Opinión - Bloomberg

Vitória de partido de Milei é uma rara oportunidade para a Argentina

Partido do presidente argentino conseguiu a maioria da Câmara dos Deputados e triplicou seu número de assentos no Senado, garantindo a Milei controle sobre decisões significativas e vetos

Javier Milei
Tempo de leitura: 5 minutos

Bloomberg Opinion — Enquanto alguns já escreviam o obituário político de Javier Milei, o autodenominado anarcocapitalista desafiou as expectativas com uma vitória acachapante nas eleições legislativas da Argentina.

O partido de Milei, o La Libertad Avanza, levou cerca de 41% dos votos na votação do domingo (26), garantindo o maior bloco na Câmara dos Deputados e triplicando seu número de assentos no Senado. O presidente argentino controla essencialmente um terço dos assentos de que precisa para barrar quaisquer esforços de impeachment e defender seu poder de veto.

Juntamente com seus aliados, o La Libertad Avanza chegará a uma maioria ativa – suficiente para revigorar a agenda reformista de Milei. Os mercados estavam atentos às notícias no inicio do trading na segunda-feira (27).

Talvez mais significativo foi o fato de o triunfo de Milei expor a fraqueza da oposição peronista. Mesmo somando todas as coligações, o peronismo ficou atrás do La Libertad Avanza por nove pontos percentuais na corrida pela Câmara dos Deputados – e por 14 pontos percentuais na corrida pelo Senado.

PUBLICIDADE

Sua presença outrora dominante no Senado, que perdurou por 42 anos até 2021, se enfraquecerá consideravelmente quando o novo Congresso assumiu em dezembro.

Leia mais: Argentina pós-eleição: analistas apontam próximos desafios de Milei fortalecido

O Fuerza Patria, principal partido peronista, perdeu por uma margem mínima na província de Buenos Aires – apenas algumas semanas após uma vitória acachapante que parecia ter colocado o governo de Milei na berlinda.

PUBLICIDADE

Essa foi a principal lição das eleições do domingo: apesar dos deslizes recentes de Milei – e seu pedido de ajuda a seu amigo Donald Trump por meio do Secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent – os argentinos escolheram dar a ele uma nova chance em vez de devolver o poder a um movimento peronista que ainda precisa lidar honestamente com as consequências de seu governo desordenado durante 18 dos últimos 24 anos.

Esse resultado é positivo em dias frentes: em primeiro lugar, é uma oportunidade para Milei respirar durante a segunda metade de seu mandato de quatro anos.

Depois do período mais trubulento de sua presidência, o líder libertário reganhou a iniciativa, fortalecendo o mandato popular por seus esforços de combate à inflação e controle de finanças.

Em segundo lugar, a vitória ressalta a necessidade urgente de reforma do peronismo – de forma a aceitar minimamente normas de mercado e racionalidade econômica – ou arriscar intensificar sua irrelevância.

PUBLICIDADE

Perder três grandes eleições seguidas poderá finalmente incitar as coligações mais pragmáticas do movimento argentino outrora dominante a se distanciar das alas mais radicais ligadas à ex-presidente Cristina Kirchner, que, embora esteja em prisão domiciliar, ainda assombra o partido.

Leia mais: Trump diz que pode importar carne da Argentina para reduzir preços nos EUA

O resultado oferece uma rara oportunidade para a Argentina: a chance de implementar medidas pró-crescimento com um amplo apoio político, ao mesmo tempo em que beneficia um cenário internacional favorável e o apoio dos EUA e de organizações globais de crédito.

PUBLICIDADE

Milei deve agir rapidamente para reconstruir o consenso político em torno de um conjunto de reformas urgentes, a começar pelo orçamento de 2026. O governo deve priorizar a alocação inteligente de recursos ao mesmo tempo em que mantém a âncora macroeconômica do governo: o superávit fiscal.

Os passos seguintes devem ser reformas tributárias para simplificar e reduzir as alíquotas, reformas trabalhistas para impulsionar os empregos no setor privado e simplificar as contratações, e reformas previdenciárias para modernizar o sistema de assistência.

Também é o momento de mudanças duradouras: Milei precisa institucionalizar sua visão de um estado menor e disciplinado.

Uma nova lei de responsabilidade fiscal, com um conselho independente para supervisionar as finanças públicas, deve aumentar o custo político de quaisquer governos que desviem da disciplina fiscal.

Garantir a independência total do banco central, com o apoio de um conselho técnico, aumentaria a credibilidade monetária da Argentina e aproximaria o país de uma racionalidade econômica que seus vizinhos já conseguiram.

Ao construir instituições robustas e entregar resultados econômicos tangíveis, a Argentina pode finalmente conseguir estabilidade e sair do ciclo de mudanças constantes na política.

Por sua vez, isso vai reduzir o custo de crédito do país e permitir a prorrogação dos próximos vencimentos das dívidas. Se tudo isso entrar em vigor, a Argentina poderá até deixar sua moeda flutuar sem a perspectiva de uma volatilidade descontrolada, assim como a maioria das economias modernas.

Em seu discurso após a vitória, Milei deixou claro que ele agora atribuiu suma importância à governabilidade: “Há dezenas de deputados e senadores de outros partidos com quem podemos chegar a acordos básicos”, disse ele em tom moderado, enquanto vestia um paletó e não trazia consigo uma motosserra. “Conseguiremos sentar e discutir as bases de uma Argentina diferente.”

Leia mais: Pacote de ajuda à Argentina é uma estratégia arriscada do governo Trump

Isso é encorajador. Mas não devemos esquecer que foi Milei quem abandonou a abordagem inicial quando viu sua popularidade aumentar no fim de 2024, pensando que não precisava de uma coligação mais ampla.

Propenso a explosões e exageros, Milei deve evitar cometer o mesmo erro novamente. Ele deve se lembrar da lição do ex-presidente Mauricio Macri, que também venceu de forma convincente as eleições legislativas de 2017, mas viu seu governo praticamente entrar em colapso no ano seguinte.

O caminho para a estabilidade econômica na Argentina é espinhoso e exige avançar passo a passo, mas Milei certamente deu alguns passos importantes no domingo.

Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

‘Cadeia sustentável é questão de sobrevivência para a Nestlé’, segundo CEO no Brasil

Dívida pública exige ajuste fiscal de até 4% do PIB, segundo economista do UBS

Setor privado deve liderar a agenda de desenvolvimento do Brasil, diz CEO da JBS