Como a Roncador se tornou referência no agro com foco na pecuária sustentável

Pelerson Penido Dalla Vecchia, o Peleco, contou à Bloomberg como fez da partilha da antiga Roncador, que já foi considerada a maior fazenda do Brasil, um grupo que combina recomposição de áreas, intensificação produtiva e tecnologias regenerativas

Gado do grupo Roncador
11 de Setembro, 2025 | 09:55 AM

Bloomberg Línea — Do bairro da Vila Madalena, em São Paulo, o empresário Pelerson Penido Dalla Vecchia, mais conhecido como Peleco, abre no computador planilhas e mapas de suas fazendas: uma operação que se tornou referência em sustentabilidade no agro e fornece gado para uma das maiores empresas de alimentos do mundo, a JBS.

Peleco administra o Grupo Roncador, holding com presença em Mato Grosso e São Paulo que, entre 2023 e 2025, investiu R$ 272 milhões em um plano que combina recomposição de áreas, intensificação produtiva e tecnologias regenerativas.

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O pacote inclui linhas de energia, aquisições, arrendamentos, a primeira fase de pivôs, a expansão da biofábrica e do “braço” de mineração.

E o plano para o futuro prevê mais crescimento, mas com parcimônia.

“Não temos a intenção de ‘engolir o mundo’. Vamos crescer com o que é bom, sem uma fome enorme por tamanho. No fim do dia, nada é realmente nosso, nós vamos embora e fica tudo aí. Por isso, me sinto muito mais um ‘tomador de conta’ do que um dono“, disse Peleco em entrevista à Bloomberg Línea.

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A antiga Roncador, que era do avô de Peleco e tinha o título de maior fazenda do país, passou por uma partilha societária entre os irmãos sobre os 153 mil hectares no Mato Grosso. O processo foi concluído em 2024.

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Com Peleco ficaram 53.000 hectares, em uma área que abriga um rebanho de cerca de 70.000 bovinos - entre bois e matrizes. O restante foi partilhado entre os dois irmãos.

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De lá pra cá, Peleco intensificou os investimentos nas propriedades que são suas e naquelas arrendadas.

Peleco, da Roncador

Além da área principal, a companhia opera 34.000 hectares arrendados em duas fazendas no Mato Grosso. Ao somar as áreas próprias e as arrendadas, o grupo opera com cerca de 92.000 hectares.

O grupo também mantém e arrenda áreas no Vale do Paraíba, no sul do estado de São Paulo, que somam 5.900 hectares entre terras próprias e arrendadas. São áreas de pecuária de cria, nas quais a empresa atua com intuito de ajudar a regenerar.

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“Não vejo muito sentido em comprar terra hoje; prefiro manter musculatura e arrendar por dez anos”, disse.

Com a reorganização, a Roncador deslocou a cria para as áreas arrendadas e liberou as mais férteis para a integração lavoura-pecuária.

“O que perdemos de área com a cisão, nós arrendamos perto da fazenda [no Mato Grosso]”, disse Vecchia.

“Hoje são cerca de 25.000 matrizes e a meta é dobrar para 50.000 com arrendamentos de longo prazo, de pelo menos dez anos.”

E também aumentou a população de gados por hectare: enquanto a média nacional da pecuária é de cerca de 0,7 cabeça por hectare, a Roncador trabalha com até 10 cabeças por hectare.

Na safra 2024/25, o grupo também cultivou 18.828 hectares de soja, além de feno e milho na seca, em um desenho que alterna áreas entre lavoura e gado ao longo do ano para mitigar risco climático e otimizar a lotação.

No front comercial, a fazenda vende aproximadamente 50.000 bois por ano em contratos de longo prazo com a JBS, relação que hoje responde pela compra de “basicamente tudo” do que é produzido em gado, segundo o executivo.

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O planejamento alimentar dos animais também está presente nos negócios. “Se o milho está caro, nós plantamos; se está barato, compramos e travamos [o preço]. E trabalhamos com estoque de dois anos entre feno e silagem”, explicou.

No campo, a alternância de usos ajuda a enfrentar o clima e suas mudanças e a organizar o planejamento alimentar.

O grupo intensifica a lotação na área, sem faltar volumoso (capim ou feno) na seca: são “30 e poucas mil” bolas de feno por ano, além de silagem, com a pecuária se espalhando pelas áreas onde a soja já foi colhida.

Além da Roncador, o empresário disse que faz outros investimentos com “propósito”. Ele aportou cerca de R$ 20 milhões na Raiar, produtora de ovos orgânicos, é sócio em alguns projetos da construtora Idea Zarvos e, mais recentemente, investiu cerca de R$ 5 milhões no projeto de uma escola.

Mineração e biológicos

A espinha dorsal do manejo nas fazendas combina remineralizadores, biológicos e adubo orgânico do confinamento.

O grupo aposta no silicálcio, um tipo de pó de rocha, obtido a partir de suas minas de calcário agrícola, para reduzir a utilização de químicos e aumentar a capacidade de troca de cátions (CTC) e a fertilidade do solo.

A área tratada com o mineral saltou de 409 hectares na safra 2020/21 para 7.500 hectares em 2024/25.

O uso do mineral também aumentou a produtividade e tem rendido, segundo Vecchia, “10 sacas a mais de soja” por hectare nas áreas tratadas.

“Quanto menor o teor de cálcio, maior a presença de micronutrientes; o pó de rocha deixa de ser só corretivo e passa a agir quase como um fertilizante. Quando começamos a usá-lo, também passamos a produzir a ‘sopa de floresta’ para repovoar as áreas produtivas com microrganismos da mata”, disse Vecchia.

Na pecuária intensiva, o confinamento das fazendas tem capacidade estática de 12.400 cabeças e gera 22.300 toneladas anuais de esterco, que são compostadas e aplicadas nas lavouras. Essa estratégia, segundo o executivo, ajuda a “fechar” o ciclo de nutrientes e a reduzir a dependência de químicos.

A adoção de defensivos biológicos ganhou escala nos últimos anos nas fazendas do grupo.

Em 2024, a Roncador conduziu 100% da área com “soro inteligente”, reduziu em 81% o ingrediente ativo químico por hectare e utilizou moléculas tradicionais apenas quando necessário, explicou.

A operação de mineração reforça essa arquitetura.

A produção de calcário, estimada em 1,5 milhão de toneladas em 2024, deve subir para 2,5 milhões com expansão de capacidade e alcance de mercado. “É um bom negócio”, disse o empresário, que prevê vender o componente no futuro.

Integração

Além dos remineralizadores - o pó de rocha, no solo -, o grupo tem utilizado uma “sopa de floresta”, um tipo de condicionador produzido on-farm na biofábrica do grupo que ajuda a revitalizar os nutrientes da terra.

Ainda nessa frente, o abate do grupo ocorre entre 15 e 20 meses, o que ajuda a reduzir emissões entéricas.

Os resultados aparecem no balanço de gases de efeito estufa: o indicador, que já foi positivo no passado, tornou-se negativo em ciclos recentes, ao mesmo tempo em que a produção cresceu.

Na soja, a produtividade chegou a 71 sacas por hectare na safra 2024/25; no milho safrinha, a 130 sacas por hectare em um ano de clima favorável - patamar acima da faixa histórica de até 100 sacas por hectare.

Na pecuária, o grupo também elevou a produção por hectare nos últimos anos, apoiado pela adubação orgânica, pelo manejo de pastagens e pelo planejamento alimentar desde 2016.

Futuro do negócio

Outra peça estratégica importante para o futuro do grupo é a irrigação. A Roncador instalou 890 hectares de pivôs centrais; em 2026, a meta é adicionar mais 821 hectares.

O projeto, segundo o executivo, será o “seguro climático” do grupo contra os veranicos e tem potencial para chegar a 10.000 hectares ao longo dos anos, com R$ 22 milhões investidos na primeira etapa e mais R$ 16 milhões previstos na sequência.

O intuito, explicou Vecchia, é “verticalizar” a produtividade nos locais em que a fazenda já opera, em vez de comprar novas áreas.

Em paralelo, a companhia pretende elevar a área agrícola de 18.000 hectares para até 23.000 hectares no curto prazo, dobrar o número de matrizes e seguir com a expansão da produção de calcário.

“Nós dobramos de área, dobramos tudo, mas o plano é manter a saúde do negócio e fazer o que entendemos que são as coisas certas.”

Nos últimos anos, Vecchia foi convidado a participar do grupo de sistemas alimentares em fóruns internacionais, como o G20, e, neste ano, para a COP30.

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