou.

Para a empresa, a meta agora é colocar a tecnologia nas mãos de um número crescente de agricultores o quanto antes.

“O sonho da empresa é escalar o impacto da tecnologia. Mas sempre ajudando o agricultor a produzir de forma mais eficiente, segura e sustentável.”

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Naiara Albuquerque

Formada em jornalismo pela Fáculdade Cásper Líbero, tem mestrado em Ciências da Comunicação pela Unisinos, e acumula passagens por veículos como Valor Econômico, Capricho, Nexo Jornal e Exame. Na Bloomberg Línea Brasil, é editora-assistente especializada na cobertura de agronegócios.