Parte da fachada da Bolsa de Valores de Nova York, com foco no letreiro "New York Stock Exchange". Na parte direita da imagem é possível ver a placa com o nome da rua – Wall Street.
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Bloomberg Opinion — Michael Jensen, que faleceu em 2 de abril, foi o pensador que mais contribuiu para moldar o capitalismo financeiro moderno, principalmente da forma como é praticado no mundo anglo-saxão. Para seus críticos, ele foi o sumo sacerdote da era da ganância, que justificou os salários exorbitantes dos executivos e o capitalismo predatório. Para seus admiradores, ele foi o cirurgião que deu ao capitalismo anglo-saxão um novo sopro de vida.

Ninguém pode negar sua extraordinária influência. Sua disciplina optativa na Harvard Business School foi a mais popular da história da instituição, com mais de 600 alunos matriculados – dois terços da turma de cada ano – muitos dos quais acabaram reestruturando o capitalismo americano durante uma de suas fases mais empolgantes.

E ninguém pode negar o rigor de suas ideias sobre as questões centrais da teoria dos negócios: os limites adequados da empresa, a estrutura ideal de incentivos, o mercado para o controle corporativo e as vantagens e as desvantagens das empresas públicas e privadas.

Seu artigo inovador, escrito em parceria com William Meckling, Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs and Ownership Structure (“Teoria da firma: comportamento dos administradores, custos de agência e estrutura de propriedade”, em tradução livre), obteve mais de 130.000 citações no Google, mais do que qualquer outro artigo em economia financeira.

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A ideia central de Jensen era a de que as pessoas contratadas para administrar as empresas (“agents”) prejudicarão as pessoas que são proprietárias das empresas (“principals”), a menos que sejam motivadas pela combinação certa de punições e incentivos.

Isso é especialmente verdadeiro no caso de empresas de capital aberto nas quais a propriedade é dispersa e os mecanismos de monitoramento são fracos. As empresas gigantescas que dominaram a economia dos Estados Unidos são monumentos ao chamado “problema de agência”: uma classe inchada de gerentes produzia retornos desanimadores para os acionistas, enquanto viviam uma vida confortável de regalias e estabilidade vitalícia, baixo risco e baixo retorno.

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A solução foi aplicar a mágica do “shareholder value” ou valor para o acionista para mudar os incentivos: pagar os CEOs e os executivos seniores de empresas abertas como proprietários, com opções de ações – ou, melhor ainda, fechar.o capital das empresas por meio das chamadas leveraged buyouts – transações em que uma aquisição de controle acionário de uma empresa é parcialmente financiado por dívida.

Quanto mais você transformar “agents” em “principals”, mais os incentivará a extrair o máximo de valor das empresas que os contrataram.

Essa ideia foi o cerne da revolução que transformou a vida corporativa, primeiro nos Estados Unidos e depois em grande parte do mundo, a partir do final da década de 1970. Gerentes obstinados reduziram o tamanho das empresas em busca de valor para os acionistas. Os consultores desmembraram os conglomerados e os transformaram em grupos de empresas mais enxutas.

As ideias de Jensen revolucionaram as atitudes em relação a tudo, desde escalas salariais até dívidas corporativas. Os CEOs, que antes não aceitavam a ideia de parecerem gananciosos, agora competiam para ganhar o máximo possível.

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Os analistas que se preocupavam em assumir dívidas agora citam o conselho de Jensen de que as dívidas “criam a atmosfera de crise de que os executivos precisam para cortar programas de investimento insalubres, reduzir as despesas gerais e se desfazer de ativos que são mais valiosos fora da empresa”.

O grande historiador da Harvard Business School, Alfred Chandler, pregava que o fim da história corporativa é alcançado quando os executivos assumem o controle.

Seu livro clássico The Visible Hand (“A mão visível”, em tradução livre), de 1977, é um elogio às empresas do pós-guerra, como a General Motors e a DuPont, com suas fileiras de executivos profissionais que agiam como se seus acionistas não existissem.

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Jensen pregava o contrário: essas instituições gigantescas nada mais são do que dinossauros que precisam ser substituídos por empresas muito menores e mais empreendedoras.

Se os alunos de Chandler na Harvard Business School se tornaram homens corporativos, confiantes de que estavam fazendo o trabalho da história, os alunos de Jensen se tornaram investidores de risco, engenheiros financeiros, consultores corporativos, igualmente confiantes de que estavam fazendo o trabalho do mercado.

O trabalho de Jensen é tão controverso hoje quanto era elogiado no passado. A Harvard Business Review não incluiu seu trabalho em uma coletânea dos artigos mais importantes de seus primeiros cem anos, apesar do fato de que Eclipse of the Public Corporation (“Eclipse das empresas públicas”, em tradução livre) é um dos melhores exemplos de artigos dignos de publicação no periódico.

Nicholas Lemann, ex-editor da revista New Yorker e ex-reitor da Graduate School of Journalism da Universidade de Columbia, escreveu um livro, Transaction Man: The Rise of the Deal and the Decline of the American Dream (“O homem das transações: a ascensão da negociação e o declínio do sonho americano”, em tradução livre), criticando suas ideias e sua influência.

Os professores mais jovens da Harvard Business School abandonaram a ideia de “shareholder value” em favor de ideias mais pomposas sobre o objetivo de uma empresa.

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Lemann argumenta que Jensen é bastante culpado pela péssima situação do capitalismo americano. O aumento da remuneração dos executivos garantiu que a diretoria executiva absorvesse uma parcela desproporcional do excedente econômico em um momento em que o crescimento da produtividade desacelerava. A reengenharia e os cortes destruíram as corporações que haviam proporcionado um modo de vida estável para a população.

Os executivos treinados por Jensen buscavam ganhos de curto prazo (um aumento no preço das ações, muitas vezes por meio de engenharia financeira) às custas de investimentos de longo prazo em capacidade produtiva. Jensen alimentou a insatisfação com os salários estagnados e o fechamento de fábricas que produziram o populismo raivoso tanto da esquerda quanto da direita.

Isso é um exagero. É verdade que muitos CEOs lucraram às custas de um desempenho medíocre. Na mesma semana em que Jensen morreu, veio à tona que Dave Calhoun, que está deixando o cargo de CEO da Boeing (BA) durante uma crise de segurança que derrubou o preço das ações da empresa, recebeu US$ 32,8 milhões em 2023.

Jensen, no entanto, forneceu um mecanismo para que a “destruição criativa” de Joseph Schumpeter reformulasse a capacidade corporativa e a colocasse em uso produtivo. Como aponta Don Chew, editor do Journal of Applied Corporate Finance, a onda de takeovers e leveraged buyouts durante a década de 1980 limitou o desperdício de capital corporativo em tentativas fúteis de sustentar setores e empresas em declínio e, assim, disponibilizou-o para a próxima revolução industrial.

Assim, os EUA escaparam da estagnação que continua afetando o Japão, um país que, quando Jensen começou a escrever, parecia destinado a suplantar os EUA como a principal potência econômica do mundo.

Em contraste com as gigantes japoneses com excesso de subsidiárias e de pessoal, as empresas americanas parecem surpreendentemente sãs: as indústrias tradicionais evitaram engordar demais desde a revolução de Jensen, e os novos gigantes de TI ainda são monitorados com rigor (embora ainda possam seguir o caminho dos conglomerados indulgentes do passado).

E o que dizer do salário altíssimo e das vantagens até para executivos medíocres? Os defensores de Jensen culpam duas coisas: o boom do mercado de ações que beneficiou a todos, independentemente do desempenho, e um mal-entendido generalizado sobre seu trabalho.

O ponto central do argumento de Jensen era que os CEOs precisavam experimentar tanto o lado negativo quanto o positivo do livre mercado: sua remuneração deveria aumentar e diminuir, e eles deveriam até perder seus empregos se tivessem um desempenho ruim.

Os CEOs manipulavam o sistema para garantir que ganhariam, independentemente do que acontecesse. Eles conseguiram seus próprios golden parachutes – benefício oferecido a executivos em caso de fusão ou evento que resultasse em sua saída forçada da empresa – caso as coisas dessem errado e manipularam os preços das ações para garantir que venderiam suas opções no momento certo. Muitos manipulavam tudo e todos para se beneficiar independentemente de terem criado valor ou não.

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Jensen ficou profundamente decepcionado com o que considerou ser o uso indevido de suas ideias para justificar recompensas incríveis por um desempenho mediano. “Heroína gerencial” foi como ele descreveu a implementação de opções de ações em muitas empresas dos EUA.

No final da década de 1990, ele passou pelo equivalente a uma conversão religiosa. Tornou-se seguidor de Werner Hans Erhard, fundador do Erhard Seminars Training, mais popularmente conhecido como EST, um movimento quase religioso que prometia capacitar seus seguidores e curar suas feridas espirituais.

Jensen colaborou com Erhard para produzir uma apresentação de mil slides em PowerPoint na qual anunciava a sabedoria de suas respectivas vidas, uma mistura de teoria administrativa, autoajuda, neurobiologia e linguística. Ele também dedicou grande parte de seu tempo a ministrar seminários, alguns deles com duração de dias.

Para Jensen, sua colaboração com Erhard foi a peça que faltava no quebra-cabeça da teoria da agência: desde que os gerentes seguissem os preceitos que ele e Erhard estabeleceram, eles se absteriam de praticar ações de self-dealing (conduta que envolve tirar vantagem de sua posição em benefício próprio em detrimento dos interesses da empresa) que até então prejudicavam sua teoria; em vez disso, agiriam como capitalistas honestos.

Poucos estariam dispostos a seguir Jensen por esse caminho. Mas o argumento do “mau uso” é apenas um pouco mais plausível. O problema de Jensen é que ele não consegue levar seu argumento da manipulação até o fim. Se os “agents” manipulam tudo e todos quando lideram grandes empresas, enchendo os próprios bolsos às custas dos proprietários da empresa, por que presumir que eles se comportarão de forma diferente se receberem opções de ações?

Jensen não levou em conta a importância do poder. Os CEOs não são apenas players comuns no mercado. Eles são pessoas poderosas que podem estruturar seus sistemas de remuneração e decidir quando vender suas próprias ações.

Isso é especialmente verdadeiro nas empresas americanas que giram em torno de seus CEOs, que muitas vezes atuam como presidentes e exercem uma influência desproporcional sobre a composição do conselho. Como ele ignorou a importância do poder, não reconheceu a importância de ter um código moral sólido para regular o comportamento da elite.

Jensen e Meckling começaram seu excelente artigo de 1976 com uma citação do livro A Riqueza das Nações (1776), de Adam Smith, um livro que, entre muitas outras coisas, explicava como os impulsos aquisitivos (amor-próprio, egoísmo, interesse próprio, orgulho e ganância) podem ser transformados em virtudes sociais se forem canalizados pelo livre mercado.

Mas Smith também escreveu outro grande livro, Teoria dos Sentimentos Morais (1759), que argumenta que os mercados exigem virtudes mais profundas se elas florescerem no longo prazo: as virtudes superiores da sabedoria, benevolência, autossacrifício e espírito público.

Manter essas virtudes vivas em uma sociedade de mercado é difícil porque o mercado não sabe como valorizá-las ou recompensá-las. A tarefa de fazer isso pertence a um pequeno grupo de “sábios e virtuosos”, o que Samuel Taylor Coleridge chamaria mais tarde de “a cleresia” e nós chamamos de intelectuais públicos, que dedicam suas vidas a estudar e corrigir a esfera pública.

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Apesar de todo o seu brilhantismo teórico, Jensen foi um produto de seu entorno. Suas ideias provocaram um choque necessário em um mundo empresarial esclerosado e autoindulgente.

No entanto, esse adorador do mercado de ações não conseguiu levar em conta a crescente bolha do mercado. Quando ele ponderou pela primeira vez sobre os custos da teoria da agência na década de 1970, o grande problema era a subutilização dos ativos da empresa e sua consequente subvalorização. Quando ele estava no auge, como professor renomado da Harvard Business School e figura de destaque no Monitor Group, uma consultoria estratégica, o grande problema era a supervalorização.

Esse cinismo supremo sobre a motivação humana era estranhamente ingênuo em relação à propensão das pessoas poderosas de destruir estruturas de incentivo. Como resultado, a revolução de Jensen se transformou em uma desculpa para a redução de custos e a autossatisfação.

O desafio atual é ir além da teoria da agência – por mais bela que seja – e produzir uma nova estrutura que combine o dinamismo do mercado com um senso mais amplo de propósito comum, justiça social e sustentabilidade política.

Se o capitalismo de “stakeholders”, que prevê uma corporação orientada por propósitos, e outras tentativas de substituir a teoria da agência até o momento parecerem insignificantes em comparação, esse é mais um motivo para nos esforçarmos mais.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Adrian Wooldridge é o colunista de negócios globais da Bloomberg Opinion. Já escreveu para o The Economist e é autor de “The Aristocracy of Talent: How Meritocracy Made the Modern World”.

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