Da esquerda para a direita: Nicolas Maduro, presidente da Venezuela; Chan Santokhi, do Suriname; Irfaan Ali, da Guiana; Gustavo Petro, da Colômbia; Luis Arce, da Bolívia; Lula; Alberto Fernández, da Argentina; Gabriel Boric, do Chile; Guillermo Lasso, do Equador; Mario Abdo Benítez, do Paraguai; Luis Lacalle Pou, do Uruguai; e and Alberto Otarola, presidente do Conselho de Ministros do Peru (Foto: Ton Molina/Bloomberg)
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Bloomberg Opinion — O retorno de Luiz Inácio Lula da Silva à presidência está trazendo de volta um dos temas mais cansativos da América Latina: a necessidade de a região apresentar uma frente unificada ao mundo. Trata-se de uma ideia poderosa com um histórico de sucesso, mas a unidade da América Latina continuará sendo ilusória até que se baseie no comércio e na economia, e não apenas na política e na ideologia.

Um vislumbre dessa dificuldade ocorreu durante a reunião da Cúpula da América do Sul em Brasília com outros 10 chefes de Estado nesta terça-feira (30). Antes mesmo do início da reunião, Lula deu ao presidente venezuelano Nicolás Maduro uma recepção de herói no palácio presidencial. O presidente brasileiro acabou reacendendo toda a tensão regional sobre o regime autoritário venezuelano, dinamitando efetivamente qualquer perspectiva de progresso em questões econômicas ou comerciais.

Ao contrário do ex-presidente e seu antecessor Jair Bolsonaro, Lula sempre quis falar pelo resto da América Latina. Agora, em seu terceiro mandato, ele rapidamente se movimentou para tentar voltar ao cenário global, oferecendo-se para ser mediador da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Na segunda-feira (29), ele articulou a mesma lógica, alegando que a reunião representava “o retorno da integração sul-americana”. O foco é convenientemente a América do Sul, e não a América Latina, não incluindo o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, que expressou suas próprias aspirações de liderança regional.

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Lula está certo quando diz que os líderes da região precisam “aprender a conversar”. Uma das consequências mais prejudiciais da polarização política da região tem sido a incapacidade dos governos com ideologias diferentes de manter um diálogo honesto.

Um exemplo: durante os três anos em que o presidente argentino de esquerda Alberto Fernández e Bolsonaro, conservador, foram presidentes das duas maiores economias da região ao mesmo tempo, eles não tiveram uma única reunião bilateral formal e presencial.

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Contudo, ao dar destaque para Maduro e chamar os relatos de seu governo autoritário de parte de uma “narrativa construída”, Lula está minando o poder do Brasil de influenciar seus vizinhos. No espaço de apenas alguns meses, o Brasil passou de proibir a entrada de Maduro para apresentá-lo como uma espécie de líder da democracia.

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Mesmo reconhecendo que governos e políticas mudam e que o restabelecimento das relações diplomáticas com Caracas é um objetivo válido, a medida não inspira confiança no Brasil como um líder regional estável.

Enquanto isso, o trabalho de uma integração mais interessante – ou seja, a integração econômica – fica para trás.

Na última década, a participação do comércio total do Brasil com o resto da América Latina caiu de 19,5% para 15,4%. O percentual do ano passado representa um aumento em relação aos 14,2% de 2020, mas ainda é bastante baixo, considerando o boom de exportação do Brasil e a retórica sobre a necessidade de os países latino-americanas fazerem comércio entre si.

Fonte: Ministério da Economia do Brasil via Bloombergdfd

O Mercosul, bloco comercial de US$ 2,8 trilhões formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, está efetivamente paralisado e sem uma estratégia comum. Seu acordo com a União Europeia está definhando sem ratificação quatro anos após ter sido acordado e duas décadas após o início das negociações.

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A tentativa do Uruguai de assinar um acordo de livre comércio com a China, contornando totalmente o bloco, também está suspensa em meio a discussões sobre a possibilidade de um acordo maior com o Mercosul. Pior ainda, a Argentina está caminhando para a hiperinflação sem nenhum tipo de âncora regional.

Outros problemas comuns que se beneficiariam de uma resposta unificada – o aumento da criminalidade e de drogas, por exemplo – carecem, em sua maioria, de uma perspectiva regional.

Até mesmo oportunidades relativamente simples de melhorias na infraestrutura são desafiadoras: Brasília não tem conexão direta de avião com Santiago, a capital do Chile, por exemplo, e os passageiros que viajam da Cidade do México para o Rio de Janeiro precisam fazer uma escala no Panamá ou em São Paulo.

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Décadas após o lançamento do Mercosul, apenas um grupo reduzido de brasileiros vive na Argentina e vice-versa, apesar das condições preferenciais de visto.

A causa da unidade latino-americana seria melhor trabalhada com projetos menos políticos, mas mais substanciais (ainda que mundanos) – conforme mencionado por Lula na reunião, como a harmonização das regulamentações financeiras e a redução da burocracia. Mas é preciso fazer mais e falar menos. Se o Brasil quiser liderar a região, precisará fazer mais do que organizar cúpulas para se vender como uma alternativa respeitosa em um mundo liderado pelos Estados Unidos.

Esta coluna não reflete necessariamente a opinião do conselho editorial ou da Bloomberg LP e de seus proprietários.

Juan Pablo Spinetto é editor-chefe de economia e governo da Bloomberg News na América Latina.

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