Heranças de US$ 365 bilhões: mulheres assumem impérios e redefinem sucessões globais

Um número recorde de mulheres tem se tornado bilionárias nos últimos anos e assumido cada vez mais a responsabilidade sobre grandes grupos empresariais - e o destino de fortunas familiares

Nova York
Por Ben Stupples - Diana Li - Jack Witzig
14 de Outubro, 2025 | 06:00 AM

Bloomberg — Wall Street passou anos se preparando para a transferência de US$ 105 trilhões em heranças de pais idosos para seus filhos, mas um tipo diferente de transmissão de patrimônio já está em andamento.

Mais de uma dúzia de mulheres entre as 500 pessoas mais ricas do mundo tornaram-se bilionárias após a morte do cônjuge — o maior número já registrado. Essas chamadas heranças “laterais” têm moldado cada vez mais o mundo dos negócios, à medida que mulheres assumem o comando de grandes impérios, de finanças a bens de consumo e jogos de azar.

PUBLICIDADE

Hoje, elas administram fortunas recordes que somam US$ 365 bilhões — quase o triplo do valor de 2016, segundo o Bloomberg Billionaires Index.

Essas mudanças têm grandes implicações sobre a forma como somas colossais são investidas, sobre a filantropia e sobre o modo como o patrimônio é transmitido às próximas gerações.

“É uma tendência crescente”, afirmou Michelle Yue, cofundadora da The Beam Network, uma plataforma privada de educação financeira voltada a mulheres ricas.

PUBLICIDADE

“Ainda assim, o setor de gestão de fortunas continua tratando os cônjuges — especialmente as mulheres — como figuras periféricas, quando na verdade são centrais na sucessão patrimonial.”

Leia também: Esta CEO se tornou uma das mulheres mais ricas do mundo com o impulso da IA

Um exemplo é Renata Kellnerova, que herdou inesperadamente uma das maiores fortunas do planeta quando seu marido, Petr, morreu tragicamente em um acidente de helicóptero há quatro anos.

PUBLICIDADE

A tcheca se viu, de repente, diante da nova realidade de administrar os negócios da família enquanto lidava com uma perda pessoal devastadora. Desde então, ela reestruturou o conglomerado PPF Group NV — origem da fortuna do marido —, implementou mudanças estratégicas e acabou ampliando o patrimônio familiar em bilhões de dólares.

“Estamos testemunhando uma mudança histórica em que mulheres estão herdando de seus maridos”, disse Emma Wheeler, chefe da área de gestão de fortunas femininas do UBS. “É um novo tipo de transferência de riqueza dentro das gerações.”

Female Fortunes | Widows among world's 500 richest people

O aumento da riqueza herdada por mulheres reflete um movimento mais amplo de crescimento na propriedade de ativos, ainda que os homens continuem concentrando as maiores fortunas e a maioria dos cargos executivos no topo das empresas.

PUBLICIDADE

De acordo com a consultoria McKinsey, as americanas devem controlar, nesta década, ativos de valor equivalente ao tamanho da economia dos Estados Unidos — cerca de US$ 27 trilhões —, como parte da inédita transferência de riqueza da geração baby boom.

O número de mulheres que construíram suas próprias fortunas no índice de bilionários da Bloomberg também vem crescendo: triplicou para nove no total, a maioria delas na Ásia. Entre elas estão Tatyana Kim, maior acionista da maior varejista online da Rússia, e Zhong Huijuan, fundadora do laboratório chinês Hansoh Pharmaceutical Group.

Outras mulheres que herdaram sua riqueza — como Francoise Bettencourt Meyers, acionista da L’Oréal, e a armadora grega Maria Angelicoussis — criaram gestoras de investimento próprias para administrar seus patrimônios, o que tem impulsionado o número de mulheres ultrarricas assumindo maior controle sobre seu dinheiro.

No total, as mulheres entre as 500 maiores fortunas do mundo — incluindo Zhou Qunfei, empresária chinesa de telas sensíveis ao toque; Maria Asuncion Aramburuzabala, herdeira mexicana da indústria de cerveja; e Gina Rinehart, magnata australiana da mineração — controlam cerca de US$ 1,3 trilhão em ativos.

Tatyana Kim

Entre o fim de 2016 e o início de outubro deste ano, o crescimento das fortunas de viúvas no índice da Bloomberg superou o aumento geral das riquezas masculinas, mesmo com a disparada das ações das gigantes americanas elevando o patrimônio de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, para mais de US$ 400 bilhões.

Mesmo entre famílias financeiramente sofisticadas, a herança de grandes fortunas costuma ser um processo conturbado, especialmente em meio à dor da perda. A morte de um patriarca que controlava as finanças pode gerar tensões — e às vezes batalhas judiciais — entre os familiares sobreviventes.

As viúvas do magnata de commodities Robert Louis-Dreyfus e do banqueiro bilionário Joseph Safra enfrentaram disputas judiciais com parentes após a morte de seus maridos, casos que já foram resolvidos.

Leia também: Briga por herança na família Agnelli ganha novo capítulo com suposto testamento

Gayle Benson, de 78 anos, também enfrentou um processo movido por uma filha do primeiro casamento de seu marido, Tom Benson, sobre o controle de seus ativos — entre eles o time de futebol americano New Orleans Saints — antes de sua morte, em 2018, aos 90 anos. Segundo o índice da Bloomberg, o trio hoje administra fortunas que somam quase US$ 40 bilhões.

“Para muitas viúvas, herdar uma fortuna significa o peso duplo do luto profundo e da responsabilidade financeira repentina”, afirmou Sin Ting So, diretora de clientes da Endowus, uma plataforma de soluções de investimento privado. “Elas geralmente enfrentam uma curva de aprendizado íngreme.”

A transferência de riqueza entre homens e mulheres também costuma provocar mudanças significativas na forma de gestão dos recursos.

Um estudo da Fidelity Investments de 2023 mostrou que as mulheres tendem a adotar uma visão de mais longo prazo durante períodos de queda nos mercados.

Uma pesquisa de três anos publicada em 2018 pela Warwick Business School, do Reino Unido, constatou que elas costumam investir em ativos menos especulativos — com resultados melhores do que os obtidos pelos homens. Negócios liderados por mulheres também costumam dar mais peso ao impacto social.

Laurene Powell Jobs, de 61 anos, tornou-se uma das filantropas mais conhecidas do mundo com a Emerson Collective, organização criada no mesmo ano da morte de seu marido, Steve Jobs, cofundador da Apple, em 2011.

Julia Flesher Koch, de 63, já participava da gestão da fundação que levava o nome do marido, David Koch, antes da morte dele em 2019, e depois criou outra entidade sob seu próprio nome.

Christy Walton, de 76, montou uma rede global de organizações voltadas a iniciativas como o apoio a jovens de comunidades rurais após a morte de seu marido, John.

“Vejo uma tendência crescente de mulheres estruturando seus planos financeiros em torno da filantropia”, disse Kathleen Grace, presidente e fundadora da Fiduciary Family Office, uma consultoria de gestão patrimonial com sede em Boca Raton, Flórida. “Muitos de nossos clientes homens focam primeiro em construir riqueza geracional.”

Veja mais em Bloomberg.com

Leia também

Michael Milken abre museu para celebrar o capitalismo em momento de força do Estado

‘De repente, bilionário’: CEO da Klarna colhe frutos de IPO de sucesso em NY

Longe dos holofotes: este gestor português cuida dos US$ 1,4 bi de Cristiano Ronaldo