Bloomberg Opinion — O desempenho abaixo do esperado do partido de Javier Milei nas eleições locais de domingo (7) abre mais um capítulo turbulento na política sempre volátil da Argentina.
As escolhas que se apresentam ao líder libertário não são fáceis, mas uma correção de rumo oportuna pode colocar sua presidência de volta nos trilhos revolucionários.
O partido La Libertad Avanza, de Milei, ficou atrás do peronismo por quase 14 pontos percentuais na disputa pela província de Buenos Aires, longe do “empate técnico” que o presidente havia previsto na semana passada.
Os preços dos ativos da Argentina caíram compreensivelmente com os resultados na segunda-feira, colocando em dúvida a viabilidade de seu plano econômico.
É verdade que não se deve dar muita importância a uma eleição provincial, principalmente com o eleitorado argentino, famoso por sua instabilidade.
Como outros comentaristas já apontaram, a província de Buenos Aires não é um grande indicador das preferências do país, e o La Libertad Avanza ganhou assentos no congresso provincial, apesar de seu desempenho decepcionante. As eleições intermediárias de 26 de outubro continuam sendo o verdadeiro teste.
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Mas o próprio Milei transformou essa eleição em um referendo sobre seu governo. Em vez de fazer campanha sobre os muitos problemas que a maior província da Argentina enfrenta após quatro décadas de domínio peronista, ele enquadrou a votação como um veredicto sobre sua presidência.
Os investidores acreditaram em sua palavra. O resultado é um desastre inegável para o governo, que agora enfrenta sete longas semanas até as eleições legislativas em meio à instabilidade financeira e fraqueza política.
Em essência, Milei interpretou mal a própria dinâmica que o colocou no poder. O profundo desdém dos eleitores argentinos pelos políticos tradicionais pode tê-lo impulsionado à presidência no final de 2023, mas o desprezo e a ostentação não são uma estratégia de governo.
O sucesso no cargo requer não apenas luta, mas também saber quando negociar com partes interessadas poderosas, como governadores e legisladores, principalmente dada a fraca base do seu partido no Congresso.
O presidente que no ano passado assinou um promissor pacto de modernização do Estado com 18 dos 24 governadores do país nem sequer conseguiu se reunir com eles este ano em meio a disputas orçamentárias acirradas.
Incentivado pelo sólido resultado nas eleições legislativas na cidade de Buenos Aires em maio, Milei superestimou sua posição: o plano econômico mais sólido não pode sobreviver sem apoio político, especialmente se o crescimento estagnar.
Esse aviso significativo, proveniente de uma disputa provincial e não das eleições intermediárias do mês que vem, ainda é reversível. Mas ele terá que fortalecer sua base de governo, cercar-se de operadores políticos experientes e responder de forma eficaz ao retorno da volatilidade econômica.
Milei precisa voltar a ampliar sua coalizão, reverter a fragmentação partidária e cultivar aliados que ele deixou de lado em favor de candidatos inexperientes e estrategistas eleitorais amadores.
No Congresso, onde ainda tem uma representação mínima e até perdeu alguns legisladores de seu próprio grupo, ele precisa trabalhar com aqueles que coincidem com sua agenda de redução da inflação e modernização da economia — em vez de expor o governo a derrotas legislativas custosas.
Há uma maioria que, mesmo por razões de autopreservação, ainda quer que essa experiência dê certo, apesar da longa lista de novos inimigos de Milei.
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Por mais glamourosas que sejam as viagens ao exterior para uma estrela do libertarismo global como Milei, seria melhor se ele percorresse a Argentina de ponta a ponta, em vez de viajar para Washington, Roma e Jerusalém. Os admiradores internacionais não votam na Argentina.
Acima de tudo, ele precisa parar de atacar seus apoiadores naturais. A tão necessária estabilização resultou em uma redução impressionante da taxa de inflação — que caiu de quase 300% no início de seu mandato para menos de 37% em agosto. Mas o ajuste fiscal não é uma vitória real se não se traduzir em melhores condições de vida para os argentinos — o primeiro presidente economista do país deveria saber disso.
Em nome do superávit fiscal, Milei errou ao entrar em conflito com símbolos locais populares, desde a universidade pública da Argentina até aposentados e estrelas pop. Ele atacou críticos construtivos, alienando amigos e aliados. Sua recusa em apertar a mão do prefeito de Buenos Aires e até mesmo de seu próprio vice-presidente, a quem ele acusa de traição, mostra um presidente mais interessado em acertar contas pessoais do que em ganhar força política.

A fragilidade resultante ficou exposta quando um escândalo de corrupção eclodiu no mês passado: ninguém além de seu círculo mais próximo se apressou em defender o governo, que sofreu semanas de ataques implacáveis da oposição e da mídia. O líder egocêntrico que gosta de se comparar a um leão de repente se tornou um gatinho.
A boa notícia é que Milei pareceu reconhecer esses erros em seu discurso de concessão na noite de domingo: “corrigiremos todos os nossos erros”, disse ele, aceitando a derrota e prometendo manter suas políticas de livre mercado. Ele deveria começar a explicar precisamente o que aconteceu nessas alegações de corrupção.
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A má notícia é que a eleição de domingo também elevou o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, como provável candidato presidencial do peronismo em 2027.
Como conselheiro principal de Cristina Kirchner e seu ministro da Economia entre 2013 e 2015, Kicillof é responsável por algumas políticas econômicas desastrosas — desde o acordo fracassado de expropriação da YPF até a manipulação de estatísticas oficiais.
Para os investidores que consideram apostar na Argentina, a ascensão de Kicillof é um forte lembrete de que o país ainda não abandonou o populismo econômico que quase o levou à hiperinflação em 2023. Milei também pode transformar isso em vantagem — a oposição continua sendo o mesmo grupo que presidiu aquele desastre. Mas, para capitalizar isso, ele deve primeiro mudar a si mesmo.
Percebendo os problemas, Milei disse no mês passado que vai parar de lançar insultos aos seus oponentes e vai procurar promover um debate melhor de ideias. Como forma de reconstruir sua presidência, esse é um bom primeiro passo.
Esta coluna reflete as opiniões pessoais do autor e não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.
Juan Pablo Spinetto é colunista da Bloomberg Opinion e cobre negócios, assuntos econômicos e política da América Latina. Foi editor-chefe da Bloomberg News para economia e governo na região.
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