Mercado subestima pressões em inflação nos EUA, diz Charles Ferraz, CIO global do ASA

Em entrevista à Bloomberg Línea, chefe de investimentos global da instituição de Alberto Safra aponta fatores que representam riscos sobre os preços não precificados em ativos de renda fixa, uma visão que já se mostrou acertada ao longo deste ano

New York Stock Exchange (NYSE)
25 de Novembro, 2025 | 06:04 AM

Bloomberg Línea — A força da economia americana surpreendeu neste ano, o que favoreceu o desempenho de ações, mas, ao mesmo tempo, o mercado subestimou as pressões inflacionárias nos Estados Unidos e continua a não precificá-las adequadamente, segundo Charles Ferraz, Head de Investimentos (CIO) Global do ASA.

Diante desse cenário, a instituição financeira fundada por Alberto Safra optou por reduzir posições em renda fixa longa, encurtando os prazos e alocando em ativos atrelados à inflação.

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Segundo o experiente gestor, não faltam fatores para sustentar uma inflação mais alta, além do que os ativos hoje refletem: o aumento do estímulo fiscal neste ano e no próximo, a política monetária menos restritiva após o começo dos cortes de juros, resultados corporativos robustos, restrições à mão de obra (via imigração) e o efeito das tarifas de importação, que ainda deve aparecer nos preços.

“Até imaginamos que o Fed vai continuar cortando. Vão cortar mais uma, duas vezes eventualmente. Só que isso vai ser mais estímulo, que vai pegar uma economia aquecida, e pode gerar mais inflação”, disse Ferraz em entrevista à Bloomberg Línea, a sua primeira depois de assumir o cargo no ASA em março.

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O executivo, que fica baseado em Nova York, se juntou ao ASA depois de trabalhar quase duas décadas no Itaú, em que atuava como CIO (Chief Investment Officer) global da gestora do banco brasileiro.

Em visita recente ao Brasil, Ferraz afirmou que o ASA adotou uma posição comprada em ações dos EUA depois das quedas expressivas em abril, movimento que se mostrou acertado em um momento de desconfiança do mercado. Mas, com o recente otimismo generalizado, a empresa reduziu a exposição.

“Hoje, vemos o mercado muito mais na linha do que estávamos pensando. Se já está todo mundo mais otimista, é hora de reduzir um pouco e esperar”, disse ele em encontro na sede do ASA, em São Paulo, no início de novembro.

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Ferraz avalia que, após o “beta” inicial das ações, a próxima etapa dependerá muito da gestão ativa, sobretudo em temas como inteligência artificial e energia, setores em que há oportunidades mas também incertezas sobre vencedores e perdedores.

Por essa razão, ele disse defender maior diversificação e uso de gestores especializados em estratégias de investimento offshore.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, editados por razões de tamanho e clareza:

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O que tem chamado mais a sua atenção no mercado do ponto de vista de estratégia?

Vemos um sinal claro de uma economia americana ainda muito saudável. Em abril, houve a questão de tarifas, a qual o mercado reagiu para baixo. A nossa visão foi a de que isso iria se dissipar. É um ruído com impactos econômicos, mas é mais um ruído.

Entendemos que, quando passasse essa conversa de tarifa, o mercado começaria a olhar a agenda pró-crescimento, com outras medidas do governo que apontam mais para a linha de um crescimento mais robusto. Essa avaliação nos fez tomar uma posição comprada em ações americanas, o que se mostrou uma decisão correta.

E na renda fixa?

A renda fixa é preocupante. Até imaginamos que o banco central americano vai fazer mais cortes de juros, mas, em algum momento, a questão fiscal vai atrapalhar. Os mercados vão começar a colocar no preço um juro eventualmente maior do que se imagina.

Achamos também que a inflação seria mais resiliente. Os mercados estavam precificando a inflação relativamente mais baixa do que achávamos. Com isso, alocamos mais em bolsa e reduzimos um pouco da renda fixa - título público de longo prazo. Reduzimos o prazo das carteiras e a posicionamos mais pró-crescimento, o que se mostrou uma boa decisão.

Charles Ferraz, Global Chief Investment Officer (CIO) do ASA

Foi o que aconteceu. Como evoluiu essa visão?

O mercado andou para a nossa direção. Nós continuamos a gostar de ter investimentos que vão ganhar se a inflação for mais alta, porque nós achamos que as tarifas ainda vão aparecer no preço.

A economia está mais forte do que se imagina. É mais provável que tenhamos uma surpresa de crescimento positiva do que surpresas negativas.

Também estávamos bem preocupados, e continuamos na verdade, com a questão geopolítica. Guerras, confusões. Queríamos ter uma coisa no portfólio que nos protegesse desse cenário. Então compramos ouro lá atrás com esse objetivo. Foi uma carteira que teve um excelente resultado.

Sua visão mudou de lá para cá, depois que a bolsa se recuperou?

Fazemos uma avaliação todo dia. Mas recentemente decidimos reduzir a posição de ações.

Quando você tem uma opinião equivalente à do mercado, a oportunidade some. Hoje, vemos o mercado muito mais na linha do que nós estávamos pensando. Se já está todo mundo mais otimista, é hora de reduzir um pouco e esperar. Reduzimos a posição de bolsa.

Acabamos reduzindo a posição em ouro também. Continuamos preocupados, monitorando o risco geopolítico etc. Mas vimos que o ouro subiu muito, e muito rapidamente. O ouro hoje é 30% da reserva dos bancos centrais. É a segunda maior reserva dos bancos centrais depois do dólar. Quem é o comprador marginal? Portanto, acho que é o momento de reduzir.

De uma forma geral, demos uma reduzida de risco na carteira para esperar, porque o cenário otimista entrou muito nos preços. Mas continuamos com a visão de que a economia vai crescer mais. As empresas continuam gerando um resultado fantástico. Os resultados que têm saído corroboram essa visão.

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Mas aí faz sentido reduzir o risco neste momento?

Faz porque foi todo mundo para a mesma ponta. Todo mundo ficou otimista. Quando está todo mundo assim otimista, é meio que disciplina nossa dar uma reduzida. Não é zerar. Reduzimos. Colocamos esse ganho no bolso e esperamos um pouquinho que vai haver um ‘soluço’.

Só a inflação que continuamos a entender que o mercado está subestimando.

Por quê?

Porque tem estímulo fiscal e no ano que vem vai ser um estímulo maior. Tem o estímulo monetário. O banco central americano cortou duas vezes o juro. As empresas têm tido resultados fortes. Aí você tem restrição de imigração. Tarifas. Você pega esse combo, tudo aponta para uma inflação mais resiliente.

O fiscal estimula a demanda. Política monetária gera mais estímulo para a economia. A política de imigração reduz a mão de obra e coloca mais pressão para o mercado de trabalho. As tarifas, na melhor das hipóteses, não têm efeito nenhum. Se tiver algum, gera inflação.

E também o presidente Trump tentou demitir a Lisa Cook do Fed. E tem uma série de iniciativas que apontam em uma direção de um banco central eventualmente não independente. Não achamos que isso vai acontecer. Mas você tem que atribuir alguma probabilidade para isso. Talvez realmente você possa ter um banco central que não seja independente. Portanto, a expectativa de inflação sobe.

Esse viés mais inflacionário reduz a possibilidade de mais cortes de juros do Fed?

Nós acreditamos que tem um risco. Nós já achávamos antes no discurso do [Jerome] Powell, após a última decisão do Fed [em 29 de outubro].

Até imaginamos que o Fed vai continuar cortando. Vão cortar mais uma, duas vezes eventualmente. Só que isso vai ser mais estímulo, que vai pegar uma economia aquecida, e pode gerar mais inflação.

Esse cenário não é ruim para a bolsa, de inflação subindo um pouco, mas não explodindo. Para a renda fixa que não é bom, porque em algum momento o mercado pode ver que o banco central talvez não reduza o juro para 3%, como se imaginava. Pode ficar mais alto. Ou se levar, pode ser que tenha que subir o juro novamente. Aí você pode ter perdas na renda fixa. Por isso que gostamos de estar [com títulos] mais curtos e indexados à inflação.

Qual é a sua visão para mercados emergentes, incluindo o Brasil?

Muito da valorização do real foi resultado de um movimento global. Teve muito dinheiro sendo realocado. E aí o Brasil, na visão do estrangeiro, fica atraente.

O estrangeiro tem uma visão muito simples. Ele vê Brasil e diz, olha, isso aqui é uma democracia, não parece que está tendo uma ruptura. Tem um ‘problemaço’ fiscal? Tem. Tem um desafio gigante. Mas paga 15% ao ano. Então entrou bastante dinheiro para capturar esse movimento de juros.

Você vê espaço para que esse movimento de valorização de emergentes continue, já olhando para o ano que vem?

Sim, tem espaço, mas acho que menos. Porque tem um desafio grande de crescimento. Os mercados emergentes, tirando a China, não têm apresentado um crescimento econômico tão robusto. Os mercados continuam a se beneficiar, mas a sensação que tenho é que o grande impacto já foi.Preferimos hoje o mercado americano, apesar de estar muito caro.

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E em que outros ativos você vê mais oportunidade nos Estados Unidos?

Acreditamos que o grande movimento de beta do mercado, em que todas as ações se valorizaram, também já passou. Daqui para frente vai fazer muita diferença a gestão ativa. Por isso trabalhamos com gestores especializados.

Por exemplo, a inteligência artificial (IA). Parece que veio para ficar. É uma tecnologia muito relevante e deve ter impacto na economia. Agora, quando e como isso vai acontecer e quem serão os ganhadores e perdedores são questões que estão menos claras.

Portanto, tem grandes oportunidades, mas é melhor fazer isso com gestores especializados. É diversificar uma carteira com gestores que vão ter mandato para fazer gestão ativa.

Isso vai fazer muita diferença. Teve a primeira onda de ‘oba-oba’. Daqui para frente você vai ter que distinguir bem quem serão os ganhadores e os perdedores.

Isso não está claro ainda?

Não está claro. Um setor que parece estar claro é o de energia, porque data center precisa de energia. Só que você tem um gap da oferta de energia e da demanda que está fazendo com que preço suba, impactando o custo de vida.

E tem outro ponto. A renda do americano médio está meio que estável. Não tem tido esse crescimento tão grande. A valorização toda no mercado de ações nesses últimos anos gerou impacto em uma parte pequena da população.

Aí vem a inflação. E, nos Estados Unidos, assim como no Brasil, em qualquer lugar do mundo, é algo que faz uma diferença enorme para a popularidade de governo.

Esse descasamento pode ter impactos importantes. O setor de energia ganha, IA ganha, mas aumenta o preço. Portanto, preferimos trabalhar com gestores especialistas que acompanham no detalhe para onde está caminhando a tecnologia, como as empresas estão estruturadas para lidar com aquilo.

É uma forma também de manter uma carteira diversificada?

Sempre gostamos de ter uma visão de carteira. Quando o investidor faz um investimento internacional, é super importante você pensar em portfólio. Não produto A ou B, mas uma composição que tenha diversificação adequada, que você mexe para lá e para cá, dependendo da sua visão de mercado.

É ter, às vezes, coisas no portfólio que você até acha que não vai dar um grande resultado, mas que se você estiver errado vão dar.

O ouro é um exemplo. Não achávamos que iria dar esse resultado todo com os outros ativos também com um bom resultado. Mas, mesmo assim, achamos importante ter na carteira. Cada ativo tem que ter um papel, uma visão de como vai reagir a cenários.

Aí nós modificamos para lá ou para cá dependendo do cenário que enxergamos. Mas nunca é um all-in, de apostar todas as fichas.

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