Como a Shein pode ajudar a salvar a Coteminas, do presidente da Fiesp

Acordo para fornecer à gigante chinesa pode desafogar as finanças do grupo têxtil liderado por Josué Gomes, que tem dívida de R$ 800 mi, Ebitda negativo e atraso de salários

O empresário é dono da Coteminas, que assinou memorando de entendimento para fornecer à gigante chinesa Shein
08 de Maio, 2023 | 04:45 AM

Bloomberg Línea — Financiamentos caros, salários atrasados e negociações para venda de imóveis e até de créditos tributários: essa é hoje a fotografia da Coteminas, empresa do ramo têxtil controlada pela família do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes. Mas a situação delicada da companhia pode mudar diante de um acordo anunciado com a gigante chinesa Shein.

Segundo fontes ouvidas pela Bloomberg Línea, o acordo anunciado há duas semanas foi costurado por interlocutores do governo federal. Josué estava na comitiva de empresários que acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na viagem à China em março. O empresário já havia sido convidado para ser ministro de Lula na atual gestão, mas recusou, mantendo-se à frente de uma das entidades de classe mais poderosas do país.

Procurada pela Bloomberg Línea, a Coteminas não respondeu aos pedidos de comentários.

A Coteminas foi fundada pelo pai de Josué, José Alencar (1931-2011), que vice-presidente da República nos dois primeiros mandatos de Lula e importante nome da ponte com o empresariado. O grupo detém as marcas Artex, MMartan, Casa Moysés e Santista, com oito unidades fabris em Montes Claros (MG), Blumenau (SC), Macaíba (RN), Campina Grande e João Pessoa (PB), além de uma na Argentina.

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Estima-se que as fábricas do grupo empregam aproximadamente 7.000 pessoas no Brasil. O conglomerado também possui uma rede de cerca de 240 lojas no varejo.

Em um cenário de aperto financeiro, o acordo preliminar da empresa brasileira - caso concretizado - com a gigante chinesa Shein não poderia chegar em um momento mais propício.

A Coteminas reportou dívida líquida de R$ 791 milhões no terceiro trimestre de 2022, no último balanço divulgado pelo grupo. No segmento de atacado, que é a fabricação propriamente dita, a geração de caixa medida pelo lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) foi negativa no período (-R$ 56 milhões). Nos nove primeiros meses de 2022, o indicador foi negativo em R$ 62 milhões.

O chamado “custo de ociosidade” – o quanto uma empresa gasta para manter as operações com utilização baixa – ficou em R$ 44 milhões de julho a setembro de 2022. No período, a receita líquida foi de R$ 210 milhões.

Diante da deterioração do cenário, a companhia chegou a pedir o waiver (adiamento) de obrigações financeiras de “parte relevante” dos contratos financeiros, segundo informou no balanço do terceiro trimestre.

O Banco do Brasil (BBAS3), controlado pela União, é o principal credor financeiro do grupo, mas outras instituições financeiras – incluindo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa – também têm valores a receber da Coteminas. Segundo uma fonte do mercado financeiro, a companhia têxtil enfrenta cada vez mais dificuldades para negociar suas dívidas com os bancos.

Outro sinal das dificuldades do grupo foi uma recente emissão de debêntures (títulos de dívidas) conversíveis em ações, a uma taxa de 20% ao ano, o que indicaria que a empresa não tem mais “bancabilidade” (disposição de agentes financeiros de aportar recursos no negócio), segundo uma fonte familiarizada com o assunto, que falou sob condição de anonimato.

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Neste contexto, a Coteminas teve discussões para vender parte de seus créditos tributários, apurou a Bloomberg Línea com uma fonte ligada à operação, que falou sob anonimato porque as conversas são privadas. Também há negociações para venda de ativos físicos, como imóveis.

Para outra fonte do mercado financeiro, a iniciativa do grupo de verticalizar a operação há alguns anos com a entrada no varejo – primeiro com a MMartan e, posteriormente, com a Artex – não tem sido bem-sucedida. A situação do grupo só piorou com a crise da Americanas, que apertou o setor varejista e o mercado de crédito no país. As dificuldades na Marisa também impactam a fabricante têxtil.

Atraso de salários e funcionários afastados

Funcionários da Coteminas em Blumenau fizeram protestos na porta da fábrica em fevereiro deste ano após atrasos de salários, segundo relatos. O Sindicato dos Trabalhadores Têxteis de Blumenau, Gaspar e Indaial disse que houve atrasos nos pagamentos de proventos referentes a janeiro e março.

Conforme o presidente do sindicato, Carlos Maske, a Justiça determinou na semana passada que, caso haja novos atrasos de salários, a Coteminas terá que pagar multa de R$ 100 por dia para cada trabalhador (com limite de R$ 1 mil) pelos próximos dez meses.

A entidade também tem uma ação na Justiça contra a empresa envolvendo depósitos de FGTS dos funcionários que estão em atraso. “Todas as unidades fabris da Coteminas atrasaram salários neste ano”, afirmou Maske. Há relatos de manifestações sobre salários e FGTS em outras fábricas, disse o dirigente.

A Coteminas, como relatado no início da reportagem, foi procurada pela Bloomberg Línea e não quis comentar.

A suspensão dos contratos de trabalho na fábrica começou em janeiro de 2022, informoua o sindicato, sob a alegação da empresa de piora da demanda em decorrência da pandemia. A Coteminas teria argumentado na ocasião que sequer havia recursos para a compra de matérias-primas.

Atualmente, em Blumenau, 478 empregados estão em regime conhecido como layoff, que é a suspensão temporária do contrato de trabalho, por um período de cinco meses iniciado em janeiro de 2023. Parte do salário desses funcionários é proveniente do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Há ainda uma complementação por parte da empresa até atingir o total do salário líquido.

Outra parcela dos funcionários está em regime de licença remunerada, recebendo 100% do salário líquido da Coteminas. Uma pequena fatia está fazendo a manutenção do parque fabril.

Maske disse que a empresa não responde aos pedidos de esclarecimento dos funcionários. “Por inúmeras vezes tentamos obter alguma resposta por parte deles [Coteminas], mas sem sucesso.”

“O Josué [Gomes] ligou para o sindicato no início de fevereiro dizendo que a companhia está passando por um momento difícil, decorrente da pandemia, e que seria preciso reestruturar a empresa”, disse.

O que disse a Shein

Segundo o dirigente, o sindicato tem recebido relatos de funcionários dizendo que têm sido convocados, via comunicado, para retornar ao trabalho. Ele acredita que isso pode ser reflexo do anúncio do acordo com a Shein, embora nenhum detalhe tenha sido fornecido por parte da Coteminas.

No último dia 20 de abril, a companhia assinou um memorando de entendimento com a Shein que prevê esforço conjunto para que 2.000 empresas parceiras da Coteminas se tornem fornecedoras da gigante asiática no Brasil e na América Latina. O acordo também contempla financiamento de capital de giro e um contrato de exportação de produtos. Os valores não foram informados.

“Essa parceria foi realizada devido à relevância da Coteminas no mercado têxtil nacional e à ótima qualidade de seus produtos”, afirmou a Shein em nota à Bloomberg Línea.

O grupo chinês reforçou que a parceria com a Coteminas não é exclusiva e que a intenção de nacionalizar 85% de suas vendas no país passa pela criação de uma “grande rede de fornecedores e fabricantes locais que possam gerar um impacto real e positivo na indústria têxtil brasileira”.

A asiática afirmou que pretende investir, inicialmente, R$ 750 milhões para fornecer tecnologia e treinamento aos fabricantes para que possam “atualizar seus modelos de produção tradicionais para o modelo sob demanda da Shein”, conhecido como sendo de fast fashion.

Segundo fontes do mercado financeiro ouvidas pela Bloomberg Línea, o movimento considerado “diplomático” pode ajudar a Coteminas. Na avaliação de uma das fontes, a redução da ociosidade na linha de produção pode contribuir para a diminuição dos prejuízos ou até uma geração de caixa positiva, ainda que não esteja claro como funcionará a parceria na prática - um dos riscos seria postergar a necessidade de correção de problemas estruturais da operação do grupo.

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Juliana Estigarríbia

Jornalista brasileira, cobre negócios há mais de 12 anos, com experiência em tempo real, site, revista e jornal impresso. Tem passagens pelo Broadcast, da Agência Estado/Estadão, revista Exame e jornal DCI. Anteriormente, atuou em produção e reportagem de política por 7 anos para veículos de rádio e TV.