Bloomberg Línea — A América Latina e o Caribe se destacam globalmente como regiões entre as que têm a maior porcentagem de geração de eletricidade classificada como “limpa”. De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), cerca de 60% da eletricidade da região vem de fontes verdes, o dobro da média global.
Essa proeminência se deve não apenas a uma forte base de energia hidrelétrica, mas também ao rápido crescimento de tecnologias como a solar e a eólica, que já representam uma parcela crescente em países como Brasil, Chile, México e Colômbia. Além disso, a região abriga uma parcela significativa de recursos minerais essenciais para a transição energética, como lítio e cobre, posicionando-a como um fornecedor importante nas cadeias globais de valor de tecnologia limpa .
Nesse contexto, e no âmbito de uma mesa redonda organizada pela Atlas Renewable Energy, os especialistas alertam para diferentes desafios e oportunidades: o posicionamento estratégico da região, os gargalos de infraestrutura, as condições de financiamento, o momento da transição energética e o crescimento dos data centers.
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A importância das energias renováveis
A América Latina não é apenas uma das regiões com a maior participação de energia renovável em sua matriz elétrica, mas também um território com condições naturais, geopolíticas e tecnológicas para atrair investimentos estratégicos ligados à transição energética global.
“Na América do Sul, a maior parte da eletricidade gerada é proveniente de fontes renováveis, especialmente hidrelétricas. Mais recentemente, houve um grande crescimento em energia solar e eólica“, disse Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade.
Nesse mapa regional, o Chile se tornou um modelo para o crescimento da capacidade solar e eólica, enquanto o Brasil e a Colômbia também estão acelerando sua expansão com energia limpa.
O valor da América Latina não se limita às suas fontes de geração: ele também está em seus recursos estratégicos.
“Há uma conversa geopolítica sobre segurança energética. No longo prazo, todos os países precisarão de recursos naturais. A América Latina tem muitos desses recursos: lítio, terras raras e minerais estratégicos”, alertou Netto.
Para ela, o desafio não é apenas exportar esses minerais, mas usá-los para fomentar as indústrias locais, desde a produção de baterias até as tecnologias de armazenamento. “A região deve atrair investimentos industriais, não apenas exportar commodities“, disse.
Carlos Barrera, CEO da Atlas Renewable Energy, destacou que “mais de 80% das novas instalações de capacidade na América Latina são renováveis, principalmente solar e eólica”.
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Gargalos
Apesar do crescimento sustentado da energia renovável na América Latina, o desenvolvimento da infraestrutura não acompanhou o ritmo.
O principal obstáculo: a transmissão.
“Embora muita energia seja gerada, ainda não há linhas de transmissão inteligentes ou sofisticadas. Precisamos investir muito na melhoria da rede”, explicou Maria Netto. Ela também alertou que “a eficiência da transmissão seria muito maior se houvesse linhas regionais, e não país por país. Há uma falta de colaboração transnacional.
Elizabeth Robberechts, chefe da Divisão de Infraestrutura e Energia do BID Invest, disse: “A transmissão é o principal gargalo atualmente. Não há capacidade suficiente para transportar a energia, especialmente em determinados momentos”.
Financiamento
Ao contrário da percepção generalizada, o financiamento não parece ser um obstáculo central nos países de mercado mais desenvolvidos da região.
“Atualmente, não há falta significativa de financiamento para projetos bem estruturados em grandes economias”, disse Robberechts.
Do BID Invest, Robberechts explicou que eles estão usando fundos de doadores para subsidiar ou absorver custos excedentes em projetos de baterias, com o objetivo de melhorar sua viabilidade econômica. Ele também observou um interesse crescente de investidores institucionais e fundos verdes no setor de energia, “por causa de seus retornos estáveis e de longo prazo”.
Transição adiada
O cenário internacional parece ter dado uma pausa nas metas de transição energética. “O atraso é real”, admitiu Maria Netto. Mas, para ela, isso também pode representar uma oportunidade: “Se as receitas do petróleo e do gás forem usadas para investir em inovação e modernização, o impacto pode ser positivo.
Robberechts reconheceu que “a mudança de governos pode interromper políticas e regulamentações, o que é frustrante”. Mas ele enfatizou que a demanda de energia não fica parada: “Vemos continuidade nas políticas de longo prazo porque as energias renováveis oferecem benefícios rápidos e estáveis e não geram conflitos geopolíticos como o gás”. E ele observou que o papel do setor privado será fundamental para manter o curso além do ruído político.
A oportunidade do data center
A crescente demanda global por inteligência artificial e serviços digitais está levando os gigantes da tecnologia a procurar novos locais para instalar data centers.
A América Latina poderia fazer parte dessa expansão, mas precisa resolver alguns desafios. “Para as empresas de data center, a América Latina poderia fazer parte dessa expansão, mas precisa resolver alguns desafios para as empresas de data center, o principal é o acesso à energia confiável. Parece simples, mas ela precisa ser extremamente confiável“, explicou Barrera.
No entanto, nem todos os analistas veem esse fenômeno sem nuances. “Os data centers podem ser uma oportunidade, mas também um desafio. Eles competirão pelo uso de energia e água com a demanda local”, alertou Maria Netto.
“Temos que nos perguntar quais cadeias de valor, empregos ou oportunidades locais esses data centers criam, além do pagamento pela energia”, acrescentou.
Elizabeth Robberechts também alertou sobre os riscos: “A água é uma questão crítica. Vimos projetos serem cancelados no Uruguai mais devido à escassez de água do que à escassez de energia. Na BID Invest, seu foco é garantir a gestão ambiental e social desses projetos.