Do estigma ao bilhão: como o agro pode estimular a regulação da cannabis no Brasil

Potencial de produção da planta no campo e seu uso na indústria tendem a mudar o foco da discussão e superar o preconceito com o uso recreativo para impulsionar a economia, disse a CEO da ExpoCannabis Brasil, Larissa Uchida, à Bloomberg Línea

De estigma a bilhão: como o agro pode estimular a regulamentação da cannabis no Brasil
Por Daniel Buarque
11 de Dezembro, 2025 | 03:47 PM

Bloomberg Línea — Uma planta cercada de estigmas e limites jurídicos tem um mercado legal que já se tornou bilionário no Brasil, mesmo antes da regulamentação do seu cultivo em escala industrial.

A cannabis avança na economia brasileira e apresenta um potencial cada vez mais promissor para o agronegócio do país, de acordo com Larissa Uchida, CEO da ExpoCannabis Brasil, maior evento do setor na América Latina.

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“Temos estudos que apontam que o país já gera mais de R$ 1 bilhão em negócios nos setores regulamentados”, disse Uchida em entrevista à Bloomberg Línea.

O cálculo considera desde a venda de produtos farmacêuticos até a comercialização de fertilizantes, acessórios e equipamentos de cultivo pessoal. A regulamentação do uso industrial da planta, segundo ela, multiplicaria as cifras.

Apesar do avanço do mercado, a percepção pública continua concentrada no chamado uso recreativo (ou uso adulto e social, como o setor prefere chamar), o que realimenta preconceitos e dificulta a leitura de uma cadeia que se expande e atrai setores diversos da indústria.

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“O preconceito em torno do tema ainda é grande. Esse tema ainda é tabu para grande parte da sociedade”, disse Uchida. Para ela, a falta de informação afasta empresas e investidores de um mercado que já opera de maneira formal e tende a crescer com a próxima etapa regulatória.

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“Enquanto a população enxergar a maconha só como uso adulto e social, vamos perder uma grande oportunidade de o Brasil se posicionar como um dos maiores produtores de cânhamo do mundo”, disse.

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Para a executiva, a combinação de dados de mercado, aproximação institucional e aumento do interesse em saúde indica uma transição do tema para o campo econômico.

“Estamos conseguindo quebrar o tabu. A cada ano que passa, mais pessoas de diferentes áreas se interessam em falar sobre o tema”, afirmou.

Segundo ela, a discussão deixa de ser restrita ao debate moral e passa a envolver emprego, renda, competitividade agrícola e inserção internacional.

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A regulamentação industrial, somada às margens superiores às de culturas tradicionais e ao potencial de exportação, deve determinar o ritmo desse avanço.

O mercado medicinal da cannabis é o que está mais avançado no país, explicou Uchida, e já “é completamente regulamentado”.

Pacientes podem adquirir produtos em farmácias mediante prescrição, por meio de associações, via importação direta com autorização da Anvisa ou, em alguns casos, por meio de liminares judiciais que permitem cultivo individual.

O avanço que interessa ao agronegócio e a outras indústrias, porém, está na regulamentação do cultivo para fins industriais, esperada para ser discutida no país no primeiro semestre de 2026.

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Uchida disse ver espaço para que o Brasil siga um caminho distinto do modelo americano, em que o uso medicinal e recreativo impulsionou a regulamentação antes do agro e da indústria.

“Eu acredito que no Brasil temos uma tendência a regulamentar antes o uso industrial do que o uso social e adulto, por causa do agronegócio.”

A avaliação se apoia em comparações de rentabilidade entre o cânhamo e culturas tradicionais.

Segundo a executiva, o setor tem estudos que mostram que a soja gera retorno líquido médio de R$ 2.000 por hectare, enquanto o milho rende cerca de R$ 3.300.

No cânhamo, os valores de retorno podem ser de R$ 9.000 por hectare no cultivo de fibras para a indústria têxtil, de R$ 12.000 para a produção de sementes voltadas a alimentos e biocombustíveis e de até R$ 23.000 para flores destinadas à extração de CBD medicinal.

“Quando o produtor de soja e milho se depara com esses resultados, a conversa muda”, afirmou, apontando o caminho para a regulamentação.

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O potencial econômico inclui atributos ambientais que podem se converter em vantagens competitivas. Segundo Uchida, trata-se de uma planta que consome menos água, ajuda na recuperação do solo e pode gerar crédito de carbono.

“Além do retorno financeiro melhor, estamos cumprindo com as ODS relacionadas à sustentabilidade.” Esse pacote amplia o interesse de indústrias como a têxtil, a de alimentos e bebidas, a de construção civil e a de biocombustíveis.

A terceira edição da ExpoCannabis Brasil, realizada em novembro, recebeu 45 mil visitantes, segundo Uchida.

Apesar do estigma associado à maconha, “a feira se posiciona como uma de negócios da cannabis”, afirmou a executiva.

A lista de expositores corrobora o perfil voltado a negócios, com fabricantes de embalagens, laboratórios de extração, empresas de iluminação, nutrição vegetal e maquinário para cultivo em larga escala. Para Uchida, isso indica que a cannabis começa a ser vista como indústria, não como nicho.

Daniel Buarque

Daniel Buarque

Editor-assistente